Jeff CarrollEscrito por Dr Jeff Carroll Traduzido por Filipa Júlio Editado por Professor Ed Wild

A perda de peso é um sintoma comum na doença de Huntington e um dos sintomas que permanece inexplicável. Agora, ao estudarem o sistema digestivo de ratinhos DH - e prestando muita atenção aos seus excrementos -, os investigadores desvendaram uma pista para explicar a perda de peso na DH.

Perda de peso na DH

Como muitos doentes e cuidadores sabem, a perda de peso é um sintoma comum na doença de Huntington. Misteriosamente, a perda de peso corporal na doença de Huntington por vezes acontece mesmo antes dos sintomas mais visíveis surgirem. Surpreendentemente, pode continuar a ocorrer mesmo se houver uma grande ingestão de alimentos. Como a própria doença, a perda de peso na DH é mais grave em doentes com mutações mais extensas no gene huntingtin - o que sugere que compreender este aspecto poderá ensinar-nos mais acerca do processo da doença.

O sistema digestivo, aqui a cor de laranja, poderá estar directamente afectado na DH, levando à perda de peso corporal.
O sistema digestivo, aqui a cor de laranja, poderá estar directamente afectado na DH, levando à perda de peso corporal.

Um estudo recente realizado pelo grupo da Dra Åsa Petersen, na Suécia, e analisado pelo HDBuzz, demonstrou que os efeitos da proteína huntingtina numa região do cérebro denominada “hipotálamo” provavelmente contribuirão para as alterações de peso corporal na DH. No entanto, dificilmente esta será a explicação completa do fenómeno - um dos desafios do gene huntingtin é o facto de ser encontrado em quase todas as células do corpo. Assim, poderá a huntingtina estar a interferir directamente no processo digestivo de uma forma que contribui para a perda de peso?

O cérebro no intestino - o “sistema nervoso entérico”

Os neurónios são células que comunicam através de sinais eléctricos e químicos. Normalmente, consideramos que os neurónios estão confinados ao cérebro e a outras áreas específicas, como olhos e ouvidos. O que muitos não sabem é que existem milhões de neurónios nos tecidos do sistema digestivo - estômago e intestinos. Estes neurónios são responsáveis pela monitorização da ingestão de comida e pela adaptação do processo digestivo às necessidades nutritivas do corpo. Por vezes designado como o “segundo cérebro”, os cientistas referem-se a este sistema de neurónios como “sistema nervoso entérico”.

Os cientistas demonstraram previamente que a proteína huntingtina pode ser encontrada nos neurónios do intestino. Contudo, não é ainda claro o que lá está exactamente a fazer e se há alterações na digestão quando a proteína huntingtina sofre mutações. Um grupo de cientistas europeus, dirigido pelo Dr Nils Wierup e pela Dra Maria Bjorkqvist, na Universidade de Lund, na Suécia, dispôs-se a tentar compreender este importante problema.

Neurodegeneração no intestino?

Uma forma de os neurónios comunicarem é libertando pequenas quantidades de proteína, denominadas “peptídeos”. Estes peptídeos podem enviar mensagens numa série de situações diferentes, dependendo da sua sequência específica. Alguns dizem “acelera a digestão”, outros dizem “vai mais devagar”.

Esta comunicação permite que o processo digestivo se adapte às alterações na ingestão de alimentos e às necessidades nutricionais. Os neurónios que são activados por alguns destes peptídeos estão ausentes no intestino do modelo animal de ratinho DH.

Assim, os investigadores analisaram a estrutura do sistema digestivo dos ratinhos DH. O estômago e os intestinos são revestidos por células que ajudam a digerir os alimentos e a absorver os nutrientes. Os investigadores descobriram que esta camada de células era mais fina no modelo animal de ratinho DH, o que poderia causar sérios problemas na nutrição dos ratinhos.

«Os ratinhos DH expelem mais comida não digerida do que os ratinhos normais. Isto significa que estão a receber menos nutrientes dos alimentos para o seu corpo. »

Menos para dentro ou mais para fora?

A tarefa principal do sistema digestivo é a de ingerir os alimentos, deslocá-los pelo corpo enquanto os nutrientes são absorvidos e expelir os excedentes. Para os leigos como nós, estamos a falar de “comer” e “defecar”.

O tempo que a comida ingerida demora a percorrer todo o sistema digestivo é maior no modelo animal de ratinho DH, o que faz sentido, tendo em conta todas as alterações observadas nos seus neurónios e noutras células.

Mas será que isto tem um impacto na nutrição do ratinho ou será que é apenas um efeito secundário do facto de o ratinho estar doente? Como os ratinhos comem e defecam numa gaiola, é possível medir a quantidade de nutrientes que estão a receber dos alimentos.

Seguramente, os ratinhos DH expelem mais comida não digerida do que os ratinhos normais. Isto significa que estão a receber menos nutrientes dos alimentos para o seu corpo. Os ratinhos que tiveram uma digestão menos eficaz foram os que perderam mais peso, o que sugere que existe uma relação entre estes dois problemas.

Implicações e mistérios

Este estudo mostra muito claramente que os modelos animais de ratinhos DH têm problemas de intestinos que provavelmente contribuem para a sua perda de peso. No entanto, os investigadores ainda não conseguiram estabelecer se isto acontece nas pessoas com doença de Huntington. Será muito importante estudar os doentes para compreender a relevância destas descobertas. Este esforço valerá muito a pena - as pessoas magras parecem ter sintomas mais graves de DH, pelo que melhorar a nutrição poderá realmente ajudar os doentes de Huntington. Este estudo lança as bases para o desenvolvimento de mais estudos em humanos com DH.

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