Escrito por Mr. Shawn Minnig Editado por Dr Jeff Carroll Traduzido por Antonio Azevedo

Recentemente tem surgido uma torrente de notícias sobre o uso de algo chamado edição genética, enquanto terapia potencial para doenças genéticas como a doença de Huntington. Estas abordagens, que incluem ferramentas com nomes exóticos como nucleases dedo-de-zinco e CRISPR/Cas9, diferem das formas mais tradicionais de reduzir o impacto da mutação DH em células. O que há de novo nesta área empolgante da investigação?

Relembrar a estratégia de redução da quantidade de huntingtina

Tem havido muito entusiasmo recentemente à volta do avanço de uma nova terapia para a doença de Huntington, a redução da quantidade de Huntingtina, por vezes chamada de silenciamento genético. O primeiro deste tipo de fármacos a chegar a ensaios-clínicos humanos em DH, chamado oligonucleotidos antisenso(ASOs), reduz a quantidade da proteína huntingtina mutante danosa que é criada na célula e em última medida limita os danos que esta pode causar.

O seu ADN é como um diagrama mestre com as instruções para o construir a si mesmo, enquanto que o mARN e' como as copias individuais do diagrama mestre que são distribuídas pelos trabalhadores para construírem eficientemente.
O seu ADN é como um diagrama mestre com as instruções para o construir a si mesmo, enquanto que o mARN e’ como as copias individuais do diagrama mestre que são distribuídas pelos trabalhadores para construírem eficientemente.

Quem tem vindo a acompanhar sabe que os primeiros ensaios, a avaliar a segurança dos ASOs em pacientes DH humanos estão neste momento a decorrer(http://en.hdbuzz.net/204), mas alguns dos leitores poderão também lembrar-se de que os ASOs não são os únicos intervenientes no que se refere a formas inovadoras de reduzir a quantidade de proteína huntingtina danosa.

De facto, duas outras novas técnicas terapêuticas conhecidas como nucleases-dedo-de-zinco e CRISPR têm gerado muita discussão recentemente. Embora tenhamos coberto ambas as abordagens anteriormente (http://en.hdbuzz.net/023), uma revisão rápida de como operam e das diferenças entre elas será útil para compreender alguns dos novos achados.

Provavelmente recorda-se desde as suas primeiras aulas de biologia de que o seu DNA contem um conjunto detalhado de instruções para como construir, bem, você! Cada célula no seu corpo é em muito como um local de construção, e o seu DNA é o diagrama mestre com as instruções para pegar nos elementos mais básicos da construção (chamados de aminoácidos) e torna-los em proteínas funcionais que contribuem para todas as suas características únicas e que se certificam de que as coisas no seu corpo continuam a funcionar tranquilamente e sem problemas.

Chamamos às instruções no DNA para construir proteínas específicas de genes, e cada um de nós tem duas copias do gene para fazer uma proteína importante chamada huntingtina. Os sintomas associados à doença de Huntington ocorrem porque um destes conjuntos de instruções genéticas desenvolveu um erro de impressão que faz com que a proteína huntingtina seja construída de forma imprópria. Na grande maioria dos pacientes DH, isto leva a dois tipos de proteína huntingtina - uma proteína huntingtina mutante que já não funciona corretamente, e uma proteína huntingtina saudável que funciona corretamente.

Vamos lá à construção…

Dentro de cada uma das células do seu corpo, o seu DNA é guardado e protegido bem fundo no interior da célula, num local chamado núcleo, muito como um diagrama mestre para um edifício que foi guardado pela gestora da obra no seu escritório para evitar que fosse danificado.

Num verdadeiro local de construção, seria muito lento e ineficiente se cada trabalhador tivesse de se deslocar até ao escritório da gestora da obra para usarem o mesmo conjunto de instruções ao construir, e constata-se que o mesmo é verdade para as nossas células.

Para evitar este problema, é feita uma cópia de trabalho das instruções, que é usada como modelo para a construção de proteínas. Esta cópia de trabalho é chamada de ARN mensageiro, ou mARN, e é copiado a partir do ADN original e enviado para a célula onde é usado para construir, em maior escala, muitas cópias da mesma proteína(s).

Se o nosso ADN é como o diagrama mestre original, então o mARN é muito como as cópias individuais do diagrama que são entregues pelo gestor da construção à sua equipa para que possam começar a construir eficientemente. Isto pode parecer confuso, mas para o nosso propósito tudo que precisa de saber é que há três passos envolvidos na construção de uma proteína: ADN -> mARN -> proteína.

ASOs, Dedos de Zinco, & CRISPR: Mesmo Objetivo, Métodos Diferentes

É importante fazer a distinção entre o gene DH no ADN e no mARN porque são alvos distintos visados de forma diferenciada por diferentes terapias, em rápido desenvolvimento, de redução da quantidade de huntingtina. Estas incluem um zoo de diferentes técnicas como ASOs, dedos-de-zinco, e uma nova abordagem chamada CRISPR/Cas9. No seu essencial, todas estas técnicas terapêuticas têm o mesmo objetivo em mente - reduzir a quantidade de proteína huntingtina mutante danosa produzida na célula - mas propõem-se a alcançar este objetivo de formas muito diferentes.

Das três opções, os ASOs são os que já cá andam há mais tempo, o que pode não o surpreender visto terem emergido como os primeiros a serem avaliados em pacientes DH humanos. Os ASOs funcionam dizendo às células para ‘matarem o mensageiro’, neste caso o mARN intermediário que contem as instruções do DNA para fazer uma proteína. Numa célula tratada, os fármacos ASO literalmente colam-se ao mARN que transmite as instruções para a construção da proteína huntingtina mutada danosa, e convence a célula a desfazer o mensageiro em pedacinhos, para que a proteína não possa ser produzida.

Muitos cientistas e pessoas da comunidade DH estão fortemente entusiasmados pelo avanço da terapia com ASOs como opção de tratamento para DH, mas o facto permanece que a terapia com ASOs não tem como alvo a causa última da DH (o gene DH avariado codificado no ADN de uma pessoa) e fica a um passo de distância ao ter como alvo o mARN. Uma vez que o gene mutante continua ainda presente no ADN, o mARN e a proteína mutantes continuariam a ser produzidos em células tratadas com ASOs. Isto significa, tanto quanto compreendemos hoje, que o tratamento com ASOs teria de ser continuado ao longo da vida.

Contrariamente à terapia de redução da quantidade de huntingtina usando ASOs, novas técnicas incluindo nucleases dedo-de-zinco e CRISPR/Cas9 são ambas uma forma de técnica de edição genética. Estas fantásticas novas ferramentas permitem aos cientistas terem como alvo a fonte última do problema em DH, a mutação do ADN ela própria. As ferramentas permitem aos investigadores dirigirem-se com precisão a um alvo numa localização especifica no ADN (como as instruções para fazer a proteína huntingtina), onde depois podem utilizar variados truques úteis.

Um destes truques que podem utilizar funciona como um sinal de stop para a célula. Quando a maquinaria que normalmente lê o ADN chega ao gene DH mutado, ferramentas de edição genética apropriadamente desenhadas podem manda-la embora - dizendo-lhe para não fazer o seu trabalho normal naquele preciso gene. Isto resulta em nem mARN nem proteína huntingtina mutada sejam gerados a partir desse momento em diante. Repare que isto é diferente da forma como os ASOs funcionam, que se baseia na degradação de mARN que já foi formado.

Uma importante nova técnica de edição genética chamada CRISPR/Cas9 tem recentemente entusiasmado muita gente. Estas ferramentas emprestadas de certas espécies bacterianas que as usam como uma forma de sistema imune, permite às células inserir sequências de ADN de proveniência externa no seu próprio ADN. Seres humanos mesmo espertos pegaram nestas ferramentas das bactérias e re-engenheiraram-nas de forma a permitir aos cientistas fazer cortes precisos no ADN em sequências especificas.

Em teoria, e no laboratório, as técnicas CRISPR podem ser usadas para cortar sequências especificas de ADN de forma a que a célula não possa mais ler um gene. Podem também ser usadas para dar instruções às células para fazerem modificações especificas a sequências de DNA - mesmo, em teoria, indicações para reparar mutações como as que causam a DH. Ter como alvo a causa da DH na sua fonte (o gene DH), permitiria que tanto o mARN mutante como a proteína huntingtina mutante deixassem de ser produzidos, não podendo mais causar danos.

Segurança Primeiro!

Se se encontra a ponderar porque não estamos já a testar estas novas ferramentas como fármacos, a razão deve-se a várias coisas terem de acontecer no processo de desenvolvimento do fármaco, antes de que possa ser testado em pacientes DH, para nos certificarmos de que o produto final é tanto seguro como eficaz.

Primeiro, os cientistas precisão de descobrir formas de fazer chegar estes fármacos ao cérebro onde a proteína huntingtina mutante faz a maior parte dos danos. Isto é difícil - os nossos cérebros são particularmente bons a manter fora coisas que possam ser perigosas, e infelizmente e não está disposto a dar passagem gratuita a estes fármacos. Se tentássemos coloca-los num comprimido ou injeta-los no nosso sangue, os nossos corpos iriam degrada-los e torná-los inúteis muito antes de estes chegarem ao cérebro.

Como os ASOs já cá estão há mais tempo, os cientistas tiveram mais tempo para lidar com este problema para eles, embora a solução alcançada ainda esteja longe de ser perfeita. Os ASOs a ser usados no ensaio-clinico em pacientes DH humanos têm de ser injetados para o fluido que banha o cérebro e a espinal medula, o líquido cefalorraquidiano. Temos todas as razões para acreditar que este ensaio vai funcionar, mas é obviamente mais complicado do que tomar um comprimido.

«No seu essencial, todas estas técnicas terapêuticas têm o mesmo objetivo em mente - reduzir a quantidade de proteína huntingtina mutada danosa produzida na célula - mas propõem-se a alcançar este objectivo de formas muito diferentes. »

As ferramentas de edição genética como o CRISPR e os dedos-de-zinco são ainda mais complicadas de fazer chegar às células que os ASOs. Isto deve-se ao facto de elas próprias serem proteínas, que são mais difíceis de fazer chegar às células intactas.

Para contornar o problema, os investigadores usam vírus inofensivos para dar boleia às instruções de ADN para fazer estas proteínas nas células do cérebro. A partir daí as células são enganadas de forma a usarem a mesma maquinaria que usariam para construir as suas próprias proteínas para também construir ferramentas de edição genética, essencialmente tornando as células em fábricas dos seus próprios fármacos!

O que há de novo sobre Dedos-de-Zinco em DH?

Não ficando desencorajadas pelo desafio, muitas equipas de investigação têm trabalhado arduamente em responder às questões anteriormente mencionadas para fazer progressos que permitam a aplicação destas novas técnicas em DH. Anteriormente, o HDBuzz reportou que um grupo de investigadores de Espanha tinha testado um novo fármaco dedo-de-zinco que mostrou alguns efeitos benéficos num estudo curto usando um modelo de DH em ratinhos (http://en.hdbuzz.net/103).

Recentemente, a mesma equipa de investigação - liderada por Mark Isalan, que agora reside no Imperial College em Londres, R.U. - desenhou e testou uma versão atualizada do seu fármaco para ver se conseguiam melhorar os seus efeitos por um período mais longo de tempo e reduzir a resposta imune danosa no cérebro associada com a entrega do fármaco usando AAVs.

Após um período intenso de ajustes bioquimicos, Isalan e os colegas foram capazes de demonstrar que o seu novo e melhorado candidato dedo-de-zinco era mais eficaz que a versão anterior em reduzir a quantidade de proteína huntingtina mutante, tinha um efeito mais longo, era mais seletivo tendo como alvo apenas o gene DH, e apresentava um perfil de segurança muito melhor que a versão anterior.

Estes são de facto achados entusiasmantes, e todos são passos positivos na direção de tornar a terapia dedo-de-zinco uma opção viável para o tratamento da DH humana! Este trabalho lento e paciente com os dedos-de-zinco é semelhante ao que aconteceu com os fármacos ASO, que começaram a corrida vários anos antes das ferramentas de edição genética.

Então e o CRISPR?

Embora seja considerada a forma com maior precisão a efetuar edição genética, a tecnologia CRISPR é ainda a tecnologia mais recente disponível, com a qual os cientistas tiveram muito menos tempo para ganhar experiência e limar arestas.

Num avanço entusiasmante na utilização de CRISPR como opção terapêutica para DH, uma equipa de investigadores liderada por Jong-Min Lee no Massachusetts General Hospital desenvolveu um construto CRISPR capaz editar seletivamente as cópias do gene DH mutantes mas não as saudáveis, em células numa caixa de petri. Tomando partido da capacidade do CRISPR em ter alvos altamente específicos, foram capazes de instruir as células tratadas a cortarem fora o gene DH mutado, deixando ao mesmo tempo a cópia saudável intacta.

Com certeza que uma coisa é demonstrar que um fármaco é eficaz em células numa caixa de petri e que outra inteiramente diferente é demonstrar que também pode ser eficaz quando testado em organismos vivos. Isto é especialmente verdade para técnicas como o CRISPR - tanto quanto sabemos hoje, precisamos de um virus para transportar as instruções para cada uma das nossas 100 biliões de células do cérebro, de forma a resgatar cada uma destas dos efeitos do gene DH mutado.

Outro risco é que o CRISPR e outras ferramentas de edição genética modificam o ADN permanentemente. Isto é diferente dos fármacos como o ASO que eventualmente são limpos do cérebro, significando que os seus efeitos desvanecem com o tempo se não houver um novo tratamento com o fármaco.

À primeira vista, esta ideia parece fantástica! Se pudéssemos curar a DH com um único tratamento, gostaríamos certamente de ser capazes de o fazer. Contudo, estamos ainda sem certezas quanto ao efeito a longo termo associado com a deleção permanente do gene DH e a redução da quantidade de proteína Huntingtina que é gerada, independentemente de ser mutada ou não. Existe a possibilidade de que a deleção permanente do gene DH possa levar ao surgimento de algum problema de saúde grave de outra natureza mais tarde. Vamos precisar de investir um tempo considerável a estudar os seus efeitos antes de podermos saber se de facto é uma terapia segura.

O que vem a seguir?

Há ainda muito trabalho a ser desenvolvido antes de técnicas de edição genética como os tratamentos com dedos-de-zinco e CRISPR se tornarem opções viáveis para a Doença de Huntington, mas a investigação aqui apresentada mostra que tomámos passos importantes para alcançar este feito.

Enquanto que os resultados recentes mostram que a terapia dedo-de-zinco é efetiva num modelo da DH em ratinho - cujos cérebros são menores que um centavo - vai ser muito mais difícil demonstrar que seria eficaz em humanos, cujos cérebros são muito maiores, mais complexos e implicam vários outros desafios a ultrapassar. A terapia CRISPR vai provavelmente demorar ainda mais tempo, visto que estamos apenas agora a chegar ao ponto em que podemos fazer planos para testar a sua eficácia em modelos da DH em ratinho

Contudo, isto não é razão para ficar desencorajado, bem pelo contrário! A parte mais entusiasmante sobre a investigação atual é que mostra que temos múltiplas ferramentas à nossa disposição enquanto tentamos desenvolver terapias de redução da quantidade de proteína para a DH. Mesmo que se verifique que uma opção não funciona como esperávamos que funcionasse, estamos a fazer um progresso continuo no desenvolvimento de outras novas terapias que poderão também constituir terapias eficazes para a DH.

Esta ideia é algo que muitos estão rapidamente a começar a adotar - recentemente duas companhias farmacêuticas, a Sangamo Biosciences e a Shire Pharmaceuticals, juntaram forças para acelerar os seus esforços em desenvolver terapias dedos-de-zinco como opção terapêutica para a Doença de Huntington. Embora vá demorar a resolver todos os detalhes, imaginamos que seja uma questão de tempo até o mesmo se tornar verdade para o CRISPR. Pessoalmente, pensamos que o progresso que foi feito até ao momento presente deixa-nos com muito com que ficar entusiasmado!

Os autores não têm qualquer conflito de interesses a declarar. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...