Huntington’s disease research news.

Em linguagem simples. Escrito por cientistas.
Para a comunidade HD global.

Os lacticínios aceleram a doença de Huntington?

Existe uma ligação entre o consumo de lacticínios e o início mais precoce em pessoas com a mutação da doença de Huntington?

Traduzida por Filipa Júlio

Um estudo que procura ligações entre a dieta e o início dos sintomas na doença de Huntington descobriu inesperadamente que as pessoas que desenvolveram sintomas mais cedo tendiam a consumir mais produtos lácteos. Analisamos o estudo em detalhe – e porque ainda não vamos guardar a faca do queijo.

Tu és o que comes

Dietas ‘pouco saudáveis’, como aquelas ricas em gorduras saturadas e carne vermelha, podem ter um grande impacto na saúde ao aumentar o risco de desenvolver problemas médicos como doenças cardíacas e cancro.

Este estudo encontrou um maior consumo de lacticínios em pessoas que desenvolveram sintomas de DH do que em pessoas que não desenvolveram. Mas a explicação pode não ser direta.
Este estudo encontrou um maior consumo de lacticínios em pessoas que desenvolveram sintomas de DH do que em pessoas que não desenvolveram. Mas a explicação pode não ser direta.

Por outro lado, dietas ricas em gorduras insaturadas, peixe, frutas e vegetais podem ter efeitos positivos na saúde. Um exemplo de uma dieta ‘saudável’ é conhecida como a ‘dieta mediterrânica’. As pessoas que seguem este tipo de dieta têm menos probabilidade de desenvolver a doença de Parkinson e a doença de Alzheimer precocemente na vida.

Sabemos que a doença de Huntington causa alterações no consumo de energia pelas células e pode fazer com que as pessoas percam peso, mas não temos informações úteis sobre alimentos que as pessoas em risco de DH devem evitar ou favorecer.

PHAROS e dieta

Uma publicação recente do estudo PHAROS na revista JAMA Neurology examinou a ligação entre a dieta e o início dos sintomas na doença de Huntington.

PHAROS – o Estudo Observacional Prospetivo de Pessoas em Risco de Huntington – envolveu 43 centros médicos em toda a América e incluiu 1001 pessoas. Os inscritos no estudo tinham um pai, irmão ou irmã com doença de Huntington, mas não tinham feito um teste genético para DH até participarem no estudo. O PHAROS testou todos os seus participantes, mas os resultados dos testes não foram revelados a eles ou ao pessoal do estudo – os resultados foram mantidos em segredo e usados apenas para fins de investigação. Os participantes tinham dado a sua permissão para este teste ‘cego’.

Os investigadores do PHAROS estavam interessados em descobrir se seguir uma dieta mediterrânica poderia atrasar o momento em que alguém com a mutação da DH desenvolveria a doença de Huntington.

Os participantes no estudo foram solicitados a preencher um questionário alimentar. Isto envolveu responder a perguntas sobre a quantidade de ‘comida mediterrânica’ que tinham comido nos meses anteriores.

Os investigadores usaram estes questionários para calcular quão próxima a dieta de cada participante estava da dieta mediterrânica. As pessoas que comiam muito peixe, vegetais, nozes e cereais pontuaram alto, enquanto aquelas que comiam ‘comida não mediterrânica’ como leite, frango, carne de vaca e gorduras saturadas obtiveram pontuações mais baixas.

“As questões sobre estilo de vida e dieta são notoriamente difíceis de responder, porque é quase impossível descobrir o que causa o quê.”

Depois, todos os participantes com a mutação da DH foram divididos em dois grupos – aqueles que desenvolveram sintomas da doença de Huntington durante os 5 anos do estudo, e aqueles que não desenvolveram. Os investigadores perguntaram então se aqueles que desenvolveram DH tinham pontuações mais baixas na escala da dieta mediterrânica.

A prova dos nove

Os investigadores do PHAROS não encontraram evidências de que seguir uma dieta mediterrânica atrasasse o início da doença de Huntington naqueles que carregam o gene da DH.

No entanto, os investigadores decidiram aprofundar os dados, examinando tipos de alimentos individuais separadamente para ver se a baixa ingestão de peixe, fruta, cereais ou vegetais ou a alta ingestão de lacticínios e carne fazia com que os portadores do gene contraíssem a doença mais cedo.

Ao fazer isto, descobriram que aqueles que comiam uma grande quantidade de lacticínios como leite, iogurtes e queijo eram mais propensos a desenvolver a doença de Huntington durante o estudo.

Os investigadores sugerem uma possível forma como os lacticínios poderiam contribuir para o início dos sintomas. Beber leite ou comer produtos lácteos pode baixar uma substância química no sangue chamada ácido úrico. Estudos anteriores mostraram uma possível ligação entre níveis mais baixos de ácido úrico no sangue e uma progressão mais rápida da doença de Huntington. Mas os níveis de urato não foram medidos como parte do PHAROS.

O ovo e a galinha

É tentador sugerir que esta investigação prova que consumir produtos lácteos aumenta o risco de desenvolver sintomas da doença de Huntington em pessoas com a mutação. Se provado, essa seria informação útil que poderíamos usar para informar escolhas dietéticas. Infelizmente, não é assim tão simples, porque há outras explicações possíveis para a ligação.

O que veio primeiro? Consumir mais lacticínios causou o início mais precoce dos sintomas, ou estar próximo do início causa um aumento do apetite por lacticínios?
O que veio primeiro? Consumir mais lacticínios causou o início mais precoce dos sintomas, ou estar próximo do início causa um aumento do apetite por lacticínios?

A primeira possibilidade é que as pessoas que estavam próximas de desenvolver DH pudessem ser mais propensas a consumir produtos lácteos. Isso pode parecer estranho, mas sabemos que a mutação da DH faz com que as células precisem de mais energia, mesmo antes de sintomas como movimentos anormais se desenvolverem. A maior demanda de energia poderia causar aumento da fome, levando a uma maior ingestão de certos alimentos incluindo lacticínios. Estas alterações seriam provavelmente maiores em pessoas próximas do início dos sintomas.

Outra possibilidade é que diferenças subtis no pensamento possam alterar a forma como as pessoas preencheram os questionários de dieta. Lembra-te que os participantes foram solicitados a recordar o que tinham comido nos últimos meses. Sabemos que alterações no pensamento podem começar cedo na doença de Huntington, e é possível que essas diferenças possam fazer com que pessoas próximas do início dos sintomas respondam aos questionários de forma diferente, mesmo que as suas dietas reais não sejam tão diferentes.

Finalmente, há uma peculiaridade estatística que pode gerar resultados incomuns. Os cientistas chamam-lhe o problema das ‘comparações múltiplas’. Se atirares uma moeda dez vezes e obtiveres dez caras, isso é bastante notável. Mas se atirares uma moeda um milhão de vezes, provavelmente obterias dez caras seguidas várias vezes por puro acaso. Um resultado que seria notável num pequeno ‘estudo’ torna-se menos interessante se vier de um estudo onde muitos testes são feitos.

Procurar ligações entre o início dos sintomas e muitas combinações diferentes de alimentos é um pouco como atirar uma moeda muitas vezes – arrisca que algo aparentemente significativo apareça por puro acaso. Uma vez que um resultado interessante aparece, é natural relatá-lo, mas também é importante lembrar que ‘falsos positivos’ podem ocorrer quando um conjunto de dados é usado para responder a muitas perguntas.

Chorar sobre leite derramado?

A associação entre a ingestão de lacticínios e o início da doença é interessante mas, por agora, temos de aceitar estes resultados com uma pitada de sal. (E não, não estamos a sugerir que pessoas em risco de DH devam comer mais sal!)

Perguntas sobre estilo de vida e dieta são notoriamente difíceis de responder, porque é quase impossível descobrir o que causa o quê. As respostas tendem a vir depois de estudos enormes terem seguido pessoas durante muitos anos, registando com precisão a dieta e o estilo de vida durante décadas. Mas resultados como este são uma forma muito boa de sinalizar que itens observar nesses estudos mais longos.

Por agora, a conclusão é que se gostas de leite, iogurte e queijo, não há evidências sólidas para dizer que não deves continuar a comê-los em quantidades saudáveis.

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