Pergunte ao especialista: perguntas e respostas sobre o ensaio clínico de redução dos níveis de huntingtina
Em entrevista coordenada pela UK HD Association, Dr Ed Wild responde a perguntas sobre recém anunciado ensaio
Escrito por Professor Ed Wild 20 de Dezembro de 2017 Editado por Dr Jeff Carroll Traduzido por Antonio Azevedo Publicado originalmente a 18 de Dezembro de 2017
As notícias científicas, anunciadas dia 11 de Dezembro 2017, de que a equipa de investigação do Huntington’s Disease Centre (Centro para a Doença de Huntington) no University College London fizeram um passo significativo para uma possível terapia para a doença de Huntington, levantou muitas questões para a comunidade da doença de Huntington. O Dr Ed Wild respondeu a algumas destas questões em nome da UK HD Association (Associação da DH do Reino Unido), ajudando a dar algum contexto sobre o que estas notícias significam para as pessoas afetadas pela doença de Huntington agora e no futuro.
O Ed diz
Obrigado por todas as vossas perguntas fantásticas. É um testemunho da dedicação e determinação desta comunidade ter havido tantas perguntas detalhadas e com profundidade. Respondi o melhor que pude. Embora esteja envolvido no programa HTTRx enquanto conselheiro e investigador, não estou a falar em nome da Ionis, Roche ou UCL neste artigo, mas sim enquanto co-fundador do HDBuzz e conselheiro científico da HDA. Nenhuma das minhas respostas deve ser ser interpretada como conselho médico. Espero que sejam úteis!
Esta medicação moderna poderia curar alguém que já tem sintomas da doença de Huntington? Estou consciente de que vai reduzir os níveis da proteína DH, mas para os que já estão a sofrer os sintomas sem medicação, o dano já está feito? Ou poderia eliminar a proteína potencialmente ajudar?
– Jodie
e
Isto vai ajudar alguém que tem DH ou é só para novos pacientes?
– Mark
As primeiras coisas primeiro - as notícias de que o IONIS-HTTRx reduz os níveis de proteína Huntingtina mutante é excelente - mas não é uma cura. De forma geral, eu penso que é melhor ter esperança de um “tratamento eficaz” porque a cura é um objetivo MUITO difícil de alcançar. Não conseguimos curar o HIV(vírus da SIDA) ou a diabetes, mas os avanços médicos transformaram dramaticamente estas doenças em condições geríveis. Este progresso acontece gradualmente, e temos de estar nisto a pensar a longo prazo.
Dito isto, pensamos que reduzir os níveis da proteína Huntingtina mutada com o IONIS-HTTRx tem o potencial de fazer uma diferença positiva, mesmo depois de os sintomas da DH terem começado. Mas não vamos saber até ser feito um ensaio clínico maior e mais longo. No ensaio que acabou de terminar, as pessoas foram apenas tratadas durante 3meses, que é um tempo demasiado curto para dar qualquer ideia sobre se o fármaco abranda a progressão da DH.
Ao longo do curso da DH, há alguns neurónios que foram perdidos, e outros que estão vivos mas que não estão bem. Não podemos substituir neurónios perdidos mas esperamos que o fármaco possa permitir que os que não estão bem possam funcionar melhor.
Quanto mais cedo tratarmos, mais provável será ver benefícios. Infelizmente, mesmo que vejamos um abrandamento ou melhoria cedo na DH, é provável que haja um ponto mais tarde na doença em que o fármaco não produza benefícios significativos. Mais uma vez, isto é algo que apenas podemos descobrir testando em mais pessoas por períodos mais longos.
Quais são os próximos passos no uso deste tratamento, para torná-lo disponível para outros pacientes que estejam dispostos a testar, o mais cedo possível. Como e onde?
– Arnar
e
Vai ser agora testado num grupo maior de pessoas? E se for o caso, quando está planeado?
– Steve
O próximo passo é um ensaio clínico maior e mais longo para testar a “eficácia” do fármaco - abranda a progressão da DH? Esse ensaio está agora a ser planeado e esperamos um anúncio da Roche nos próximos meses. Se tem DH ou está em risco, tenho três conselhos:
1) Certifique-se que está com seguimento regular numa clínica DH que tem um interesse em investigação - tanto diretamente ou como local que fornece voluntários para outros locais de ensaios clínicos.
2) Inscreva-se no estudo ENROLL-HD (detalhes em enroll-hd.org). Esse estudo é usado como base de dados para recrutamento em ensaio clínicos e é o primeiro sitio para o qual as equipas vão olhar quando o recrutamento começar.
3) Cuide de si. O próximo ensaio poderá estar a mais de um ano de distancia, e quanto mais saudável estiver, melhor chances terá de participar no próximo ensaio. Mantenha as visitas à clínica, ao médico de família, ao psiquiatra, ao fisioterapeuta e ao terapeuta da fala. Mantenha-se ativo, pratique exercício e coma bem. Procure aconselhamento cedo se a sua DH piorar, ou se algum novo problema médico surgir. Inscreva-se nos alertas de e-mail do HDBuzz - hdbuzz.net.
Quando pensa que o fármaco vai estar disponível para pessoas que testaram positivo ou estão com sintomas?
– Sophie
e
Quais são os critérios para participar no ensaio e quantos pacientes vão estar no novo recrutamento?
– Maria
O meu melhor palpite é que o próximo grande ensaio clínico comece em fins de 2018 ou inícios de 2019. Parece muito distante mas preparar um ensaio clínico com talvez dezenas de locais e centenas de doentes é uma coisa gigantesca para organizar. A Roche, a Ionis e os investigadores académicos estão todos a trabalhar tão rápido quanto possível para acabar de planear os próximos passos.
Penso que podemos esperar que o ensaio demore cerca de 3-4 anos do inicio ao fim. Mais uma vez, isto parece muito tempo mas é quanto tempo vai ser preciso para dar ao fármaco as melhores chances de mostrar que funciona. O pior cenário possível seria acelerar o próximo ensaio e obter um resultado negativo por causa de o ensaio ter sido demasiado curto.
Por outro lado, se se verificar que o fármaco é melhor do que esperado, o ensaio poderá ser encurtado.
Se o resultado for bom, a Roche irá candidatar-se a uma licença para prescrever o fármaco, o que poderia empurrar o tempo total para 5-6 anos ou ainda mais se houver contratempos pelo caminho. É preciso ser honesto neste ponto e confessar que os cientistas geralmente SUBestimam o tempo que estas coisas demoram. Peço desculpa se demorar mais tempo que as estimativas que dei aqui. Se de facto demorar mais tempo não será por não estarmos a dar o 100%.
Finalmente, vale a pena realçar que é possível que o ensaio demonstre que o fármaco não funciona - que não é capaz de abrandar a progressão da DH. Isso seriam más notícias, e teríamos de descobrir o porquê de não ter funcionado e ver o que haveria a fazer - mas não modificaria o facto de este gene e esta proteína serem o melhor alvo para lutar contra a DH.
Estou com curiosidade sobre a eficácia em DH juvenil.
– Tyler
O ensaio clínico atual teve uma idade minima de 25, por isso não foram recrutados pacientes com DH juvenil. A mesma proteína é responsável pela DH juvenil, por isso se o fármaco funcionar em DH de inicio tardio, deveria também funcionar em DH juvenil. Contudo, a DH juvenil é uma forma mais agressiva da doença, e o cérebro de pessoas jovens poderá ser mais sensível a efeitos laterais. Por isso poderá ser mais difícil de tratar a DH juvenil mesmo que o fármaco funcione bem. Eu posso prometer-vos que encontrar respostas para estas questões e ajudar pessoas com DH juvenil é uma alta prioridade para todos os envolvidos.
Os pacientes que estiveram no ensaio clínico continuaram com o tratamento?
– Laura
Sim. Os 46 voluntários do ensaio que acabou de terminar vão ser convidados a participar num estudo de ‘extensão em ensaio aberto’ ou OLE (do inglês ‘open-label extension’). Todos os participantes do OLE vão de forma regular receber o fármaco ativo - nenhum vai receber o placebo. Há três razões para isto.
1) Para agradecer aos voluntários por terem aceite o risco de estar entre os primeiros humanos a receber este fármaco. Todos os que participam em investigação DH são heróis a ajudar a mudar o mundo, mas estes 46 tomaram talvez o maior risco pessoal em nome da nossa comunidade.
2) Para obter mais dados, o mais cedo possível, sobre a segurança a longo prazo do fármaco.
3) Porque as pessoas normalmente não podem estar em 2 estágios diferentes do mesmo programa - por isso estas 46 pessoas provavelmente não poderão participar na próxima fase do ensaio clínico.
«O próximo passo é um ensaio clínico maior e mais longo para testar a “eficácia” do fármaco - consegue retardar a progressão da DH? »
Penso que muitas pessoas não fazem o teste porque por enquanto não há muito que se possa fazer se o teste der positivo. Se se decidir não fazer o teste antes disto começar vai afetar o quão rápido se pode ter acesso ao tratamento?
– Ruby
Fazer o teste é uma decisão intensamente pessoal e eu não gostaria de fazer oscilar ou persuadir ninguém num sentido ou noutro. É algo a ser considerado tendo em conta todos os pros e contras, em discussão com as pessoas que lhe são mais próximas e com o seu conselheiro genético.
O próximo grande ensaio vai quase com certeza envolver pessoas que têm sinais e sintomas de DH e que testaram positivo no teste genético. Mas no seguinte a esse pode muito bem também incluir pessoas com um resultado do teste genético positivo e ainda sem sintomas, para ver se o fármaco previne a doença. É provável que as pessoas precisem de saber o seu estatuto genético para tomar parte no ensaio clínico de prevenção. Não sei quão distante esse ensaio está porque depende tanto de como o próximo correr.
O anúncio desta semana não é uma razão para fazer o teste. Quando os ensaios clínicos para prevenção forem anunciados, e se requererem o teste antes de se participar, ainda terá tempo para fazer aconselhamento e fazer o teste se isso for o que quer fazer.
O lado positivo, é que há uma coisa que pode fazer agora, para ajudar com a investigação em DH E para colocar o seu nome na lista de pessoas interessadas em ensaios futuros, mesmo que NÃO TENHA sido testado. Trata-se de se inscrever no Enroll-HD (http://enroll-hd.org). Membros de famílias DH em risco, que não tenham sido testados, podem participar.
Em que etapa da progressão da doença se pode dar o fármaco? i.e. Pode ser dado antes dos sintomas se manifestarem, desta forma atuando mais como uma medida preventiva? Do que compreendi (por favor corrija-me se não estiver correto), os sintomas progridem à medida que a proteína acumula no cérebro - o fármaco será eficaz se não houver acumulação presente?
– Nicky
Espera-se que o próximo ensaio clínico seja em pessoas no inicio da DH, mas já há trabalho a ser desenvolvido para pensar em ensaios para testar se poderá prevenir o inicio da DH em pessoas sem sintomas. Esse é definitivamente o objectivo. Não sabemos quão cedo será eficaz ou quando terá de ser tomado mas pensamos que poderemos ser capazes de usar a concentração da proteína no fluido da espinal medula e outras medidas (biomarcadores) para guiar os tratamentos no futuro. Mas primeiro precisa de ser tudo analisado em ensaios clínicos.
Eu compreendo que este ensaio estabeleceu a segurança do fármaco e uma indicação inicial de que poderá ser eficaz. Na próxima etapa vai-se olhar para a persistência do fármaco dentro do corpo para começar a ver que tipo de regime farmacêutico poderá ser necessário? Por exemplo, uma punção lombar uma vez por ano para injetar o fármaco é provavelmente aceitável, punções lombares semanais provavelmente não!
– David
Todos os envolvidos querem desenvolver um regime que seja eficaz mas tenha o menor número possível de punções lombares. Tenho a expectativa de que diferentes opções sejam testadas em ensaios futuros, mas não sabemos ainda como essas opções puderam ser.
Estou interessada em saber quais são as próximas etapas dos ensaios clínicos, e caso haja validação em cada etapa, quais são as estimativas optimistas e conservadoras de quando o tratamento estará no mercado? Também gostava de saber se vai estar disponível mais cedo sob estatuto de “Acesso Expandido ou Uso Por Compaixão” (do inglês “Expanded Access/Compassionate Use”).
– Jennifer
Se o HTTRx GENUINAMENTE abrandar a progressão da DH, penso que para ser possível prescrever o fármaco pelo NHS, a minha estimativa optimista seria de 5-6 anos e uma estimativa muito conservadora seria de 10-12 anos. Outros poderão dar-vos números mais ou menos optimistas! E se tivermos um resultado negativo ou decepcionante pelo caminho, as coisas poderiam mudar dramaticamente.
Mas lembrem-se - o HTTRx não é o único fármaco em desenvolvimento para a DH - é só aquele com que estamos mais entusiasmados. Há muitas formas de atingir o mesmo objetivo de reduzir os níveis da proteína huntingtina mutante, que se espera começarem novos ensaios brevemente ou que já estão em ensaios iniciais. Para além disso, há outros fármacos que estão a ser desenvolvidos e testados com o objetivo de abrandar ou prevenir a DH de outras formas, ao ajudar a restaurar o funcionamento normal do cérebro na presença da proteína huntingtina mutante.
Penso que é demasiado cedo para especular sobre acesso expandido ou uso por compaixão - primeiro precisamos de descobrir se o fármaco funciona e se sim, tentar obter uma licença o mais rápido possível.
Os ensaios ainda vão estar sediados em Londres ou vão envolver outros centros de investigação?
– Michela
Nenhuma informação sobre os centros do ensaio clínico foi ainda anunciada - excepto que o novo ensaio se prevê envolver sítios nos EUA. Mas espera-se que seja um estudo multi-nacional e claro que estou entusiasmado com o envolvimento de Londres e outros sítios do Reino Unido.
Recentemente juntei-me ao Enroll-HD há algumas semanas. Se/quando este novo tratamento genético se tornar disponível, é preciso fazer um teste sanguíneo para determinar as nossas repetições de CAG? Ou se já tivermos tirado sangue enquanto pacientes no Enroll-HD chega, se for determinado que somos positivos para a mutação? É preciso fazer um novo teste sanguíneo em separado?
– Gabby
O resultado do seu teste sanguíneo do Enroll-HD nunca vai ser revelado nem a si nem ao seu sítio do Enroll. Só o resultado de um teste clínico, que lhe é oferecido depois de aconselhamento genético, poderá ser usado para decidir se é elegível para futuros ensaios clínicos de prevenção. Veja a minha resposta à Ruby sobre o que este anúncio desta semana significa para a decisão de fazer o teste.(Resumindo - não faça o teste com base neste anúncio!)
Seria possível uma pessoa voluntariar-se para participar neste fantástico ensaio para testar o fármaco se já estiver num estágio tardio da doença de Huntington, como é o caso do meu marido?
– Joyce
A ativista de direitos cívicos Fannie Lou Hamer dizia que “Ninguém é livre até todos serem livres”. Todos nós a trabalhar em DH queremos tratamentos que funcionem para toda a gente, e não vamos parar de tentar até que a DH já não seja um problema na vida de ninguém.
Mas a dura realidade é que mesmo que o HTTRx fosse perfeitamente eficaz, nunca seria possível recuperar as células cerebrais que já foram perdidas.
Queremos testar o fármaco no espetro mais alargado que pudermos, e podemos ser agradavelmente surpreendidos. Mas o próximo grande ensaio provavelmente vai se focar nas pessoas com sintomas relativamente iniciais da DH, para ter as melhores chances de mostrar uma progressão abrandada.
Por mais arduamente que tentemos, inevitavelmente, receio que haja algumas pessoas para as quais os progressos cheguem demasiado tarde, e eu peço-lhe desculpa a si, ao seu marido e a qualquer outra pessoa se não conseguirmos chegar a tempo.
O meu irmão está na base de dados dos ensaios. Ele vai receber este tratamento?
– Leanne
Estar na base de dados de potenciais voluntários interessados é um grande passo, mas não há nenhuma forma de garantir a participação em quaisquer futuros ensaios clínicos. Neste momento, nem sabemos onde vai estar a decorrer o próximo ensaio, ou que tipo de pacientes serão elegíveis. Eu sugiro que dê ao seu irmão os meus 3 pequenos conselhos acima para maximizar as chances. Se ele não puder participar no próximo ensaio deste fármaco, ele devia considerar participar em outros ensaios e estudos de investigação - todos são importantes para fazer progressos o mais rápido possível.
O tratamento vai ser barato o suficiente para todos terem acesso ao tratamento sem restrições por causa dos custos para o NHS?
– Dawn
É demasiado cedo para ter qualquer ideia clara sobre custos por isso posso apenas responder em termos gerais. Desenvolver e testar novos fármacos, especialmente terapias avançadas como o HTTRx, é muito caro - mas por outro lado, gerir a doença de Huntington ao longo do seu curso já é muito caro em termos de cuidados e perda de rendimentos. Não faria qualquer sentido para uma empresa desenvolver um fármaco que ninguém pudesse pagar - isso seria um mau negócio. A minha previsão amadora é de que poderemos esperar um preço significativo seguido de uma negociação entre os compradores de cuidados de saúde e a NICE que levará a que o fármaco fique disponível. Poderemos ter de trabalhar juntos para nos certificarmos de que é explicado claramente aos tomadores de decisão quais são as necessidades sem resposta na DH - mas isso é um problema para quando soubermos se o fármaco de facto funciona a abrandar a progressão da doença.
Este tratamento é eficaz em pessoas com ataxia espinocerebelar tipo 17 (doença Huntington-like 4)?
– Elaine
O IONIS-HTTRx apenas reduz os níveis de proteína huntingtina, por isso receio que não funcione para a SCA17. Embora as duas doenças se pareçam muito entre si, são causadas por proteínas completamente diferentes. A nova família de fármacos a que pertence o HTTRx, chamados fármacos ASO, podem em teoria ser desenhados para ter como alvo qualquer proteína, por isso é possível que um futuro programa possa envolver a SCA17.