Ed WildEscrito por Professor Ed Wild Editado por Dr Jeff Carroll Traduzido por Filipa Júlio

Estão a ser feitos progressos reais no caminho para o tratamento da doença de Huntington, mas, por vezes, parece que os cientistas prometem mais do que o que podem dar. Por isso, o HDBuzz criou dez “regras de ouro” para o ajudar a decidir se uma notícia ou comunicado de imprensa dá garantias genuínas para a DH ou se o seu conteúdo deve ser bebido com moderação.

Flocos de neve e glaciares

O HDBuzz adora ciência. Nos nossos momentos mais filosóficos, gostamos de imaginar que toda a investigação científica mundial é como uma nuvem de flocos de neve que, levemente, se instala no topo de uma montanha e que, gradualmente, ao longo de meses, anos e décadas, vai ficando cada vez mais compacta, até se transformar num glaciar gigante que pode formar montanhas inteiras.

Como um glaciar, a ciência move-se lentamente mas pode deslocar montanhas. Não seja enganado por aqueles que sugerem que um único floco de neve consegue fazer o mesmo.
Como um glaciar, a ciência move-se lentamente mas pode deslocar montanhas. Não seja enganado por aqueles que sugerem que um único floco de neve consegue fazer o mesmo.

Um floco de neve sozinho não conseguiria fazer isso mas, com outros, ao longo do tempo, o poder da ciência para alterar o mundo - e melhorar a vida das pessoas com DH - é imenso.

Como é que a ciência chega às pessoas

A ciência passa a ser “oficial” quando um artigo sobre um projecto de investigação é publicado numa revista com arbitragem científica. Mas há muita ciência que se torna pública através de comunicados de imprensa.

A crescente competição em relação a escassos financiamentos significa que ter os resultados publicados numa revista científica pode não ser suficiente para os cientistas conseguirem continuar com as suas investigações.

As organizações que financiam a ciência conseguem a sua liderança através do público, por isso uma das formas de os investigadores conseguirem assegurar financiamento é fazerem com que o público se sinta entusiasmado com o seu projecto de investigação. Assim, quando um trabalho só se focou, até aqui, numa área muito específica, uma estratégia para entusiasmar o público é a de conseguir que ele consiga imaginar o glaciar inteiro e não apenas o floco de neve.

Daí que as universidades e laboratórios de investigação tenham gabinetes de imprensa cuja função é encorajar os cientistas a produzirem comunicados de imprensa em que muitas vezes especulam acerca das aplicações que o seu trabalho poderá ter, quando generalizado.

Evidentemente, uma parte da missão da ciência é encontrar aplicações realistas para as novas descobertas que faz. No entanto, isto é um pau de dois bicos, já que muitas das coisas que poderão acontecer, nunca acontecem.

Podemos acrescentar uma pitada de especulação, quando os comunicados de imprensa são usados por bloggers e jornalistas para escrever novos textos. Escrever acerca de grandes progressos em doenças conhecidas consegue mais audiência e vende mais jornais do que escrever acerca de pequenos avanços e de doenças menos conhecidas.

Qual é o mal?

Isto pode fazer com que, por vezes, os comunicados de imprensa e notícias científicas prometam coisas que a investigação científica nunca poderá obter - ou que vão muito além do que o artigo original sugere.

Os investigadores, ou o gabinete de imprensa, ou os bloggers ou jornalistas, ou as pessoas que lêem as notícias não são culpados. Ninguém pretende induzir ninguém em erro - mas, às vezes, esse pode ser o resultado deste processo, o que é uma má notícia já que pode conduzir a desapontamentos e perda de esperança.

Dez Regras de Ouro

A boa notícia é que se pode evitar desapontamentos se os leitores souberem o que devem procurar.

Assim, o HDBuzz definiu Dez Regras de Ouro para ler um comunicado de imprensa ou notícia científica. Foram criadas para ajudá-lo a ter esperança quando lê notícias científicas que a garantem - e a evitar desapontamentos quando essa garantia de esperança não está lá.

  • Seja céptico em relação a todos os que prometem uma “cura” para a DH no momento presente ou num futuro próximo.

  • Se algo parecer bom demais para ser verdade, então provavelmente não é verdade.

«A boa notícia é que o desapontamento pode ser evitado se os leitores souberem o que procurar »
  • A investigação foi publicada numa revista com arbitragem científica? Se não foi, o comunicado de imprensa poderá não ser mais do que uma especulação.

  • Verifique se o comunicado de imprensa está a anunciar resultados de um estudo - ou apenas o início de um estudo, uma nova parceria ou a aprovação de financiamento. Existe uma grande diferença.

  • A única maneira de demonstrar que algo funciona nos doentes de Huntington é testando-o em doentes de Huntington.

  • Um resultado positivo num modelo animal de DH é um óptimo ponto de partida - mas não pode ser considerado uma cura; muitas das coisas que resultam em ratinhos falham quando são testadas em humanos.

  • Algo que ainda não foi testado num modelo animal de DH tem ainda um longo caminho a percorrer até ser um tratamento.

  • A sua mente é como uma casa - é bom mantê-la aberta, mas se estiver demasiado aberta nunca se sabe quem é que pode lá entrar.

  • Tem dúvidas em relação a algo que leu? Peça ao HDBuzz para escrever sobre isso!

  • Finalmente, lembre-se de que todos os dias, a ciência aproxima-nos de tratamentos eficazes para a DH. Mesmo os resultados negativos e os tratamentos que não se mostraram válidos ajudam a que nos focalizemos em ideias mais frutíferas.

Um exemplo - terapia genética de “bloqueio e substituição”

Surgiu, recentemente, uma história no site de notícias “Science Daily” intitulada “Camião de Entregas Molecular serve Cocktail de Terapia Genética”. Surgiram artigos semelhantes em muitos outros sites, reportando o trabalho coordenado pelo Prof R Jude Samulski, da “University of North Carolina”, publicado na revista PNAS.

A notícia revelava que a equipa de Samulski tinha feito algo bastante impressionante. A investigação focava-se numa doença designada deficiência de alfa-1 antitripsina - alfa-1, abreviando.

As pessoas com alfa-1 desenvolvem problemas de fígado porque têm duas cópias defeituosas de um gene que diz às células como devem produzir a proteína alfa-1. Parte do problema deve-se ao facto de a proteína saudável estar em falta e a outra parte do problema deve-se ao facto de a proteína mutada produzida pelas células ser nociva.

O grupo de Samulski utilizou uma forma de terapia genética de “cano duplo” para resolver este problema em ratinhos com o mesmo problema genético. Em primeiro lugar, produziram uma molécula DNA-like que iria bloquear a produção da proteína mutada - uma forma de silenciamento genético. Depois, acrescentaram um gene de substituição que iria ser utilizado pelas células como uma receita para produzir a proteína saudável.

Empacotaram estas duas cargas num vírus denominado AAV, que se agrega às células e lhes injecta o seu conteúdo. Os ratinhos tratados com o vírus conseguiram restaurar os níveis da proteína alfa-1 para valores saudáveis e não desenvolveram problemas de fígado.

Óptimo trabalho - foi uma pena o comunicado de imprensa

Vamos ser claros - trata-se de ciência de excelência e de uma abordagem inovadora a uma doença devastadora. Então, qual é o problema?

Use as nossas dez regras de ouro para se proteger contra o espalhafato e o desapontamento.
Use as nossas dez regras de ouro para se proteger contra o espalhafato e o desapontamento.

Bem, esta investigação chamou-nos a atenção porque todas as notícias acerca dela mencionavam o potencial desta abordagem para tratar outras doenças de agregados de proteínas como “fibrose cística, doença de Huntington, esclerose lateral amiotrófica … e doença de Alzheimer”.

As notícias diziam isso, porque era o que tinha sido dito no comunicado de imprensa feito pelos próprios investigadores e também no artigo da PNAS.

O problema é que esta investigação não envolveu directamente nenhuma das outras doenças - e há grandes obstáculos a que esta abordagem funcione na doença de Huntington ou nas outras patologias mencionadas. Mas não ia ficar a saber isso ao ler as notícias.

No caso da DH, há dois problemas principais. Primeiro, o facto de a proteína huntingtina que causa a DH ser enorme - sete vezes maior do que a proteína alfa-1. O vírus AAV é demasiado pequeno para entregar um gene huntingtin de substituição. Existem outros vírus que o poderão fazer, mas não são tão eficazes a depositar a carga dentro das células. O outro problema prende-se com o facto de, uma vez que a proteína alfa-1 é criada, é libertada na corrente sanguínea, o que significa que uma pequena quantidade consegue percorrer um longo trajecto. Por sua vez, a proteína huntingtina faz todo o seu trabalho (e danos) dentro das células - assim, qualquer terapia genética, para ser benéfica, precisará de abranger muito mais células.

Por todos estes problemas, esta abordagem - por mais engenhosa que seja - não pode ser aplicada à DH actualmente e, mesmo que fosse radicalmente modificada, é pouco provável que venha a beneficiar os doentes de Huntington durante a próxima década - se é que alguma vez o irá fazer.

Poderá achar que precisa de saber tudo sobre terapia genética para conseguir detectar estes problemas de aplicação à DH.

Contudo, há pistas suficientes nas notícias para que mesmo os não-cientistas sejam capazes de olhar para esta descoberta com cautela, mesmo que a notícia surja num alerta do Google para “doença de Huntington”.

Utilizar as regras de ouro

Aplicar as nossas regras de ouro a este comunicado de imprensa específico faz soar várias campaínhas.

Regra 2. O comunicado de imprensa sugere que esta abordagem única pode ser útil em cinco doenças complexas diferentes - parece fantástico … poderá ser bom demais para ser verdade? Prossiga com precaução.

Regra 5. Foi testado em doentes de Huntington? Não, esta investigação foi ao nível dos ratinhos.

Regras 6 e 7. E em relação a um modelo animal de DH? Não, os ratinhos eram modelos para a deficiência de alfa-1, não para a doença de Huntington.

Assim, não tem que ser um perito em terapia genética para que as nossas regras lhe provoquem algum cepticismo saudável em relação a este comunicado de imprensa em particular.

É aqui que entram as regras 8 e 9 - mantenha uma mente aberta mas permaneça cauteloso em relação a grandes descobertas - e, se ler alguma coisa em relação à qual tem dúvidas, sinta-se à vontade para pedir ao HDBuzz que a investigue - quer enviando um email para editor@hdbuzz.net, quer usando o formulário de sugestões em HDBuzz.net.

Regra dez

A regra dez é a nossa preferida - porque nos devolve os desvarios líricos sobre flocos de neve e glaciares. A regra dez lembra-nos que - mesmo que uma notícia específica possa ou não dizer-nos algo acerca da busca de tratamentos eficazes para a doença de Huntington - estamos mais próximos hoje do que estávamos ontem, e estaremos ainda mais próximos amanhã.

Os autores não têm qualquer conflito de interesses a declarar. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...



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