A "zona genética cinzenta" da Doença de Huntington: o que significa?
Alelos intermédios e penetrância reduzida - a "zona genética cinzenta" da Doença de Huntington, explicada
Escrito por Dr Nayana Lahiri 22 de Agosto de 2011 Editado por Dr Jeff Carroll Traduzido por Filipa Júlio Publicado originalmente a 22 de Abril de 2011
A pedido dos leitores, um artigo especial sobre o tema muitas vezes confuso dos “alelos intermédios” e da “penetrância reduzida” - a “zona genética cinzenta” que é frequentemente referida nos debates acerca do teste genético para a Doença de Huntington.
A realização do teste genético para a Doença de Huntington (DH) é um momento de extrema preocupação. A única coisa que pretende ouvir quando lhe devolvem o resultado é se irá ou não desenvolver DH. De facto, a maioria das pessoas recebe uma resposta clara a esta questão mas, para uma pequena minoria, a resposta não é assim tão simples, já que têm um resultado na zona “cinzenta”, designado como “alelo de penetrância reduzida” ou “alelo intermédio”. O significado deste resultado pode ser confuso, mas esperamos que este artigo ajude a esclarecer o assunto.
# Noções Genéticas Básicas
Os genes são compostos pelo material genético designado ADN. O ADN é o código de todas as formas de vida e é composto por uma combinação de 4 “letras” - A, C, G e T. Em termos científicos, estas letras genéticas são denominadas “bases nucleótidas”.
O gene DH fornece o código para a proteína huntingtina e toda a gente herda duas cópias do gene - uma de cada progenitor. A mutação genética que causa a DH é uma sequência expandida de repetições de nucleótidos C-A-G no gene DH.
Os cientistas gostam de falar em gíria e, por vezes, utilizam o termo “alelo” em vez de gene; no entanto, basicamente estes termos significam a mesma coisa.
O número de repetições CAG no gene DH determina se a pessoa irá ou não desenvolver DH durante a sua vida. Toda a gente tem duas cópias do gene DH - uma do seu pai e outra da sua mãe. O teste para a DH envolve medir a expansão de repetições CAG em ambos os genes DH do indivíduo, utilizando o ADN obtido por uma amostra de sangue.
O número de repetições CAG num gene DH pode oscilar entre menos de 10 até mais de 120. 17 é o número médio de repetições CAG. A DH é uma doença “dominante”, o que significa que a pessoa só necessita que um dos seus dois genes DH tenha um número de repetições CAG maior do que o normal para poder desenvolver a doença.
Dois factos são bastante simples:
Se ambas as cópias do gene DH do indivíduo contiverem 26 repetições ou menos, ele não irá desenvolver DH, nem nenhum dos seus descendentes.
e
Se uma cópia do gene DH do indivíduo tiver 40 repetições ou mais, ele irá desenvolver DH no seu tempo de vida e cada um dos seus descendentes terá 50% de risco de herdar o gene DH expandido.
Um gene DH com 40 ou mais repetições denomina-se um gene de penetrância completa. Isso significa que a pessoa definitivamente irá desenvolver DH durante a sua vida, desde que não morra prematuramente por outro motivo.
A “Zona cinzenta”
O significado clínico dos resultados torna-se mais complicado quando o gene DH tem uma expansão de repetições entre 27 e 39 CAG - frequentemente descrita como “zona cinzenta”.
As pessoas com um gene DH que contém entre 36 e 39 repetições estão no intervalo de “penetrância reduzida”. Algumas pessoas que estão neste intervalo irão desenvolver sintomas da doença, enquanto outras não.
Infelizmente, é impossível prever quais as pessoas com um gene de penetrância reduzida que irão ou não desenvolver a doença. Se os sintomas surgirem, tendem a aparecer numa idade mais tardia e, geralmente, são menos severos.
Os descendentes de um indivíduo com um gene DH de “penetrância reduzida” têm, cada um, 50 % de risco de herdar um gene de penetrância “reduzida” ou de penetrância “completa”.
- Os “alelos intermédios”, por outro lado, têm uma expansão de repetições entre 27 e 35 CAG. As pessoas com alelos intermédios não irão desenvolver DH, mas pode existir o risco de desenvolvimento de DH nos seus descendentes.
E quanto às Gerações Futuras?
O número de repetições CAG num gene DH pode ser instável quando o gene é transmitido à geração seguinte. Isto significa que o número de repetições CAG pode aumentar ou diminuir quando o gene é transmitido do progenitor para o descendente.
Não temos a certeza em relação ao motivo porque o gene DH é instável, mas pensamos que poderá estar relacionado com a precisão com que o ADN é copiado pelas células. Se lhe pedíssemos que dactilografasse “CAG” 50 vezes, poderia chegar à conclusão que tinha dactilografado alguns “CAG” a mais ou a menos, por acidente. O mecanismo das células que copia o ADN também faz erros ao copiar extensões longas de repetições de ADN.
As alterações nas extensões de repetições designam-se “expansões” quando se transmitem mais repetições CAG à geração seguinte e “contracções” quando menos repetições “CAG” são transmitidas à geração seguinte.
A instabilidade do gene DH causa problemas à previsão do que se irá passar na geração seguinte. Embora as pessoas com alelos intermédios (27 a 35 repetições) nunca desenvolvam, elas próprias, sintomas de DH, as repetições herdadas pelos seus descendentes podem ser mais longas do que as suas. Os seus filhos estão em risco de herdar um gene de penetrância reduzida ou de penetrância completa.
Da mesma forma, alguém que tenha um gene de penetrância reduzida (36 a 39 repetições), poderá transmitir um gene de penetrância completa ao seu descendente, se o gene se expandir.
Alguns factores poderão influenciar a ocorrência da expansão. O primeiro factor é a extensão inicial de repetições CAG. Extensões normais de 26 ou menos repetições são estáveis e não se alteram ao ser transmitidas. No entanto, genes de penetrância completa - os que têm extensões de 40 ou mais repetições - têm maior probabilidade de se expandirem na geração seguinte.
Os alelos de penetrância intermédia ou reduzida são geralmente mais estáveis do que os genes de penetrância completa embora se possam expandir e dar origem a extensões de repetições mais longas na geração seguinte.
Outros factores que influenciam a expansão de repetições CAG são o género e a idade do progenitor. É muito mais provável que os pais, e não as mães, transmitam um gene DH com um número expandido de repetições CAG. Contudo, o género do descendente não faz qualquer diferença.
Pais mais idosos têm maior probabilidade de transmitir uma cópia expandida do que pais mais novos. Isto poderá dever-se ao facto de o esperma ser produzido ao longo da vida do homem, potenciando a existência de mais erros na cópia de ADN à medida que o homem vai envelhecendo.
Actualmente não é possível estimar o risco exacto de expansão de repetições CAG para pessoas com alelos de penetrância intermédia ou reduzida. No entanto, estima-se que o risco de que indivíduos com alelos de penetrância intermédia ou reduzida transmitam um alelo expandido aos seus desecendentes seja reduzido.
A importância da história familiar
É possível desenvolver DH mesmo que não existam elementos da família conhecidos que tenham esta condição. Cerca de 10% das pessoas com DH não têm história familiar da doença.
Por vezes, isso acontece porque um progenitor ou avô foi erradamente diagnosticado com outra doença, como a doença de Parkinson, quando, de facto, tinha DH. Agora que temos um teste genético confiável, este erro não acontece com a mesma frequência.
Noutras famílias, a DH surge pela primeira vez porque o progenitor que iria desenvolver a DH morreu por outro motivo antes de começar a exibir os sintomas, mas já tinha transmitido o gene aos seus descendentes.
Outra das maneiras da DH afectar uma família sem história prévia da doença é a de ocorrer uma nova mutação genética de DH. As novas mutações provêm de alelos intermédios. Surgem quando um progenitor com um alelo intermédio (27-35 repetições) transmite um alelo que se expande para o intervalo de DH. Mais tarde, o seu filho ou a sua filha irão desenvolver a doença, mas o progenitor com o alelo intermédio permanecerá sem sintomas de DH. Os alelos intermédios são frequentemente identificados nos progenitores de pessoas com uma nova mutação DH.
Os alelos intermédios não são apenas descobertos em famílias onde foi identificada uma nova mutação - podem igualmente surgir em famílias com história conhecida de DH. Esta situação ocorre quando alguém com um alelo intermédio, que não provém de uma família Huntington, tem filhos com uma pessoa que tem um alelo de penetrância completa.
Se um dos descendentes desse casal mais tarde decidir fazer o teste genético para DH, poderá verificar que não herdou o gene DH do progenitor afectado pela doença, mas herdou um alelo intermédio do outro progenitor. Muitas vezes, as famílias ficam surpreendidas ao saber que existe um alelo intermédio no ramo da família não afectado por DH - contudo, esta é, de facto, a forma mais comum de identificação dos alelos intermédios na DH.
Actualmente, não é possível estimar com exactidão o risco de alguém com um alelo intermédio ou de penetrância reduzida transmitir um alelo expandido aos seus descendentes. O risco é reduzido, mas está em curso investigação mais aprofundada nesta área.
Resumo
Um número diminuto das pessoas que fazem o teste de DH terão um resultado situado na “zona cinzenta” dos alelos intermédios e penetrância reduzida.
Alguém com um alelo intermédio (27-35 repetições CAG) não irá desenvolver DH. Os seus descendentes terão um risco reduzido de herdar um gene com um número aumentado de repetições CAG, seja do intervalo de penetrância reduzida, seja de penetrância completa.
Alguém com um alelo de penetrância reduzida (36-39) poderá ou não desenvolver DH durante o seu curso de vida. Os seus descendentes têm 50 % de risco de herdar um gene DH, seja de penetrância reduzida, seja de penetrância completa.
Alelos intermédios e de penetrância reduzida significam que os resultados do teste genético preditivo não são sempre preto ou branco. Os investigadores estão a trabalhar no sentido de melhor compreenderem estes genes da “zona cinzenta”, para se conseguir uma maior preparação das pessoas que vão realizar o teste genético e uma explicação mais completa dos resultados aos doentes e às suas famílias.
Agradecimentos
O HDBuzz agradece a Alicia Semaka pelo aconselhamento especializado acerca do risco de alelos intermédios. Alicia é conselheira genética no “Centre for Molecular Medicine and Therapeutics” da University of British Columbia, onde estuda o risco genético na DH.