Ed WildEscrito por Professor Ed Wild Editado por Dr Jeff Carroll Traduzido por Filipa Júlio

A doença de Huntington pode ser incurável - mas está longe de ser intratável. No entanto, os cuidados que os doentes recebem dos profissionais podem ser inconsistentes. Agora, uma série de linhas orientadoras internacionais recém publicadas ajudará a “nivelar” pelos melhores padrões os cuidados prestados.

Cuidado com o degrau

A “Huntington’s Disease Association of England and Wales” tem como slogan “Hunting for a cure, with care - Caçando uma cura, cuidando”, enquanto a “HD Society of America” promete “Help for today. Hope for tomorrow - Ajuda para hoje. Esperança para amanhã”.

Como um bom conhaque, as novas publicações destilam uma riqueza de conhecimentos e de experiência e transformam-nos em linhas orientadoras de fácil deglutição. Mmmmm... conhaque.
Como um bom conhaque, as novas publicações destilam uma riqueza de conhecimentos e de experiência e transformam-nos em linhas orientadoras de fácil deglutição. Mmmmm… conhaque.

Estas organizações reconhecem, e bem, que a investigação científica sobre novos fármacos que previnam ou atrasem a doença de Huntington não é suficiente. Sem cuidados clínicos adequados, mesmo um medicamento perfeito não poderá fazer bem. A investigação científica e a prestação de cuidados têm que andar lado a lado.

A doença de Huntington é frequentemente descrita como “incurável” - mas isso não é verdade. Pode ser incurável, mas, de facto, existem muitos tratamentos que podem ajudar as pessoas com DH. Os medicamentos podem melhorar muitos dos sintomas da DH e tratamentos não farmacológicos, como fisioterapia e suplementos dietéticos, podem, muitas vezes, oferecer benefícios extraordinários.

Para muitas pessoas, o principal obstáculo a que se viva bem com DH não é a inexistência de tratamentos - é o facto dos profissionais que lhes prestam cuidados não estarem conscientes sobre a melhor forma de ajudar os doentes de Huntington.

Não se pretende dizer que estes profissionais são negligentes - mesmo para os médicos que são especialistas em lidar com condições neurológicas e psiquiátricas, pode ser surpreendentemente difícil manterem-se actualizados em relação às investigações mais recentes sobre prestação de cuidados a doentes. E mesmo os peritos, muitas vezes, não chegam a acordo em relação ao que são os “melhores” cuidados.

Nivelar

Felizmente, as pessoas afectadas pela doença de Huntington fazem parte de uma comunidade global muito interligada de famílias, profissionais de saúde e cientistas. A comunidade Huntington é muito boa a trabalhar em conjunto na partilha de ideias e das melhores práticas clínicas.

Nos últimos meses, assistiram-se a várias iniciativas para melhorar os padrões de cuidados na doença de Huntington. Todas partiram de grupos colaborativos de profissionais que, trabalhando com doentes e familiares, tentaram produzir linhas orientadoras práticas baseadas nos resultados da investigação científica.

Padrões de cuidados

A Rede Europeia da DH - EHDN - publicou recentemente uma série de linhas orientadoras para clínicos que cuidam de pessoas afectadas pela DH. Cada linha orientadora é o produto final de vários anos de esforços intensivos feitos por “grupos de trabalho” de profissionais, orientados pela sua própria experiência e pela abundância de investigação sobre DH.

As linhas orientadoras incluem conselhos simples sobre fisioterapia, nutrição, alimentação, cuidados higiénicos orais, fala e comunicação e terapia ocupacional.

A EHDN trabalhou em conjunto com a revista “Neurodegenerative Disease Management” para publicar as linhas orientadoras em regime de acesso público, para que qualquer pessoa possa descarregar esses documentos gratuitamente.

Algoritmos terapêuticos

O acesso público é um ingrediente chave de outra iniciativa recente - uma série de publicações que pretende auxiliar os médicos na tomada de decisão sobre tratamentos farmacológicos na doença de Huntington.

Muitos médicos, especialmente aqueles que não são especialistas no acompanhamento de doentes de Huntington, ou não têm consciência do leque de medicamentos que podem ser usados para ajudar a controlar sintomas, ou têm dificuldade em tomar decisões racionais acerca do melhor tratamento a adoptar em determinada situação. Como o tratamento da DH segue, frequentemente, uma abordagem “ensaio-erro”, existem grandes diferenças nas abordagens terapêuticas adoptadas em diferentes pontos do globo.

Numa tentativa de clarificar a situação, a Dra LaVonne Goodman reuniu um painel internacional de médicos considerados como peritos mundiais na DH. Goodman escolheu três sintomas da doença que constituem o maior desafio para os médicos não especialistas: coreia (os movimentos involuntários experienciados pela maioria dos doentes de Huntington), irritabilidade e sintomas obsessivo-compulsivos.

«Na sua base, toda a investigação sobre DH trata de conseguir dar às pessoas o máximo número de anos possível de boa qualidade de vida »

Para cada sintoma, utilizou-se um inquérito para produzir um sumário dos padrões de tratamento usados. As respostas foram agregadas para se conseguirem criar “algoritmos terapêuticos” - que são, basicamente, ferramentas que servem como guião para a tomada de decisão terapêutica.

Os algoritmos foram publicados na inovadora revista electrónica “PLoS Currents: Huntington’s Disease” e, mais uma vez, podem ser descarregados gratuitamente por qualquer pessoa.

Quantidade de qualidade

Ninguém sabe o tempo que lhe resta na terra mas - parafraseando o feiticeiro Gandalf - “tudo o que temos que decidir é de que forma podemos aproveitar ao máximo o tempo que nos foi concedido”.

O objectivo fundamental de toda a investigação sobre a doença de Huntington é o de dar às pessoas afectadas pela doença o máximo número de anos possível com uma boa qualidade de vida.

Mas o que é qualidade de vida e como é que sabemos que a estamos a melhorar? Esta é uma pergunta surpreendentemente difícil - mas a que é fundamental responder. É uma resposta não só importante por si própria, mas também porque as agências governamentais muitas vezes exigem, antes de aprovarem o uso de um medicamento, provas de que este melhora a qualidade de vida.

Felizmente que esta é uma área em que têm existido progressos significativos. O Grupo de Trabalho sobre Qualidade de Vida da EHDN, dirigido pela Dra Aileen Ho, produziu recentemente o questionário HDQoL - “Huntington’s Disease Health-related Quality of Life questionnaire”, que publicou na revista “Clinical Genetics”.

O processo de produção começou com entrevistas a doentes e cuidadores para identificar os principais aspectos da vida que são afectados pela DH. Criou-se, então, um conjunto vasto de questões sobre esses aspectos, que se resumiu a uma série final de perguntas, através de um processo rigoroso com repetidas entrevistas.

O resultado final é uma ferramenta que, esperamos, irá permitir-nos avaliar o verdadeiro impacto de qualquer medicamento ou outra intervenção na DH.

Nunca acaba

Todos estes desenvolvimentos, que decorreram nos últimos meses, demonstram como comunicação, prestação de cuidados e ciência podem trabalhar em conjunto para melhorar a vida das pessoas afectadas pela doença de Huntington.

Claro que todas as pessoas são diferentes, e nenhuma linha orientadora ou algoritmo poderão substituir a experiência profissional e a comunicação eficaz entre profissionais e doentes. Mas ter linhas orientadoras internacionais estabelecidas dará, a cada profissional, uma base científica para a missão complicada de ajudar as pessoas afectadas pela DH.

Por isso, não sinta receio de referir estas linhas orientadoras aos profissionais envolvidos na prestação de cuidados ao seu caso. Qualquer médico que se preze ficará satisfeito com essa informação.

E - como gostamos de salientar - a ciência nunca pára. Estas linhas orientadoras sofrerão revisões, acrescentos e melhoramentos. Quanto mais aprendemos sobre a DH no laboratório e na clínica, melhor sabemos prestar cuidados.

Os autores não têm qualquer conflito de interesses a declarar. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...