O cérebro na doença de Huntington: maior do que a soma das suas partes?
Um novo estudo importante responde à questão: que partes do cérebro poderão precisar de mais ajuda na DH?
Escrito por Dr Jeff Carroll 10 de Junho de 2014 Editado por Professor Ed Wild Traduzido por Filipa Júlio Publicado originalmente a 19 de Maio de 2014
Os sintomas da DH são causados por lesões no cérebro, mas nem todas as partes do cérebro são afectadas da mesma forma. Isto levanta uma questão importante - se tivéssemos um tratamento que pudesse ajudar só uma pequena parte do cérebro, que parte escolheríamos? Um novo estudo com ratinhos, de William Yang, da UCLA, tenta responder a esta questão.
Que região do cérebro causa a DH?
Os sintomas principais da doença de Huntington são conhecidos pela maioria dos membros de famílias Huntington: um declínio na capacidade de pensamento, um aumento dos problemas emocionais e alterações do movimento. Os cientistas acreditam que todos estes problemas têm a sua origem no mau funcionamento e perda de células no cérebro.
Mas isso não acontece em qualquer parte do cérebro - o padrão de perda de células é muito específico na DH. Se lhe dermos os cérebros de pessoas que morreram devido a diferentes doenças do cérebro, um médico talentoso conseguirá dizer-lhe quem é que morreu de DH, comparando com doentes que morreram de doença de Alzheimer ou de Parkinson. Ele conseguirá fazer isso porque, em cada um dos casos, a doença implica que determinadas partes do cérebro são afectadas de forma mais proeminente do que outras.
A parte do cérebro mais vulnerável na DH denomina-se estriado. O estriado é uma estrutura relativamente pequena, que está situada numa zona bastante profunda, debaixo da parte exterior enrugada do cérebro, que se chama córtex.
Ao longo do curso da DH, tanto as células do estriado, como do córtex encolhem, passam a funcionar mal e, eventualmente, morrem. Todos os estudos que investigaram largas centenas de voluntários descobriram que o estriado é o primeiro local do cérebro que encolhe nas pessoas portadoras da mutação da DH.
Conectividade cerebral
De inúmeras formas, o cérebro é único, quando comparado com outros órgãos do seu corpo. Uma das características únicas do cérebro é que as células que nos ajudam a pensar, chamadas neurónios, estão extremamente ligadas entre si. Em média, cada um dos 100 biliões de neurónios do cérebro está ligado a milhares de outros neurónios - o que faz com que cada cérebro humano tenha qualquer coisa como 100 triliões de conexões!
As conexões no cérebro não são aleatórias: partes específicas do cérebro sabem que a sua função é conversar entre si. Por exemplo, quer garantir que o nervo óptico que sai da parte detrás do seu olho está devidamente conectado à parte do seu córtex responsável pela visão.
Assim, o estriado e o córtex estão fortemente conectados - de facto, o córtex envia biliões de conexões até ao estriado. Curiosamente, as conexões não se fazem em ambos os sentidos - o estriado envia as suas próprias conexões para outros sítios do cérebro.
Estar conectado com os outros não é apenas a forma de os neurónios manterem a comunicação, na realidade trata-se da forma de permanecerem vivos. Há muitos anos que os cientistas sabem que os neurónios despojados das suas conexões com outros neurónios irão, de facto, morrer!
Isto levanta questões interessantes na DH. Dado que, quer o córtex, quer o estriado parecem encolher na DH, que tecido é responsável por que sintomas particulares da DH? Será que a perda do estriado (a parte profunda do circuito) conduz à perda do córtex, ou vice-versa?
«Será que tratar o estriado é suficiente? A resposta, baseada nos melhores dados que temos até agora, é “provavelmente não”. »
Truques dos ratinhos
Este tipo de questões não pode ser respondida recorrendo a seres humanos, mas podemos utilizar ratinhos para tentar perceber o que é que se está a passar no cérebro com doença de Huntington. Uma equipa de cientistas liderada por William Yang, da UCLA, utilizou um tipo especial de ratinho Huntington para compreender estas matérias.
Os ratinhos utilizados por William foram geneticamente manipulados para terem um gene DH mutado (embora os ratinhos normais nunca tenham DH). A equipa de Yang deu a estes ratinhos uma pecularidade genética especial - o seu gene DH mutado pode ser desligado em partes específicas do cérebro, escolhidas pelos cientistas que os estão a criar.
Isto deu-nos a possibilidade de comparar três tipos diferentes de ratinhos Huntington: ratinhos Huntington “normais”, com o gene da DH mutado activo por todo o cérebro; ratinhos Huntington sem o gene da DH mutado no estriado; e ratinhos Huntington sem o gene da DH mutado no córtex. Comparando estes grupos, podemos tentar compreender que região do cérebro é mais importante na produção dos sintomas da DH, pelo menos neste modelo de ratinho.
Resultados
O grupo de Yang recorreu a determinados testes utilizados nos laboratórios para avaliar o comportamento animal que se sabe já estar alterado nos ratinhos Huntington. Nestes testes, e como esperado, os ratinhos Huntington apresentaram um pior desempenho do que os ratinhos normais.
Baseados no facto de o estriado ser a parte mais afectada do cérebro dos doentes de Huntington, poderemos esperar que, se nos livrarmos do gene da DH mutado nessa região, isso será bastante benéfico para os ratinhos. Livrarmo-nos do gene da DH mutado no estriado levou, de facto, a algumas melhorias no comportamento dos ratinhos Huntington, apesar dos números serem um pouco reduzidos para termos a certeza.
Surpreendentemente, os ratinhos sem o gene da DH mutado no córtex (que é afectado mais tardiamente nos humanos) pareceram apresentar um melhor desempenho do que os ratinhos sem o gene da DH no estriado - o que sugere que o córtex é extremamente importante na DH.
Observou-se uma tendência semelhante quando a equipa analisou as alterações na estrutura física do cérebro; mais uma vez, percebeu-se que os ratinhos Huntington sem o gene da DH mutado no córtex pareciam melhor do que os ratinhos sem o gene da DH mutado no estriado.
Finalmente, a equipa de Yang notou que, de forma a prevenir completamente os sintomas da DH, era necessário desligar o gene no córtex e no estriado.
Implicações
Este estudo sugere que a proteína da doença de Huntington mutada causa problemas no córtex e no estriado - e que ambas as regiões são importantes.
Quaisquer terapias que tenham como alvo apenas o estriado poderão ter uma eficácia limitada, dados os problemas que persistem noutras partes do cérebro. Esta questão não é meramente académica - algumas das terapias propostas para a DH, incluindo algumas formas de terapia genética e de substituição de células estaminais, provavelmente são destinadas apenas ao estriado.
Este trabalho baseia-se em truques genéticos que não são possíveis de fazer em humanos, portanto não aponta directamente para uma terapia com pessoas. Contudo, utiliza estes truques para descobrir a resposta a uma pergunta com que os cientistas da DH se têm vindo a debater há muitos anos: “será que tratar o estriado é suficiente?”. A resposta, baseada nos melhores dados que temos até agora, é “provavelmente não”.
Então porque é que estamos entusiasmados com este novo trabalho? Porque preferimos aprender estas coisas com ratinhos e utilizá-los para desenhar os melhores estudos possíveis com humanos com DH. Este trabalho é uma peça importante do puzzle e, esperamos, servirá para nos ajudar a desenhar os melhores ensaios clínicos possíveis no futuro.