Prémio HDBuzz 2024: Para além das células nervosas - quem são os outros intervenientes no cérebro com DH?
Temos o orgulho de anunciar Jenny Lange como vencedora do Prémio HDBuzz 2024! O cérebro tem muitos tipos de células que desempenham diferentes papéis. Este estudo mergulha numa célula em forma de estrela chamada astrócito e no seu papel na DH.
Escrito por Dr Jenny Lange 14 de Fevereiro de 2025 Editado por Dr Rachel Harding Traduzido por Madalena Esteves Publicado originalmente a 25 de Novembro de 2024
Um novo estudo conduzido por investigadores da Universidade de Columbia utilizou amostras cerebrais post-mortem para demonstrar que um tipo especial de células cerebrais, denominadas astrócitos, pode desempenhar um papel na forma como certas células nervosas se perdem na doença de Huntington (DH). Isto poderá ter implicações importantes para a forma como compreendemos a progressão da doença, bem como para o desenvolvimento de novas terapêuticas que possam visar especificamente estas células.
Os astrócitos em forma de estrela são importantes para a saúde do cérebro
As células nervosas são responsáveis pelo envio de sinais através do cérebro que controlam o nosso comportamento e humor e ajudam na comunicação entre o cérebro e o corpo. Estas células são as mais afectadas na DH e vão-se perdendo lentamente à medida que a doença progride.

Para além das células nervosas, o nosso cérebro é composto por vários outros tipos de células, incluindo os astrócitos. Os astrócitos desempenham um papel importante no apoio à saúde das células nervosas e ajudam no processamento da informação.
Tal como as células nervosas, e na verdade a maioria dos tipos de células do nosso corpo, os astrócitos também têm o gene da huntingtina ativado. Nas pessoas com DH, isto significa que produzem a proteína huntingtina tóxica.
Vários estudos indicaram que isto pode fazer com que os astrócitos não funcionem tão bem nos cérebros da DH, incluindo alterações na forma como interagem com as células nervosas. Pensa-se que estas alterações contribuem para a progressão da DH. Este novo estudo procurou descobrir exatamente que alterações estão a ocorrer nos astrócitos na DH.
Astrócitos: um tamanho não serve para todos
Os investigadores sabem há muito tempo que, nas pessoas com DH, as células nervosas em áreas específicas do cérebro são mais vulneráveis à morte, um processo chamado neurodegeneração. Neste estudo, os autores analisaram a forma como os genes são activados ou desactivados em diferentes regiões do cérebro utilizando tecido post-mortem. Descobriram que as diferenças nos níveis de genes de dadores saudáveis e de dadores com DH estavam ligadas a regiões específicas do cérebro e a determinados tipos de células nervosas.
«Para além das células nervosas, o nosso cérebro é composto por vários outros tipos de células, incluindo os astrócitos. Os astrócitos desempenham um papel importante no apoio à saúde das células nervosas e ajudam no processamento da informação. »
Em diferentes regiões do cérebro, os astrócitos também não são um tipo de célula uniforme. O seu nome deve-se à sua forma de estrela e, tal como as estrelas no céu, existem muitos tipos distintos de astrócitos. Estes diferem na forma, na estrutura e nos papéis que desempenham no cérebro, incluindo a forma como interagem com outras células. Os investigadores deste estudo identificaram vários subgrupos de astrócitos em regiões do cérebro que são vulneráveis ou resistentes à neurodegeneração na DH.
Curiosamente, um subgrupo de astrócitos estava presente em cérebros com DH, mas não em cérebros de controlo não afectados, numa região chamada núcleo caudado, uma área onde a morte de células nervosas é especialmente elevada na DH. Isto demonstra que não são apenas as células nervosas que são afectadas em regiões vulneráveis do cérebro, mas também que os subgrupos de astrócitos são alterados.
A presença deste subgrupo de astrócitos significa que os astrócitos que têm funções específicas foram substituídos, o que pode alterar a forma como interagem com as células nervosas nesta região. Observando as diferentes fases de progressão da doença, certos grupos de astrócitos foram aumentados ou reduzidos. Isto pode afetar a forma como estes astrócitos podem apoiar as células nervosas ou talvez até contribuir para a sua perda.
Como é que as alterações nas funções dos astrócitos afectam as células nervosas?
Os astrócitos têm muitas funções diferentes, mas uma das mais importantes é no metabolismo cerebral. Estas células ajudam a gerir e a processar os nutrientes de que as células nervosas necessitam para se manterem saudáveis e funcionarem corretamente. Estes nutrientes incluem diferentes tipos de açúcares, colesteróis e gorduras.

Existem muitos tipos diferentes de gorduras e substâncias semelhantes a gorduras, também chamadas lípidos, no cérebro. Estudos de investigação anteriores identificaram alterações na quantidade de tipos específicos de gorduras no cérebro da DH em comparação com os controlos. Os investigadores deste estudo descobriram que a quantidade de vários tipos de gorduras acompanhava a gravidade da doença no tecido cerebral da DH.
Mas como é que os diferentes lípidos afectam as células nervosas? Para testar esta questão, as células nervosas saudáveis foram cultivadas numa placa de Petri e expostas a um fator de stress juntamente com os lípidos específicos identificados no estudo. No contexto do stress celular, estes parecem ser tóxicos e provocam a morte das células nervosas.
Uma questão pendente é saber se e como os astrócitos contribuem para as alterações na expressão dos lípidos. Ainda não se sabe se os astrócitos desempenham um papel na regulação desses lípidos específicos. No entanto, como os astrócitos são o tipo de célula que absorve e segrega a maioria dos lípidos, é importante que a investigação futura determine se os astrócitos contribuem para a perda de células nervosas através de alterações no metabolismo dos lípidos.
Astrócitos: bons ou maus?
Este estudo descobriu um tipo específico de astrócitos que existe em grande quantidade nas regiões do cérebro menos afectadas pela DH, mas em muito pouca quantidade nas áreas mais afectadas do cérebro. Descobriram que este tipo de astrócito tem um grupo específico de genes mais activados do que o normal. Estes genes codificam um tipo de proteína chamada metalotioneína.
«Muitas das descobertas deste estudo baseiam-se em tecido cerebral humano post-mortem e não teriam sido possíveis sem a doação de órgãos. É a contribuição generosa e altruísta dos indivíduos que permite que uma investigação como esta seja possível. »
As proteínas metalotioneínas ajudam a proteger as células de um tipo de stress prejudicial, denominado stress oxidativo. Este tipo de stress é causado por um desequilíbrio entre as moléculas reactivas “más” e os antioxidantes “bons”. Foram relatados níveis elevados de stress oxidativo na DH e sabe-se que danifica as células.
Pensa-se que os astrócitos desempenham um papel fundamental na proteção das células nervosas contra os danos causados pelo stress oxidativo. Os investigadores deste estudo identificaram um gene específico, a metaloteioneína-3, que estava associado a um subgrupo de astrócitos neuroprotectores. Quando as células nervosas eram expostas a toxinas em laboratório, os astrócitos que expressavam níveis mais elevados deste gene podiam proteger estas células nervosas da morte celular.
Um novo modificador da DH?
Na DH, a idade de início da doença acompanha geralmente o número de repetições CAG no gene da huntingtina, em que mais repetições CAG levam a uma idade de início mais precoce. No entanto, as pessoas com o mesmo número de CAG podem ter sintomas mais cedo ou mais tarde na vida. Isto deve-se, em parte, a modificadores genéticos; pequenas alterações no código de letras do ADN noutros genes que também podem afetar a idade de início dos sintomas da DH.
Neste estudo, os investigadores analisaram 390 pessoas com DH para ver se conseguiam encontrar assinaturas genéticas no gene da metalotioneína-3 que se relacionassem com a idade em que os sintomas aparecem pela primeira vez.

Três pequenas assinaturas genéticas parecem estar ligadas a um início mais tardio dos sintomas em pessoas com DH, enquanto duas outras alterações genéticas parecem aumentar o grau de ativação deste gene numa região específica do cérebro, o córtex pré-frontal. Isto realça a potencial relevância clínica deste gene e pode representar uma nova forma de atingir terapeuticamente os astrócitos através da conceção de fármacos que alterem a expressão da proteína metaloteioneína-3.
Astrócitos - um potencial alvo terapêutico na DH?
A maioria das células perdidas na DH são células nervosas, mas com estudos como este, estamos a aprender mais sobre como outros tipos de células e as suas funções são afectadas no cérebro com DH. O cérebro é incrivelmente complexo e, ao compreendermos mais sobre outras células como os astrócitos, também aprendemos mais sobre como as alterações nas interações célula-célula podem levar à neurodegeneração.
Desvendar as intrincadas relações entre as células nervosas e os astrócitos pode ser essencial para desenvolver terapias eficazes para a DH. Gosto de pensar no cérebro como uma orquestra, em que todos os instrumentos têm de tocar bem em conjunto. Como tal, não é suficiente visar apenas uma parte, como as células nervosas, e as terapêuticas têm de visar todas as células afectadas pela DH.
Muitas das descobertas deste estudo baseiam-se em tecido cerebral humano post-mortem e não teriam sido possíveis sem a doação de órgãos. É a contribuição generosa e altruísta dos indivíduos que permite que uma investigação como esta seja possível.