Ed WildEscrito por Professor Ed Wild Traduzido por Filipa Júlio Editado por Dr Jeff Carroll

A doença de Huntington surge quando uma das nossas duas cópias do gene Huntington é maior do que o normal. O papel da cópia menor tem sido muito discutido. Agora, uma análise recente de uma grande base de dados, sugere que a “extensão de repetições CAG” menor não influencia o momento de início dos sintomas de DH.

O que é a extensão de repetições?

Quando a anomalia genética que causa a doença de Huntington foi descoberta em 1993, um facto que se destacou foi o de não se tratar apenas de um simples erro ortográfico.

Não se preocupe com coisas pequenas: já não se pensa que a menor das duas "extensões de repetições CAG" afecte o momento de ter sintomas
Não se preocupe com coisas pequenas: já não se pensa que a menor das duas “extensões de repetições CAG” afecte o momento de ter sintomas

A maioria das doenças genéticas é causada por erros de uma letra no nosso código genético - só uma das bases químicas que compõem o nosso DNA está alterada, acrescentada ou omissa.

Contudo, na doença de Huntington, a alteração é mais semelhante a um “gaguejo” químico. No início do gene Huntington, uma sequência de letras - CAG - é várias vezes repetida, normalmente entre dez a vinte vezes. A equipa que descobriu a mutação detectou que todas as pessoas com doença de Huntington tinham um número anormalmente elevado de CAG em linha - trinta e seis ou mais.

Toda a gente tem dois genes Huntington

De facto, todos temos duas cópias do gene Huntington - uma herdada da mãe, outra herdada do pai. E basta apenas uma cópia expandida para causar a DH.

Designamos o número de CAG em cada cópia do gene Huntington como extensão de repetições CAG, e cada pessoa possui duas extensões de repetições CAG.

A maior parte das pessoas tem duas extensões de repetições “normais”. A maior parte das pessoas com doença de Huntington, ou que irão desenvolver DH, tem uma extensão de repetições normal e uma extensão de repetições expandida. E um número muito reduzido de pessoas tem duas extensões de repetições expandidas.

O tamanho importa

Antes de aprofundarmos as novidades acerca deste tópico, vamos olhar brevemente para o que não mudou.

Pouco depois da descoberta da mutação, os investigadores verificaram que as pessoas que desenvolviam a DH numa idade mais precoce tendiam a apresentar uma extensão de repetições maior no gene Huntington expandido.

Após cuidadosos estudos, constatou-se que a extensão de repetições maior era um factor essencial na determinação quer do momento de início dos sintomas, quer da sua velocidade de progressão. Quanto maior a quantidade de CAG, mais precocemente a doença poderá iniciar-se.

No entanto, esta relação não era perfeita - na maioria das pessoas, a extensão de repetições não podia ser utilizada para prever o momento de início dos sintomas. Existia ainda uma grande variabilidade que não era causada pela maior das duas contagens CAG.

Desde há vários anos que tentamos identificar o que é que provoca esta variabilidade. Será a dieta, o estilo de vida, medicamentos ou efeitos de outros genes que não o gene da DH? Até agora, não temos ainda certezas.

A extensão de repetições menor

«Voltamos a uma situação simples: a contagem CAG maior afecta o início da doença, mas a menor parece não importar. »

Naturalmente, os investigadores questionaram se as diferenças na menor das duas contagens CAG da pessoa poderiam explicar porque é que indivíduos com a mesma extensão CAG aumentada poderão ter sintomas em idades totalmente diferentes. Mas quando diferentes equipas de investigadores analisaram o efeito da contagem CAG menor, chegaram a diferentes resultados.

Em 2009, uma equipa holandesa analisou dados de quase mil doentes participantes no vasto estudo REGISTRY. Como esperado, descobriram que a extensão de repetições CAG maior era o factor principal que determinava quando é que uma pessoa desenvolveria sintomas de DH. Nada surpreendente.

Mas quando a equipa analisou o efeito da contagem CAG menor, descobriu algo invulgar. Na maioria das pessoas, parecia ser bom para o cérebro se a contagem CAG menor fosse particularmente reduzida. Mas nas pessoas com um “CAG maior” particularmente elevado, o oposto parecia ser verdade - era melhor quando a outra contagem CAG estava no limite mais elevado do intervalo normal.

Assim, se a contagem maior de CAG da pessoa fosse 41, parecia ser melhor se o outro número de CAG fosse 12 e não 20. Contudo, se o seu CAG maior fosse muito elevado - por exemplo 60 ou 70 - então, por alguma razão, parecia ser melhor se o outro número de CAG fosse 20 e não 12.

Evidências estranhas, mas aparentemente convincentes, de que ambas as contagens de CAG eram importantes.

Mais devagar!

Se está com a cabeça às voltas com toda esta história de número menor, número maior - relaxe! Graças a um novo estudo acabado de publicar na revista científica “Neurology”, tudo se tornou mais fácil de compreender.

Uma equipa de investigadores dirigida pelo Prof Jim Gusella, do “Massachusetts General Hospital”, em Boston, produziu um estudo ainda mais vasto, envolvendo mais de 4000 pessoas participantes nos estudos REGISTRY, COHORT e PREDICT. Este novo estudo incluiu todos os dados do estudo de 2009 - e também uma grande quantidade de novas informações.

Gusella quis reanalisar tudo, pelo que pediu à sua equipa que olhasse à lupa para os modelos estatísticos que foram previamente utilizados.

O que descobriram é um bocadinho picuinhas mas bastante interessante. Quando os peritos em estatística analisam dados, têm que partir de determinadas suposições, para poderem utilizar fórmulas matemáticas para fazer previsões. Normalmente, isso é correcto, já que grandes quantidades de dados tendem a comportar-se dentro do esperado.

Mas, desta vez, descobriram que uma suposição que tinham feito não estava correcta. Mais especificamente, constataram que bastou um doente invulgar - com uma contagem CAG muito elevada de 120 e com a outra contagem CAG muito reduzida, de 11 - para se dar o aparente efeito global da contagem CAG menor!

Quando analisaram novamente os dados, deixando de parte aquele único doente, descobriram que não havia efeito da contagem CAG menor. O único factor a afectar o início de sintomas era a extensão de repetições CAG maior.

Partir do zero

A equipa de Gusella partiu do zero para produzir formas novas e confiáveis de estudar o efeito dos factores genéticos na DH.
A equipa de Gusella partiu do zero para produzir formas novas e confiáveis de estudar o efeito dos factores genéticos na DH.

Preocupada com o facto de uma só pessoa ter tido um efeito tão enganador numa amostra de quase mil pessoas, a equipa de Gusella quis desenhar um modelo estatístico melhor para analisar o seu vasto conjunto de dados, que não fosse tão influenciado por casos individuais extremos.

O que descobriram foi, de facto, bastante reconfortante. Não encontraram efeito da extensão de repetições CAG menor, nem provas de que as extensões de repetições maior e menor possam interagir.

Mesmo nas dez pessoas com as duas contagens CAG anormalmente expandidas, o único factor a afectar a idade de início da doença foi a maior das duas contagens.

Portanto, regressamos a uma situação relativamente simples: a extensão de repetições CAG maior afecta, de facto, o início da doença, mas não de uma forma em que se possam fazer previsões individuais para cada doente. Entretanto, a extensão de repetições menor parece não interessar para nada.

Retrocesso ou progresso?

Esta nova análise podia ser encarada como um retrocesso: algo que achávamos que sabíamos afinal não é verdade.

Mas encaramo-la de modo diferente. Pensamos que descobrir a verdade acerca do que causa a DH é o mais importante, mesmo que isso implique questionar as nossas suposições mais básicas.

De facto, a sugestão feita em 2009 de que haveria uma interacção entre as repetições CAG maior e menor era um pouco estranha, e tornou-se bastante difícil de explicar em face do que sabemos acerca da proteína huntingtina mutada.

Portanto, agora que sabemos que o alelo menor voltou ao seu original estado de obscuridade, temos menos uma coisa com que nos preocupar. E podemos estar confiantes em relação às estatísticas usadas.

Outra grande vantagem deste estudo é a de que nos deu novas e mais confiáveis formas matemáticas de olhar para o efeito das diferenças genéticas no início dos sintomas.

Como estão a caminho grandes estudos, que irão analisar o genoma humano inteiro à procura de genes que possam influenciar a DH, estes métodos irão, com certeza, mostrar-se muito valiosos num futuro próximo.

Este é um bom exemplo do que já dissemos anteriormente: a ciência é cumulativa. Todos os dias sabemos um pouco mais acerca da DH. E, cada dia, estamos um dia mais perto de obter um tratamento eficaz.

Os autores não têm qualquer conflito de interesses a declarar. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...