Escrito por Deepti Babu Traduzido por Filipa Júlio Editado por Professor Ed Wild

Será que o acesso ao teste genético preditivo para a doença de Huntington é um problema? Um estudo feito por investigadores da “University of British Columbia” sugere que sim, pelo menos no Canadá. Exploramos o problema e possíveis soluções.

O teste preditivo para a mutação genética que causa a doença de Huntington permite que as pessoas que estão em situação de risco saibam se irão desenvolver mais tarde a DH. As pessoas que querem fazer o teste preditivo normalmente têm que se dirigir pessoalmente a uma clínica especializada para terem várias consultas de aconselhamento. Mas esta e outras razões poderão funcionar como obstáculos que impedem algumas pessoas de realizar o teste genético preditivo. Para ajudar a compreender estes obstáculos e explorar formas de os ultrapassar, investigadores da “University of British Columbia” conduziram entrevistas a 33 pessoas que tiveram acesso ao teste preditivo através do seu “Center for Huntington’s disease”, em Vancouver, no Canadá.

O teste genético preditivo está disponível em todo o mundo, normalmente através de um protocolo que obedece a directrizes internacionais. Estas directrizes, para as quais foram recentemente produzidas recomendações actualizadas, foram elaboradas para garantir que as pessoas que estão a pensar fazer o teste tenham informação suficiente e tempo para tomarem a decisão que for melhor para elas - quer optem por fazer, quer optem por não fazer o teste - e para que tenham apoio suficiente ao longo do processo e depois da sua finalização. Recomenda-se que existam três a quatro consultas antes da realização do teste, mas, claramente, as necessidades individuais variam.

Para as pessoas em situação de risco para a doença de Huntington, decidir se irão realizar ou não um teste genético é uma decisão difícil e muito pessoal. Não há uma decisão certa ou errada.
Para as pessoas em situação de risco para a doença de Huntington, decidir se irão realizar ou não um teste genético é uma decisão difícil e muito pessoal. Não há uma decisão certa ou errada.

A equipa de Vancouver segue este processo, mas pode fazer adaptações de forma a que só uma das consultas aconteça em Vancouver. As restantes consultas podem envolver o médico de família local, incluindo para a consulta de devolução do resultado.

Distância e inconvenientes

Muitos dos que foram entrevistados disseram que a distância era um grande obstáculo para eles. As pessoas das áreas rurais disseram que era difícil terem que tomar uma grande variedade de transportes (incluindo avião, barco ou autocarro) para irem a Vancouver ter as consultas.

Alguns participantes do estudo referiram que a longa viagem até Vancouver também significava faltar ao trabalho e tirar tempo à família. Alguns participantes disseram que não podiam pagar as longas viagens para ir às consultas ou que não podiam pedir folga no emprego. Embora alguns dos participantes das zonas rurais fossem elegíveis para ter apoio financeiro e assistência para viajarem para os centros médicos, alguns indicaram que esse apoio não era suficiente para cobrir todas as despesas.

Viagem stressante e falta de apoio

Alguns participantes, tanto de longe como de perto de Vancouver, indicaram que a viagem para o centro de testes era stressante. Por vezes, o trânsito das horas de ponta da cidade significava uma longa viagem de regresso a casa, mesmo que a distância não fosse muito grande. Outros disseram ainda que se sentiam muito longe da família e dos amigos, particularmente durante a viagem de ida e volta a Vancouver para receberem o seu resultado do teste.

Um processo inflexível e demorado?

Outro grande obstáculo que os participantes do estudo identificaram foi o próprio processo de realização do teste. Mais concretamente, muitos consideraram que esse processo era demasiado rígido e com pouca possibilidade de adaptação às circunstâncias e necessidades específicas do indivíduo. Outros comentaram que consideraram o processo um pouco “paternalista”, como se o centro de genética soubesse o que era melhor para eles.

«Os obstáculos têm que ser ultrapassados para ajudar aqueles que querem ter acesso ao teste genético preditivo »

Algumas pessoas pensaram que havia demasiadas consultas e não conseguiam compreender por que é que eram necessárias. Da mesma forma, alguns participantes disseram que o processo de realização do teste demorava demasiado tempo. O processo de realização do teste pode demorar várias semanas ou meses a ser completado, incluindo o tempo de espera para marcação da primeira consulta (o tempo exacto varia em cada centro de genética). Muitos participantes descreveram este facto como sendo difícil.

Receber os resultados e trazer uma pessoa de apoio

A maioria dos entrevistados sentiu que a forma como os resultados são devolvidos é uma preferência muito subjectiva, e a maioria deles preferia recebê-los pessoalmente. Alguns indicaram que teriam preferido que fosse o seu médico de família a dar-lhes os seus resultados, enquanto outros preferiam ouvi-los no centro de genética. Algumas pessoas não gostaram de ter que trazer uma pessoa de apoio à consulta de devolução do resultado. Este procedimento segue as directrizes internacionais, mas alguns participantes acharam que isto era demasiado restritivo e preferiam ter estado sozinhos para ouvir o seu resultado.

Quais são as principais conclusões do estudo?

  • Nesta população do Canadá, existiram dois obstáculos principais para aqueles que querem fazer o teste genético preditivo: a distância e a inflexibilidade do processo de teste actualmente. De notar que a causa nem sempre é uma grande distância geográfica - por vezes, aqueles que vivem na mesma cidade do centro de genética podem experienciar também o problema da distância.

  • Tem que se tentar ultrapassar os obstáculos para ajudar os que querem aceder ao teste genético preditivo. De outra forma, as pessoas que querem fazê-lo podem desistir de realizar o teste preditivo - ou, pior, poderão realizar o teste sem terem uma avaliação apropriada, nem aconselhamento genético ou apoio. Ultrapassar os obstáculos promove a equidade nos serviços de saúde, particularmente em países com prestação pública de cuidados de saúde. Num mundo ideal, o teste genético preditivo não devia estar disponível apenas para aqueles que podem viajar ou podem ter uma folga do seu trabalho para poderem ir às consultas.

  • Muitas pessoas não compreendem o processo de realização do teste genético preditivo. A educação acerca do processo e acerca do motivo de ser assim estruturado poderá ajudar as pessoas a compreendê-lo, o que, por sua vez, poderá torná-lo mais aceite.

O estudo tem limitações?

O processo de realização do teste pretende dar o máximo de informação e apoio que as pessoas necessitarem para tomar a decisão do que é que é certo para elas.
O processo de realização do teste pretende dar o máximo de informação e apoio que as pessoas necessitarem para tomar a decisão do que é que é certo para elas.

Como os resultados só se referem a uma zona geográfica e a um sistema de saúde, poderão não ser aplicáveis a todas os sistemas de cuidados de saúde. As pessoas entrevistadas poderão não ser representativas da população em situação de risco para a doença de Huntington. É importante reforçar que todos eles optaram por realizar o teste genético. Poderão ser necessários mais estudos para determinar por que é que aqueles que decidiram não realizar o teste tomaram essa decisão e perceber se estes obstáculos, ou outros, poderão ser parte da razão.

Comentários finais

As directrizes de realização do teste genético preditivo recentemente actualizadas sugerem duas opções para ultrapassar a distância, caso seja necessário: a tele-saúde (vídeo-conferência entre dois centros) e chamadas telefónicas. O grupo da “British Columbia” está actualmente a desenvolver um estudo para avaliar a utilização da “tele-saúde” para este fim.

Aqueles que, como nós, se especializaram em acompanhar pessoas que querem fazer o teste preditivo para a doença de Huntington, fazem encontros regularmente e estão constantemente a avaliar a sua abordagem, tal como os colegas de outros países o fazem.

Fazemos ajustamentos para correspondermos às necessidades da nossa população sempre que é necessário. Por exemplo, utilizámos uma chamada telefónica para substituir algumas consultas. Da mesma forma, utilizámos a “tele-saúde” em situações em que foi completamente impossível os indivíduos dirigirem-se a nós com a sua pessoa de apoio. Até agora, isto funcionou bem.

Não existe uma solução única para todas as regiões que oferecem o teste genético preditivo para a doença de Huntington, mas estudos científicos como este são importantes para aprender novas formas de melhorar este processo e novas abordagens a ter em consideração.

Os autores não têm qualquer conflito de interesses a declarar. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...