Será que os alimentos lácteos aceleram a doença de Huntington?
Haverá uma ligação entre consumo de alimentos lácteos e início mais precoce da doença em pessoas com a mutação da DH?
Escrito por Dr Peter McColgan 29 de Novembro de 2013 Editado por Professor Ed Wild Traduzido por Filipa Júlio Publicado originalmente a 28 de Novembro de 2013
Um estudo que procurava ligações entre a dieta alimentar e o início dos sintomas na doença de Huntington descobriu, inesperadamente, que as pessoas que desenvolvem sintomas mais cedo tendem a consumir mais produtos lácteos. Vamos analisar o estudo em pormenor - e as razões pelas quais ainda não vamos desistir da faca e do queijo por enquanto.
Somos aquilo que comemos
As dietas “pouco saudáveis”, tais como as que são ricas em gorduras saturadas e carne vermelha, podem ter um grande impacto na saúde, aumentando o risco de desenvolvimento de problemas médicos como doença cardíaca e cancro.
Por outro lado, as dietas ricas em gorduras insaturadas, peixe, frutas e vegetais, podem ter efeitos positivos na saúde. Um exemplo de dieta “saudável” é a “dieta mediterrânica”. As pessoas que seguem este tipo de dieta têm menor probabilidade de desenvolver doença de Parkinson ou doença de Alzheimer em idades mais precoces.
Sabemos que a doença de Huntington provoca alterações no consumo de energia das células e pode fazer com que as pessoas percam peso, mas não temos qualquer informação útil acerca dos alimentos que aqueles que estão em situação de risco de DH devem preferir ou evitar.
PHAROS e dieta
Uma publicação recente sobre o estudo PHAROS na revista científica JAMA Neurology analisou as ligações entre a dieta alimentar e e o início dos sintomas na doença de Huntington.
O estudo PHAROS – “the Prospective Huntington’s At-Risk Observational Study” (Estudo Observacional Prospectivo de pessoas em risco de doença de Huntington) – envolveu 43 centros médicos de toda a América e incluiu 1001 pessoas. Os participantes do estudo tinham um progenitor, um irmão ou uma irmã com doença de Huntington, mas não tinham realizado, eles próprios, o teste genético para a DH até ao momento da sua participação. O PHAROS testou todos os seus participantes, mas os resultados dos testes não foram comunicados nem aos participantes, nem à equipa do estudo – os resultados permaneceram secretos e só foram utilizados para efeitos de investigação. Os participantes tinham dado o seu consentimento para a realização deste teste “cego”.
Os investigadores do PHAROS estavam interessados em saber se seguir uma dieta mediterrânica poderia atrasar o momento em que alguém com a mutação da DH iria começar a desenvolver a doença de Huntington.
Foi pedido aos participantes do estudo que preenchessem um questionário alimentar. Isto envolvia responder a perguntas acerca da quantidade de “alimentos mediterrânicos” que tinham ingerido nos meses anteriores.
Os investigadores utilizaram estes questionários para calcular o quanto a dieta alimentar de cada participante se aproximava de uma dieta mediterrânica. As pessoas que ingeriam muito peixe, vegetais, nozes e cereais tinham uma pontuação elevada, enquanto que as que ingeriam “alimentos não-mediterrânicos”, como leite, frango, carne de vaca e gorduras saturadas, tinham pontuação mais baixa.
Depois disso, todos os participantes com a mutação da DH foram divididos em dois grupos - os que desenvolveram sintomas da doença de Huntington durante os 5 anos do estudo e aqueles que não desenvolveram. Os investigadores interrogaram-se, então, se aqueles que tinham desenvolvido DH teriam tido pontuações mais baixas na escala sobre dieta mediterrânica.
A prova do pudim
Os investigadores do PHAROS não encontraram provas de que seguir uma dieta mediterrânica atrasa o início da doença de Huntington naqueles que são portadores do gene da DH.
«As perguntas sobre o estilo de vida e a dieta alimentar são extremamente difíceis de responder, porque é quase impossível descobrir o que é que causa o quê. »
No entanto, os investigadores decidiram aprofundar os dados, analisando tipos de alimentos específicos separadamente para verificar se a ingestão reduzida de peixe, fruta, cereais ou vegetais ou a ingestão elevada de produtos lácteos e de carne fazia com que os portadores da mutação genética tivessem a doença mais cedo.
Fazendo isto, descobriram que as pessoas que ingeriam grandes quantidades de produtos lácteos, como leite, iogurtes e queijo, tinham uma maior probabilidade de desenvolver a doença de Huntington no período do estudo.
Os investigadores sugeriram uma possível explicação para os alimentos lácteos poderem estar a contribuir para o início de sintomas. Beber leite ou comer produtos lácteos pode baixar os níveis de um químico no sangue chamado ácido úrico. Estudos anteriores demonstraram uma possível associação entre níveis reduzidos de ácido úrico no sangue e uma progressão mais rápida da doença de Huntington. Mas os níveis de urato não foram medidos no contexto do estudo PHAROS.
O ovo e a galinha
É tentador sugerir que esta investigação prova que o consumo de produtos lácteos aumenta o risco de desenvolver sintomas da doença de Huntington nas pessoas que têm a mutação. Se isto se comprovasse, seria informação útil que poderíamos utilizar para dar orientações acerca das opções de dieta alimentar. Infelizmente, não é assim tão simples, porque há outras explicações possíveis para esta ligação.
A primeira possibilidade é a de que as pessoas que estavam mais perto de desenvolver a DH podem ser mais propensas ao consumo de produtos lácteos. Isto pode parecer estranho, mas sabemos que a mutação da DH faz com que as células necessitem de mais energia, mesmo antes dos sintomas, como os movimentos involuntários, se desenvolverem. O aumento da necessidade de energia pode levar a um aumento da fome, o que leva a um aumento da ingestão de determinados alimentos, incluindo produtos lácteos. Estas alterações deverão provavelmente ser maiores nas pessoas mais perto do início dos sintomas.
Outra possibilidade é a de que diferenças de pensamento subtis poderão ter alterado a forma como as pessoas preencheram os questionários sobre dieta alimentar. Recordem-se que era pedido aos participantes que se lembrassem do que tinham comido nos meses anteriores. Sabemos que as alterações de pensamento podem começar precocemente na doença de Huntington, e é possível que estas diferenças façam com que as pessoas que estão perto do início dos sintomas respondam aos questionários de forma diferente, mesmo que as suas dietas alimentares não sejam realmente assim tão diferentes.
Finalmente, há uma peculiaridade estatística que pode desencadear resultados fora do normal. Os cientistas chamam-lhe o problema das “comparações múltiplas”. Se lançarem uma moeda ao ar dez vezes e das dez vezes sair cara, isso é bastante extraordinário. Mas se lançarem uma moeda ao ar um milhão de vezes, é provável que possam sair dez caras seguidas várias vezes por puro acaso. Um resultado que poderia ser extraordinário num “estudo” pequeno, torna-se menos interessante se tiver sido produzido por um estudo em que são feitos muitos testes.
Procurar associações entre o início de sintomas e muitas combinações alimentares diferentes é um pouco como lançar a moeda ao ar muitas vezes – corre-se o risco de algo aparentemente significativo surgir por mero acaso. Quando se encontra um resultado interessante, o mais natural é reportá-lo, mas é também importante recordar que podem aparecer “falsos positivos” quando um conjunto de dados é utilizado para responder a inúmeras questões.
Chorar sobre o leite derramado?
A associação ente a ingestão de alimentos lácteos e o início da doença é interessante mas, para já, temos que encarar estes resultados com uma pitada de sal. (E não, não estamos a sugerir que as pessoas em situação de risco de DH devem comer mais sal!)
As perguntas sobre o estilo de vida e a dieta alimentar são extremamente difíceis de responder, porque é quase impossível descobrir o que é que causa o quê. As respostas tendem a surgir depois de grandes estudos terem avaliado pessoas ao longo de muitos anos, registando com precisão a sua dieta e o seu estilo de vida ao longo de décadas. Mas resultados como este são uma forma muito boa de sinalizar quais as variáveis a que devemos estar atentos nesses estudos mais longos.
Por agora, a ideia a reter é a de que, se gosta de leite, iogurte e queijo, não há provas robustas que digam que não os deve comer em quantidades saudáveis.