Huntington’s disease research news.

Em linguagem simples. Escrito por cientistas.
Para a comunidade HD global.

Através de uma Lente Mais Ampla: Olhando para os Sintomas Não Motores na DH

Déficits de sono precedem problemas motores na DH

Traduzida por Filipa Júlio

Representações comuns da DH que enfatizam apenas os seus sintomas de movimento pintam um quadro incompleto da verdadeira doença. A DH causa sintomas motores e não motores que, juntos, afetam todo o corpo. Agora, os cientistas estão usando uma lente mais ampla para explorar este conjunto completo de sintomas da DH e determinar como os sintomas podem estar relacionados na doença.

Ampliando a Perspectiva

Embora programas de televisão e filmes muitas vezes retratem a doença de Huntington (DH) como um distúrbio motor simples, qualquer pessoa na comunidade de Huntington sabe que esta imagem é uma enorme simplificação. Compreender a DH requer ampliar a perspectiva e ver a doença através de uma lente muito mais ampla. Na realidade, a DH é uma doença sistémica que afeta muitas partes diferentes do corpo e aspectos da vida, e os seus sintomas não motores podem ser tão devastadores quanto os seus mais famosos equivalentes de movimento.

Em vez de ser uma doença motora simples, a DH é uma doença sistémica que afeta muitas partes diferentes do corpo e aspectos da vida.
Em vez de ser uma doença motora simples, a DH é uma doença sistémica que afeta muitas partes diferentes do corpo e aspectos da vida.
Crédito da imagem: FreeImages.com

A nossa crescente compreensão da DH como uma doença sistémica traz novas questões à tona. Quais são os primeiros sinais e sintomas da DH? Como estão os diferentes sintomas relacionados? Os sintomas iniciais da DH afetam os posteriores?

Neste post, vamos falar sobre novas pesquisas que começam a responder a estas questões.

Foco nos Sintomas

Esta nova pesquisa centra-se nos sintomas da DH que perturbam dois aspetos importantes da saúde: o sono e o peso corporal.

Vamos começar com o sono. Pode-se perceber o quão crucial o sono é para nós, humanos, pela quantidade que dormimos: a pessoa média passa mais tempo a dormir do que a trabalhar, ver televisão, cozinhar e limpar combinados.

As pessoas com DH, no entanto, sofrem perturbações do sono que começam cedo na doença e afetam tanto a quantidade quanto a qualidade do seu sono. Como discutimos anteriormente, os indivíduos com DH acordam mais frequentemente e dormem menos profundamente do que as pessoas sem a doença. Não sabemos exatamente por que essas perturbações do sono acontecem, mas níveis desregulados de uma hormona chamada melatonina podem estar envolvidos (leia mais sobre melatonina na DH aqui).

Esta perda de sono é importante, porque – mesmo para pessoas saudáveis – não dormir o suficiente está associado a uma série de problemas de saúde física e mental. Ataque cardíaco, ganho de peso, problemas cognitivos – o risco de todos estes, e muitos outros problemas de saúde além disso, aumenta quando o nosso sono é perturbado.

As pessoas com DH também costumam experimentar perda de peso progressiva e baixo peso corporal durante o curso da sua doença. Os cientistas ainda estão a investigar a causa destes sintomas, mas já sabemos que não é apenas porque as pessoas com DH não comem o suficiente. Em vez disso, estes sintomas podem ser uma consequência de alterações no equilíbrio energético e/ou metabolismo. Tal como acontece com o sono, no entanto, estes sintomas predispõem as pessoas com DH a preocupações adicionais de saúde.

Com base nestas ligações, alguns cientistas questionam se problemas de sono e metabolismo poderiam exacerbar, ou até mesmo desencadear, outros sintomas da DH. Para que esta ideia seja verdadeira, estes problemas precisariam de surgir muito cedo na doença antes de outros sintomas aparecerem. No entanto, não sabemos se este é o caso (ou não) porque ninguém nunca identificou quando (e se) problemas de sono e metabolismo realmente começam na DH.

Enquadrando a Questão

Para responder a esta questão, uma equipa de cientistas da Universidade de Cambridge liderada pelo Dr. Roger Barker desenhou um estudo de investigação examinando o sono e o metabolismo na DH.

Para enquadrar a questão de quando problemas de sono e metabolismo podem surgir na DH, uma equipa de cientistas examinou ambos em diferentes estágios de saúde e doença.
Para enquadrar a questão de quando problemas de sono e metabolismo podem surgir na DH, uma equipa de cientistas examinou ambos em diferentes estágios de saúde e doença.
Crédito da imagem: FreeImages.com

No seu estudo, a equipa de Barker reuniu três grupos de sujeitos: pessoas sem DH, pessoas com DH pré-sintomática (que ainda não tinham sintomas motores) e pessoas com DH inicial (que tinham sintomas motores leves). Como estes sujeitos estavam todos em diferentes estágios de saúde ou doença, deram aos cientistas uma maneira fácil de ver como os sintomas se apresentam à medida que a DH progride.

Os cientistas estudaram estes sujeitos muito minuciosamente no laboratório e na “vida real” através de questionários, monitorização de movimento e ondas cerebrais, testes sanguíneos e medidas de uso de energia. Ser tão minucioso deu-lhes confiança de que o que quer que observassem refletiria o que realmente acontece na doença.

Uma Imagem Desenvolve-se

Esta pesquisa revelou uma imagem interessante do sono e metabolismo na DH.

Para o sono, os déficits começaram durante a doença pré-sintomática e eram evidentes muito antes do início dos sintomas motores. Semelhante ao que acontece na doença mais avançada, estes déficits principalmente perturbavam a continuidade do sono: pessoas com DH pré-sintomática acordavam mais frequentemente, passavam mais tempo acordadas no meio da noite e dormiam menos profundamente do que os seus homólogos sem DH. Estes problemas eram progressivos e pioravam durante a DH inicial.

Em contraste, déficits semelhantes no metabolismo não ocorriam antes do início dos sintomas motores. Na verdade, os cientistas não observaram nenhuma diferença metabólica convincente entre voluntários saudáveis e pessoas com DH pré-sintomática ou inicial. Este achado foi surpreendente, dado a perda de peso progressiva/baixo peso corporal associado à DH, mas já foi confirmado por um segundo estudo completamente independente liderado pelo Dr. Thomas Warner na University College London.

Aumentando a Resolução

Juntos, estes resultados dão-nos uma imagem de alta resolução dos sintomas não motores na DH.

Primeiro, mostram-nos que as perturbações do sono estão entre os primeiros sintomas da DH. As perturbações do sono começam antes dos sintomas motores, justamente quando os primeiros déficits de julgamento, memória e outras habilidades cognitivas estão começando a aparecer (mais sobre isso depois).

Segundo, destacam uma pequena parte do cérebro chamada hipotálamo na DH. O hipotálamo tem apenas o tamanho de uma amêndoa, mas desempenha um papel importante na regulação dos nossos estados de sono e vigília. Se mudanças nesta pequena parte do cérebro são responsáveis por problemas de sono na DH, então estas seriam algumas das primeiras mudanças cerebrais a ocorrer na doença. Compreender estas mudanças iniciais poderia dar-nos uma boa base para entender as mudanças cerebrais mais abrangentes que ocorrem durante a DH avançada.

Terceiro, porque os déficits de sono eram facilmente mensuráveis, trazem à tona um potencial novo biomarcador de início ou progressão da DH. Biomarcadores são testes que medem ou preveem a progressão de doenças como a DH, e são importantes porque nos permitem descrever objetivamente a doença. Um biomarcador focado em algum aspeto do sono que pudesse ser monitorado de forma não invasiva ao longo do tempo seria uma ferramenta valiosa em ensaios clínicos e poderia eventualmente ajudar a prever quando um determinado indivíduo desenvolveria sintomas motores.

Porque não dormir o suficiente causa estragos nas habilidades cognitivas, é tentador imaginar um cenário em que déficits de sono precoces causem déficits cognitivos na DH.
Porque não dormir o suficiente causa estragos nas habilidades cognitivas, é tentador imaginar um cenário em que déficits de sono precoces causem déficits cognitivos na DH.
Crédito da imagem: FreeImages.com

Finalmente, o fato de este estudo não ter encontrado déficits óbvios no metabolismo enfatiza o quão importante é testar as nossas ideias sobre o que está acontecendo na DH – porque às vezes estamos errados. Uma explicação para o baixo peso corporal baseada em metabolismo alterado era uma ideia atraente, mas os novos dados simplesmente não a suportam. Descobrir isso agora é realmente bom, porque agora podemos avançar enquanto procuramos outra, melhor explicação para os sintomas de peso corporal na DH.

Um Flash de Especulação

Um dos achados mais intrigantes desta pesquisa é que os déficits de sono surgem ao mesmo tempo que os déficits iniciais de julgamento, memória e outras habilidades cognitivas durante a DH pré-sintomática.

Este achado é intrigante porque sabemos que o sono insuficiente causa estragos no cérebro. Por exemplo, a privação moderada de sono causada por apenas 17 horas de vigília afeta o desempenho tanto quanto um nível de álcool no sangue de 0,05%, e vários grandes desastres históricos (por exemplo, o derramamento de petróleo da Exxon Valdez em 1989 no Alasca, o desastre do ônibus espacial Challenger e o acidente nuclear de Chernobyl) foram atribuídos em parte a erros cognitivos humanos causados pela falta de sono. Assim, é razoável especular que mudanças precoces no sono poderiam contribuir diretamente para mudanças cognitivas nos estágios iniciais da DH.

Embora uma ligação entre problemas cognitivos e falta de sono na DH seja uma ideia interessante, temos que ter cuidado ao assumir que é verdade. Para entender por quê, considere a seguinte analogia. Imagine que você está estudando o crime na cidade de Nova York e descobre uma relação entre crimes menores e vendas de gelado: sempre que as vendas de gelado estão em alta, os crimes menores aumentam; sempre que as vendas de gelado caem, os crimes menores diminuem.

Dada a clara relação entre estes dois eventos, você afirmaria que as vendas de gelado causam crime? Provavelmente não. Em vez disso, você chegaria à conclusão muito mais razoável de que algum outro fator afeta ambos (por exemplo, temperatura – durante o verão, temperaturas em ascensão poderiam levar a mais vendas de gelado e mais crime; durante o inverno, seria muito frio para ambos).

Usamos o exatamente o mesmo raciocínio quando falamos sobre a relação entre sono e déficits cognitivos na DH. Mesmo que estes sintomas surjam ao mesmo tempo e acompanhem um ao outro, ainda não temos informações suficientes para saber se um sintoma causa o outro ou se ambos são resultado de algum outro fator na doença. Desvendar estas possibilidades é uma questão importante que exigirá mais pesquisa.

O Grande Quadro

Achamos que este é um estudo de pesquisa sólido mostrando que déficits de sono precedem problemas motores evidentes na DH (mas que déficits de metabolismo não), e estamos ansiosos para ver este trabalho aplicado ao desenvolvimento de biomarcadores e compreensão das mudanças cerebrais iniciais. Além disso, estamos intrigados com a possibilidade de uma ligação mecanicista entre sono e cognição e aguardamos mais trabalho neste sentido.

No geral, este estudo também é um lembrete muito bom da complexidade da DH. Ampliar a nossa lente para entender esta complexidade e identificar tanto quando os sintomas surgem quanto como interagem é crucial para trazer a doença, e tratamentos eficazes, em foco. Finalmente, enquanto esperamos por terapias eficazes para a DH, temos medicamentos bastante bons para ajudar com o sono, sobre os quais encorajamos os pacientes com DH a falar com o seu médico!

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