Escrito por Dr Tamara Maiuri Editado por Dr Jeff Carroll Traduzido por Filipa Júlio

Um artigo noticioso refere que um programa “inovador” de estimulação física, mental e social poderá “parar a progressão da doença de Huntington”. Parece extremamente emocionante - mas será que a ciência apoia este entusiasmo?

A maioria das pessoas concorda que o exercício físico é bom para o corpo e para a mente. Porque é que não seria boa ideia manter os doentes de Huntington em boa forma física? O mais provável é que seja uma boa ideia, mas estas ideias “óbvias” têm que ser formalmente testadas antes de termos certezas. Alguns produtos de saúde que se propôs que seriam úteis para a saúde em geral, tais como determinadas vitaminas, veio a descobrir-se depois que eram nocivos.

Foi publicado recentemente um artigo extremamente entusiasmante sobre um estudo chamado ‘Huntington’s enrichment research optimisation scheme (HEROS) - Esquema de optimização da investigação para o enriquecimento na doença de Huntington’. O estudo HEROS analisou se um programa de estimulação física, mental e social poderia atrasar a progressão dos sintomas de DH. Um artigo de cortar a respiração avançou resultados notáveis: os participantes do estudo HEROS apresentaram uma deterioração 50% mais lenta do que os doentes que não participaram no programa. Isto parece emocionante - mas vamos analisar mais atentamente os pormenores.

Os autores de várias investigações recentes estudaram o efeito do exercício físico, juntamente com outras abordagens de reabilitação, nos doentes de Huntington.
Os autores de várias investigações recentes estudaram o efeito do exercício físico, juntamente com outras abordagens de reabilitação, nos doentes de Huntington.

O que é que foi descoberto, exactamente?

Muitas vezes, a leitura dos comunicados de imprensa científicos deixa-nos a interrogação “como é que os investigadores sabem mesmo isso?”. Não se pode culpar ninguém por não querer ler relatórios científicos entediantes para descobrir a resposta. Mas é para isso que o HDBuzz existe. Podemos dizer-lhe isto - o estudo original não afirma que “os participantes apresentaram uma deterioração 50% mais lenta do que o grupo controlo”, como referiam os títulos da notícia. Então o que é que se mostrou?

Os investigadores, liderados pela Prof Mel Ziman, da “Edith Cowan University”, pediram aos participantes do estudo HEROS para desenvolverem exercícios físicos num ginásio e em casa, e também para fazerem terapia ocupacional durante 9-18 meses. Os investigadores monitorizaram aspectos que se sabe estarem afectados nos estadios iniciais da DH, tais como perda de peso, saúde mental e funções cognitivas, como aprendizagem e memória.

Descobriram uma tendência geral para melhoria de alguns destes sintomas, particularmente dos problemas de movimento. Os participantes deste programa não perderam tanto peso como o grupo “sem exercício físico” e tiveram uma pontuação ligeiramente melhor nos testes de aprendizagem e de memória. Os investigadores já publicaram uma análise inicial da fase preliminar, ou “piloto”, deste estudo, e estão agora a trabalhar na publicação do estudo de seguimento a longo-prazo.

Estes resultados NÃO significam que o programa de exercício físico “parou a progressão”, como o título do artigo noticioso nos fazia crer. Para fazer isso, teria que ter conseguido parar completamente todos os sintomas da DH. Os autores do estudo HEROS foram cuidadosos, no sentido em que apontaram diversas áreas que não melhoraram com este programa, incluindo a depressão, que é uma importante fonte de problemas para as pessoas com DH.

Como é que um estudo pode ser assim deturpado? O mais provável é que isto seja resultado de uma combinação entre um comunicado de imprensa pouco prudente e um jornalista que não fez perguntas suficientes.

«Porque é que não seria boa ideia manter os doentes de Huntington em boa forma física? O mais provável é que seja uma boa ideia, mas estas ideias “óbvias” têm que ser formalmente testadas antes de termos certezas. »

O tamanho importa

Um factor importante em estudos como este é o grau de confiança que os investigadores têm nos seus resultados. Por exemplo, se as respostas dos participantes a um programa de exercício físico fossem muito diferentes, com alguns a responderem muito bem e outros a não responderem nada, os investigadores estariam menos confiantes acerca do sucesso do programa do que se todos os participantes tivessem respondido muito bem.

Mas cada doente é diferente - nunca se pode esperar que cada pessoa responda da mesma forma! Felizmente, há uma maneira de dar a volta a este problema, que é recrutar mais participantes. Quanto maior for o grupo, mais confiantes estarão os investigadores de que os resultados que vêem são verdadeiros e de que serão transponíveis para o mundo real.

O relatório pormenorizado do estudo HEROS é rápido a salientar que os resultados do estudo devem ser interpretados com cautela, já que só se referem a 20 participantes, o que prejudica a confiança que podemos ter em relação ao facto deste programa de exercício físico realmente alterar os sintomas da DH.

Adicionalmente, o estudo completo ainda não foi publicado, o que significa que não resistiu ao escrutínio dos outros colegas, no processo de revisão com arbitragem científica. A ideia-chave é a de que os resultados parecem bons, mas precisamos de ter mais informação para serem definitivos.

Replicação, replicação, replicação

A reabilitação foi útil para alguns dos sinais de DH, como os problemas de movimento e de equilíbrio, mas não foi uma grande ajuda noutras áreas, como a depressão.
A reabilitação foi útil para alguns dos sinais de DH, como os problemas de movimento e de equilíbrio, mas não foi uma grande ajuda noutras áreas, como a depressão.

Para além de aumentarem o número de participantes, outra maneira que os cientistas têm para melhorar a confiabilidade dos seus resultados é testarem-nos para avaliar se são “reproduzíveis”. As experiências desenvolvidas na Europa devem funcionar da mesma forma se forem conduzidas na Austrália ou em África. Esta constante recriação dos resultados de outros é uma forma importante que a ciência tem para se avaliar a si própria.

Felizmente para aqueles que, como nós, estão interessados nos tratamentos para a DH, outra equipa de investigadores, liderada por Jan Frich, da “University of Oslo”, está também interessada em melhorar as vidas dos doentes de Huntington com reabilitação, incluindo exercício físico.

Recentemente, estes investigadores descreveram os resultados de um estudo conduzido na Noruega que é muito semelhante ao estudo HEROS, que foi conduzido na Austrália. De facto, os cientistas noruegueses foram um pouco mais além, incluindo doentes de Huntington em 3 sessões de reabilitação em contexto institucional, cada uma com a duração de 3 semanas. Portanto, ao longo de um ano, os doentes tiveram 9 semanas de exercício físico intensivo e de actividades sociais.

Tal como as observações feitas na Austrália na mesma altura, os cientistas noruegueses verificaram que a reabilitação e o exercício físico causaram melhorias no equilíbrio, na capacidade de marcha e na qualidade de vida física dos doentes de Huntington. Curiosamente, o grupo norueguês viu melhorias nos sintomas de depressão e ansiedade, o que não se verificou no estudo australiano. O que é mais importante, os resultados da equipa norueguesa foram publicados numa revista com arbitragem científica.

Evidências favoráveis crescentes

Os resultados destes estudos sustentam a ideia de que um programa continuado de exercício físico regular e de terapia de reabilitação é benéfico para os doentes de Huntington. Recordam-nos que, enquanto esperamos por terapias que previnam ou atrasem o início clínico da DH, há várias coisas benéficas que podemos fazer para melhorar a qualidade de vida actual dos doentes de Huntington. O que não podemos concluir destes estudos de curta duração é que o processo da doença no cérebro é “parado” ou revertido - mas, se as pessoas estão a andar, a equilibrar-se e a sentir-se melhor, esse talvez não seja o aspecto principal no que diz respeito às decisões a tomar em relação ao exercício físico.

«Estes estudos sustentam a ideia de que um programa continuado de exercício físico regular e de terapia de reabilitação é benéfico para os doentes de Huntington. »
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