Os ratinhos tristes poderão ajudar a tratar a doença de Huntington?
O que podemos aprender sobre os sintomas depressivos na DH estudando ratinhos - como sabemos se um rato está triste?
Escrito por Dr Jeff Carroll 11 de Novembro de 2013 Editado por Professor Ed Wild Traduzido por Filipa Júlio Publicado originalmente a 17 de Julho de 2013
Há muitos doentes de Huntington que sofrem de depressão. Um novo trabalho com ratinhos, feito pelo grupo de Asa Petersen em Lund, Suécia, sugere que uma região do cérebro chamada “hipotálamo” poderá desempenhar um papel neste sintoma de DH.
Depressão na DH
Ter doença de Huntington é uma situação extremamente difícil, daí que possa não ser surpreendente saber que a depressão é comum entre os doentes de Huntington. Embora seja difícil saber ao certo, parece que a depressão não é só causada pelas circunstâncias de vida dos doentes de Huntington, mas poderá fazer parte dos problemas neurológicos que ocorrem nesta doença.
A depressão em portadores da mutação da doença de Huntington tem uma frequência elevada, mesmo antes destes desenvolverem sintomas de DH. Isto sugere aos cientistas que a depressão poderá reflectir alterações muito precoces nos cérebros das pessoas portadoras da mutação da DH e, por isso, estão muito interessados em compreender o que é que a causa.
Os cientistas acreditam que até os ratinhos que foram geneticamente modificados para terem o gene humano mutado da DH estão deprimidos!
Como é que se pergunta aos ratinhos se estão tristes?
Os cientistas falam frequentemente sobre “modelos” animais de doença de Huntington. Isto pode ser bastante confuso - de que forma é que um ratinho, ou uma mosca, ou uma minhoca, podem ser modelos de uma doença que só acontece nas pessoas?
De uma forma importante, não podem. Nenhum animal que conheçamos, além dos humanos, tem a DH de forma natural. Portanto, se os cientistas quiserem estudar a DH em animais, têm que mergulhar no seu ADN.
A maneira mais comum de fazer isto é captando parte ou toda a cópia do gene humano da DH em laboratório, para que se consiga replicá-lo e modificá-lo. No laboratório, o ADN pode ser editado como se quiser, alterando sequências específicas ou acrescentando novas sequências.
Utilizando estes truques de laboratório, os cientistas podem pegar num gene normal da DH e fazer com que se assemelhe à versão que causa a DH - com uma extensão repetitiva da sequência ‘C-A-G’ perto de uma extremidade.
Depois, utilizando mais truques de laboratório, os cientistas conseguem re-introduzir a sua versão caseira do gene da doença de Huntington nas células do ratinho e criar novos ratinhos que têm essa versão em todas as células do seu corpo. Esses ratinhos são então considerados um “modelo” genético de DH, porque todas as suas células estão expostas à proteína mutada da DH.
É importante realçar que estes ratinhos não têm realmente a doença de Huntington. Por exemplo, nenhum modelo de ratinho Huntington apresenta sinais de “coreia” - os movimentos semelhantes a uma dança que são uma característica comum na doença humana.
Mas estes ratinhos são instrumentos muito úteis para estudar as alterações no cérebro que ocorrem na DH. Estas coisas são muito difíceis de estudar em pessoas, que gostam de manter o seu tecido cerebral! Foram descobertas inúmeras alterações no modelo de ratinho Huntington que foram, subsequentemente, observadas nos doentes de Huntington humanos, o que sugere que os ratinhos são ferramentas de investigação úteis, mesmo que não tenham realmente a doença de Huntington.
Então, regressando à questão inicial - como é que podemos estudar a depressão em ratinhos? O que gostaríamos de compreender é se os modelos de ratinho Huntington têm sintomas que se pareçam com a depressão humana.
Claro que não podemos perguntar a um ratinho como é que se está a sentir, mas podemos fazer alguns testes comportamentais simples em laboratório. Um teste clássico é ver o quão apático está o ratinho, já que muitos humanos deprimidos têm apatia. Isto parece complicado, mas os cientistas criaram um teste simples para avaliar a apatia em ratinhos. Basicamente, soltam-nos num balde com água.
Os ratinhos normalmente não gostam de água e, por isso, lutam para escapar. Os ratinhos que estão “deprimidos” parecem desistir um pouco mais cedo do seu esforço para escapar. (Para o caso de estar preocupado, os ratinhos não se afogam e o teste só dura 5 minutos!)
Outro comportamento que os cientistas observaram nos modelos de ratinhos Huntington é que não estão tão motivados como os ratinhos normais para beberem água doce. Tal como as pessoas, os ratinhos têm prazer em beber bebidas doces. A ideia aqui é a de que os ratinhos que evitam sensações de prazer são semelhantes aos humanos que não retiram prazer das coisas que antes gostavam de fazer.
Estes e outros comportamentos sugerem aos cientistas que os ratinhos com doença de Huntington têm sintomas que são consistentes com um diagnóstico de depressão. Outros testes sugerem que eles são também ansiosos.
Que partes do cérebro estão envolvidas na depressão?
Tendo em conta estes comportamentos, os cientistas podem tentar estudar que regiões específicas do cérebro foram danificadas pela DH, o que, em última análise, leva aos sintomas de depressão. Tanto nos humanos, como nos animais, há inúmeras regiões cerebrais que se pensa que contribuem para a depressão, e compreender quais destas regiões estão disfuncionais poderá permitir-nos tratar melhor a depressão.
Especificamente, há duas regiões do cérebro, designadas como hipocampo e hipotálamo, que se propõe que contribuam objectivamente para a depressão. Saber qual destas duas regiões está a funcionar mal ajudará os cientistas a pensarem sobre como devem desenhar terapias mais eficazes para os doentes de Huntington.
O que foi feito?
Cientistas liderados pela investigadora de DH, Dra Asa Petersen, de Lund, na Suécia, estão interessados em responder a esta questão específica. Estão a analisá-la utilizando ratinhos com o gene mutado da DH, designados ratinhos BAC-HD.
Primeiro, estudaram o hipocampo, esperando encontrar nessa região alguns dos problemas que têm sido associados com a depressão. O nome engraçado do hipocampo provém do facto deste se assemelhar a um cavalo-marinho - significa “monstro cavalo-marinho” em Grego.
«Este comportamentos, entre outros, sugerem aos cientistas que os ratinhos com DH têm sintomas que são consistentes com um diagnóstico de depressão »
O grupo de Petersen não observou nos ratinhos BAC-HD nenhuma das alterações que outros investigadores descreveram no hipocampo de pessoas deprimidas, o que sugere que, provavelmente, este tipo de disfunção não está a ocorrer aqui.
Restou investigar o hipotálamo, o que a equipa fez utilizando um truque genético. O criador dos ratinhos BAC-HD, William Yang, da UCLA, de forma astuta, modificou o gene mutado da DH que tinha posto nos ratinhos, para que pudesse ser desligado em determinadas regiões cerebrais.
O grupo de Petersen fez isso, tendo como alvo principal o hipotálamo. Utilizaram um vírus para dar as instruções às células cerebrais “desliguem o gene mutado da DH que o William aqui pôs!”
Claro que isto só funciona em ratinhos que foram modificados deste modo em laboratório - o gene normal da DH nos humanos não tem a sequência certa para poder ser eliminado de forma semelhante.
Contudo, nos ratinhos BAC-HD, quando o gene mutado da doença de Huntington foi desligado no hipotálamo, os ratinhos mostraram menos sinais de depressão num teste comportamental. No entanto, os sintomas que os cientistas associam a ansiedade não se alteraram.
Em que é que isto nos ajuda?
Este estudo é útil para os cientistas do cérebro porque sugere quais as áreas específicas do cérebro que poderão estar a contribuir para a depressão na DH. Estudos de follow-up nos ratinhos poderão dar mais pormenores sobre a forma como um hipotálamo disfuncional poderá conduzir à depressão.
Compreender isto é realmente importante - a depressão é um sintoma muito importante da DH, que leva a que haja um grande sofrimento.
Contudo, a abordagem utilizada para reduzir a “depressão” nos ratinhos não é útil para os doentes de Huntington humanos, porque depende de truques genéticos que só funcionam em ratinhos BAC-HD. Portanto, este estudo aponta o sítio onde existirão problemas nos cérebros dos doentes de Huntington, mas não sugere como é que poderão ser resolvidos.
Esta investigação significa que abordagens “whole-brain” (onde se tem em conta o cérebro inteiro) poderão ser as melhores para tratar a doença de Huntington. Os tratamentos direccionados que não abranjam o hipotálamo poderão não ser suficientes para controlar a depressão causada pela DH. Esta é uma lição útil para os investigadores que estão a trabalhar em tratamentos como os de silenciamento de genes, que poderão precisar de ser injectados em regiões cerebrais específicas.
Boa ciência, é uma pena o comunicado de imprensa
Sendo coerentes com uma fonte de notícias chamada HDBuzz, nós temos um pé atrás em relação aos comunicados de imprensa. Já vimos demasiadas vezes boa ciência ser alvo de comunicados de imprensa sensacionalistas, escritos pelos departamentos de relações públicas das universidades, contendo citações de cientistas que, muitas vezes, estão fora do contexto. Os artigos noticiosos que se baseiam nestes comunicados de imprensa acabam por aumentar o sensacionalismo, podendo iludir ou desapontar os membros das famílias Huntington.
O comunicado de imprensa da “Lund University” que acompanha este artigo intitulava-se “Grande descoberta na Doença de Huntington” e continha uma citação da Dra Petersen afirmando “Somos os primeiros a demonstrar que é possível prevenir os sintomas depressivos na doença de Huntington, desactivando a proteína doente nas populações de células nervosas do hipotálamo, no cérebro”.
É importante recordar que nos estamos a referir a tarefas comportamentais muito simples para ratinhos - não a “sintomas depressivos da doença de Huntington”, o que não fica claro para as pessoas que só leram o comunicado de imprensa. Além disso, embora se tenha conseguido que os ratinhos geneticamente modificados ficassem ligeiramente melhor, desactivando o gene da DH no seu hipotálamo, esta abordagem não é aplicável em doentes de Huntington humanos, porque os seus genes da DH não contêm as sequências necessárias para que possam ser desligados com o vírus utlizado por Petersen e os seus colegas.
Estas diferenças poderão ser claras para os cientistas que leram as notícias acerca desta investigação, mas não são tão claras para os membros das famílias. As pessoas de famílias Huntington, ao ler um comunicado de imprensa como este, provavelmente só perceberão que esta equipa “preveniu os sintomas de depressão na DH”, o que os conduzirá a um desapontamento.
Continuaremos a pressionar os investigadores para melhorarem a qualidade dos seus comunicados de imprensa, para que as notícias que chegam às famílias Huntington tenham mais esperança do que sensacionalismo. No entretanto, mantenham-se atentos ao HDBuzz, para conhecerem a história por detrás dos cabeçalhos.