Escrito por Dr Tony Hannan Editado por Dr Jeff Carroll Traduzido por Filipa Júlio

Haverá relação entre o sistema imunitário do nosso corpo e a progressão da doença de Huntington? Novos dados sugerem que corrigir alterações no sistema imunitário poderá ter um impacto real nos aspectos cerebrais da DH.

A doença de Huntington como uma doença do cérebro

Quando os cérebros das pessoas que morreram com doença de Huntington começaram a ser estudados, a observação mais impressionante foi a de que muitas das células de uma região do cérebro chamada estriado tinham morrido durante o processo degenerativo. De facto, existiam quase como que buracos na região do cérebro onde deveria estar o estriado.

A medula óssea é o material celular que se encontra no centro dos ossos e é essencial para o funcionamento do sistema imunitário.
A medula óssea é o material celular que se encontra no centro dos ossos e é essencial para o funcionamento do sistema imunitário.

Como em muitas áreas da ciência e da investigação médica, as primeiras descobertas influenciam imenso os investigadores vindouros, encorajando-os a aprofundar essas descobertas, em vez de se lançarem para assuntos menos claros e recantos ainda por explorar. Muita da investigação na DH tem-se centrado nas alterações do estriado, mas será este o fim da história?

Quanto mais e mais extensamente olhamos, torna-se cada vez mais claro que a DH não é apenas uma doença do estriado ou dos gânglios da base, mas que pode afectar outras regiões do cérebro, como o córtex cerebral (o que pode ser particularmente importante para os sintomas cognitivos e psicológicos).

Contudo, nos últimos anos, ficou igualmente patente que a patologia da doença de Huntington não se restringe apenas ao cérebro - pode também ocorrer noutros orgãos e sistemas do corpo.

O sistema imunitário na DH

Absolutamente todas as células do nosso corpo contêm o gene da DH e, nas pessoas com o gene da DH expandido, a proteína huntingtina mutada é também encontrada em todas as células.

A última revelação acerca destas descobertas foi agora publicada por Wanda Kwan, Paul Muchowski e colegas, no “Journal of Neuroscience”.

Muchowski e colegas estavam a trabalhar mais aprofundadamente dados que indicaram que o sistema imunitário é disfuncional na DH. O sistema imunitário é fulcral para proteger o corpo humano contra germes.

No passado, os cientistas consideraram o cérebro como “privilegiadamente imune”, querendo com isto dizer que o cérebro estava separado do restante sistema imunitário do corpo. No entanto, dados recentes sugerem que o sistema nervoso central (que tem o cérebro como coroa de glória) e o sistema imunitário partilham uma relação complexa. De facto, a comunicação cérebro-sist.imunitário tem duas direcções - o sistema imunitário do corpo pode alterar o cérebro e as alterações no cérebro podem reflectir-se no sistema imunitário.

Um estudo anterior, envolvendo Maria Bjorkqvist e Sarah Tabrizi (que são também co-autoras deste novo artigo), com amostras de sangue de portadores da mutação da DH e doentes de Huntington sintomáticos, centrou-se nas moléculas que regulam o estado do sistema imunitário. Este estudo revelou que moléculas específicas apresentam alterações precoces nos doentes de Huntington quando comparados com voluntários controlos sem a mutação Huntington.

Como quase todas as alterações que foram encontradas nos doentes de Huntington, descobriu-se que estas moléculas do sistema imunitário estão também alteradas no sangue dos ratinhos Huntington. Assim, o papel do sistema imunitário na DH pode ser testado experimentalmente através de modelos de ratinhos Huntington.

Os leitores do HDBuzz poderão recordar-se de outro estudo feito pelo grupo de Muchowski que demonstrou que uma substância designada JM6 alterava os sintomas nos ratinhos Huntington, apesar de não ser transportada para dentro do cérebro. Provavelmente, a JM6 estará a funcionar através do sistema imunitário.

Transplante de Medula Óssea

Os glóbulos brancos têm a função de defender o nosso corpo de germes invasores
Os glóbulos brancos têm a função de defender o nosso corpo de germes invasores

Agora que se tornou claro que modificar o sistema imunitário poderá ter efeitos nos cérebros dos ratinhos Huntington, Muchowski e colegas desenvolveram uma experiência inteligente. Realizaram transplantes de medula óssea em ratinhos Huntington, substituindo a medula óssea dos ratinhos Huntington por medula óssea colhida em ratinhos saudáveis.

A medula óssea é fulcral na geração de novas células do sistema imunitário e, por isso, este tipo de transplante testará o papel do sistema imunitário na DH. Os transplantes de medula óssea são conduzidos regularmente em humanos cuja medula óssea foi danificada, por exemplo, pela quimioterapia.

Resultou?

Os resultados foram extremamente interessantes. Os ratinhos Huntington que receberam um transplante de ratinhos controlo saudáveis mostraram melhorias, subtis mas significativas, dos problemas de movimento que os ratinhos Huntington normalmente apresentam.

Foram apresentadas evidências de que o transplante de medula óssea saudável nos ratinhos Huntington afectou directamente os cérebros dos animais, através da análise das suas “sinapses”, dos triliões de conexões que se sabe que ocorrem entre os biliões de “neurónios” do cérebro. Quando as células cerebrais estão doentes ou a morrer, começam a perder sinapses, causando enormes problemas de comunicação no cérebro.

O transplante de medula óssea aumentou o número de sinapses no cérebro, sugerindo que esta alteração no sistema imunitário teve um impacto directo no cérebro. São notícias extremamente excitantes, porque provam que podemos aplicar tratamentos ao corpo que têm um impacto directo dentro do cérebro.

Finalmente, algumas das moléculas do sistema imunitário acima mencionadas, que estão alteradas nos doentes de Huntington e nos modelos de ratinhos Huntington, voltaram aos seus níveis normais depois do transplante de medula óssea. Isto indica que, pelo menos em certa medida, o sistema imunitário foi redefinido para os seus níveis normais.

Como os autores argumentaram, os efeitos do transplante de medula óssea saudável não levaram a uma anulação total dos sintomas, mas apresentaram efeitos “modificadores da doença”. Não é surpreendente, já que os cérebros dos ratinhos Huntington continuaram a expressar a mutação genética e, por isso, a ser expostos aos efeitos tóxicos da proteína huntingtina.

Apesar de tudo, este importante novo artigo científico dá-nos provas adicionais de que o sistema imunitário está afectado na DH e de que corrigir a disfunção imunitária poderá ter efeitos benéficos nos doentes.

Sugere novas linhas de investigação futura acerca dos processos patológicos na DH e aponta, igualmente, para uma potencial abordagem de ensaio clínico. Poderá dar-se o caso de termos que abordar tanto o cérebro como o corpo, incluindo o sistema imunitário, se quisermos desenvolver abordagens bem-sucedidas para prevenir e tratar a DH.

O Dr Ed Wild é colaborador próximo de Sarah Tabrizi e de Maria Björkqvist, mencionadas neste artigo. O Dr Wild não teve qualquer tipo de participação na escrita e edição deste artigo. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...