Escrito por Dr Zanna Voysey Editado por Dr Sarah Hernandez Traduzido por Madalena Esteves

A doença de Huntington (DH) é uma doença cerebral progressiva que, normalmente, começa a apresentar sintomas entre os 30 e os 50 anos, quando as pessoas estão no auge da vida. É também hereditária, o que significa que qualquer pessoa que tenha um progenitor com DH tem 50% de hipóteses de a contrair. Historicamente, tem-se pensado que a DH é mais comum entre as pessoas de ascendência branca, mas novos dados contestam este facto, sugerindo taxas comparáveis em indivíduos de raça negra. As desigualdades raciais e étnicas na área da saúde estão bem documentadas na América do Norte, sendo que os indivíduos de raça negra e latina têm menos probabilidades de receber cuidados neurológicos, mesmo quando se controlam os factores socioeconómicos e de pagamento de seguros. Como é que isto afecta os portadores do gene da DH?

Diagnóstico tardio para pessoas negras que vivem com a DH na América do Norte

Até agora, as questões relacionadas com as disparidades raciais em matéria de saúde na DH têm recebido pouca atenção, mas um novo estudo de Adys Mendizabal e colegas da UCLA começou a abordar esta questão.

Adys e a sua equipa exploraram as disparidades raciais nos cuidados de saúde na DH, analisando os dados de mais de 4.000 portadores do gene da DH da América do Norte na base de dados ENROLL-HD.

Um novo estudo sugere que as pessoas negras que vivem com a doença de Huntington são diagnosticadas, em média, um ano mais tarde do que as pessoas brancas que vivem com a DH.
Um novo estudo sugere que as pessoas negras que vivem com a doença de Huntington são diagnosticadas, em média, um ano mais tarde do que as pessoas brancas que vivem com a DH.

O ENROLL-HD é o maior estudo observacional do mundo para famílias com DH, onde as pessoas que vivem com DH de todo o mundo são questionadas pelo seu neurologista durante as consultas clínicas, com a opção de doar amostras de sangue. Não são testados quaisquer tratamentos - o objetivo do ENROLL-HD é apenas proporcionar aos investigadores uma melhor compreensão da DH. Trata-se de uma colaboração entre famílias com DH, médicos e investigadores.

Adys e a sua equipa utilizaram a base de dados do ENROLL-HD para ver quanto tempo decorreu entre o momento em que a família de um portador do gene notou os primeiros sintomas e o momento em que foi feito o diagnóstico da DH. Descobriram que, em média, o tempo para receber um diagnóstico era um ano mais longo para os indivíduos negros do que para os brancos na América do Norte. Isto está de acordo com os resultados de outros estudos, que mostram que os indivíduos de raça negra estão normalmente numa fase mais avançada da DH quando entram no ENROLL-HD, em comparação com os indivíduos de raça branca.

Uma provável subestimação

Para além disso, as realidades são provavelmente piores. No estudo, quase 90% dos participantes eram brancos, enquanto 3,4% eram latinos e 2,3% eram negros. Estas proporções não coincidem com o que os clínicos referem ver normalmente nas suas clínicas, sugerindo que os grupos raciais e étnicos minoritários são menos frequentemente recrutados para o ENROLL-HD.

Isto realça um segundo problema que os portadores do gene da DH enfrentam na América do Norte: o da sub-representação nos estudos de investigação. Na verdade, o facto de não terem sido observadas diferenças noutros grupos raciais e étnicos no estudo deve-se provavelmente ao facto de haver muito poucos participantes desse tipo no estudo.

Também é importante considerar que os participantes do ENROLL-HD, no seu conjunto, são um reflexo algo enviesado da comunidade da DH. Isto significa que os números do estudo da UCLA são provavelmente uma subestimação e que as disparidades raciais e étnicas no mundo real, no que diz respeito aos cuidados com a DH, são provavelmente ainda maiores. Isto deve-se ao facto de o ENROLL-HD apenas ter lugar em Centros de Excelência em DH, em contextos urbanos e associados ao meio académico.

«Descobriram que, em média, o tempo para receber um diagnóstico era um ano mais longo para os indivíduos negros do que para os brancos na América do Norte. »

Os Centros de Excelência em DH prestam cuidados multidisciplinares às famílias com DH, com neurologistas, psiquiatras, assistentes sociais, terapeutas, psicólogos e outros profissionais com experiência de trabalho com famílias com DH. Os Centros de Excelência são, em parte, apoiados pela Huntington’s Disease Society of America.

Factores em jogo

É importante notar que o estudo de Mendizabal e colegas não foi concebido para determinar exatamente o que está a provocar este atraso no diagnóstico, pelo que, neste momento, isto é especulativo.

Os investigadores não conseguiram saber, por exemplo, se isso se deve ao facto de os portadores negros do gene da DH demorarem mais tempo a ir ao médico ou terem mais atrasos no acesso a cuidados especializados. No entanto, os investigadores referem os dados de outros grupos de doenças, em que se verificou que os indivíduos de raça negra são mais frequentemente mal diagnosticados e menos frequentemente encaminhados para testes genéticos.

Do mesmo modo, salientam a possibilidade de interação com outros factores sociodemográficos, por exemplo, a situação profissional, mas o número de participantes no seu estudo era demasiado reduzido para poder explorar este aspeto de forma significativa. Também citam estudos que levantam preocupações sobre as disparidades raciais na estigmatização das doenças genéticas.

Os grupos raciais e étnicos minoritários estão provavelmente sub-representados na base de dados clínicos ENROLL-HD, o que significa que as disparidades raciais na doença de Huntington estão provavelmente subestimadas.
Os grupos raciais e étnicos minoritários estão provavelmente sub-representados na base de dados clínicos ENROLL-HD, o que significa que as disparidades raciais na doença de Huntington estão provavelmente subestimadas.

Do ponto de vista do recrutamento do ENROLL-HD, levantam a possibilidade de um acesso desigual aos Centros de Excelência da DH, uma potencial falta de pessoal de investigação culturalmente semelhante e dados de outras doenças que sugerem que os grupos raciais e étnicos minoritários têm menos probabilidades de serem convidados a participar na investigação.

É relevante enfatizar que também apontam para décadas de experiências pouco éticas em comunidades negras, latinas e nativas americanas nos Estados Unidos, o que promoveu a desconfiança da comunidade em relação à investigação.

Pontos-chave para a comunidade de investigação

Uma das principais conclusões deste estudo é que precisamos de mais investigação para descobrir realmente os factores subjacentes a estas diferenças, para que possamos descobrir a melhor forma de as resolver.

Isto é particularmente importante, uma vez que os exames de imagem avançados estão agora a ser incluídos no diagnóstico e na classificação do estádio da DH - o que tem o potencial de aumentar a diferença para as populações carenciadas.

Entretanto, as alterações à ENROLL-HD poderiam ajudar a resolver este problema ao:

«Na ausência de um avanço no tratamento, descobertas como estas lembram-nos de pensar fora da caixa e de nos lembrarmos que existem outras formas de procurar melhorar as vidas das pessoas que vivem com a DH no aqui e agora. »
  1. Alargar as opções de agrupamento racial e étnico, para captar com maior exatidão a diversidade entre os participantes. Por exemplo, os indivíduos multirraciais ou multiétnicos não têm atualmente qualquer opção de categorização para além de “Outro”.
  2. Adotar uma abordagem de recrutamento normalizada que promova uma representação racial e étnica mais equilibrada no âmbito do estudo.
  3. Aumentar o número de centros ENROLL-HD em áreas sub-representadas, como a América Latina, Australásia, Ásia e África.

Um lado positivo

Embora os resultados deste estudo suscitem preocupação, também os podemos ver como positivos. Na ausência de um avanço no tratamento, descobertas como estas lembram-nos de pensar fora da caixa e de nos lembrarmos que existem outras formas de procurar melhorar as vidas das pessoas que vivem com a DH no aqui e agora.

Este estudo também mostra o valor do tempo, da energia e do esforço que as famílias DH dedicam à participação no ENROLL-HD. Este estudo é apenas um exemplo dos muitos que utilizam os dados recolhidos no ENROLL-HD para fazer avançar a nossa compreensão da DH e, esperamos, chegar mais cedo a um tratamento.

Até à data, o ENROLL-HD conta com 21.669 participantes de 155 centros clínicos em 23 países. Esta é uma participação fantástica da comunidade de doentes! Mas este estudo lembra-nos que é vital que toda a gente da comunidade da DH esteja representada, incluindo as comunidades historicamente marginalizadas. Se quiser saber mais sobre o ENROLL-HD ou participar no estudo, pode fazê-lo aqui.

Os autores não têm qualquer conflito de interesses a declarar. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...



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