Leora FoxEscrito por Dr Leora Fox Editado por Dr Tamara Maiuri Traduzido por Antonio Azevedo

E se um teste sanguíneo pudesse dar informação sobre o estado e desenvolvimento da DH? Esta é a premissa da procura de biomarcadores para a DH; eles podem um dia ajudar a guiar decisões terapêuticas e a prever como os sintomas vão evoluir. Uma equipa de investigadores de vários países recentemente analisou sangue, imagens cerebrais e exames clínicos do estudo TRACK-HD. Eles verificaram que os níveis sanguíneos de uma proteína chamada cadeia leve do neurofilamento correspondiam com a severidade da DH, fazendo desta proteína um potencial biomarcador.

A procura de biomarcadores de DH

Com o apoio continuado da comunidade para a ciência de ponta, há um grande potencial para o desenvolvimento de novas terapias para o tratamento da doença de Huntington. Em paralelo com estudos básicos e clínicos para identificar a causa dos sintomas e investigar novos fármacos, é importante procurar formas precisas e eficientes de seguir a progressão da DH. À medida que mais recursos ficam disponíveis para tratar e gerir os sintomas da DH, seria útil para os doutores e pacientes ter uma noção de se os sintomas de uma pessoa são expectáveis de piorar lenta ou rápidamente. Precisamos também de formas precisas de determinar se um fármaco experimental melhorou a saúde cerebral.

Contrariamente a anteriores biomarcadores para DH, este novo biomarcador pode ser analisado usando uma simples amostra de sangue.
Contrariamente a anteriores biomarcadores para DH, este novo biomarcador pode ser analisado usando uma simples amostra de sangue.

Estas são as formas estabelecidas de lidar com estas questões: podemos avaliar movimentos incomuns, analisar variações no humor e no raciocínio, e tirar imagens de áreas do cérebro envolvidas na DH. Mas estes métodos podem pedir muito tempo e ser esgotantes para pacientes e médicos. Podem também ser não informativos para uma pessoa em risco que ainda não experenciou sintomas. Por estas razões, a comunidade DH está à procura de bons biomarcadores, testes que possam ser efetuados facilmente para prever o desenvolvimento da doença e a resposta a tratamentos. Hoje, estamos entusiasmados em reportar que investigadores do Reino Unido identificaram uma substancia no sangue promissora enquanto biomarcador para DH.

O que é um biomarcador, exatamente?

Normalmente definimos um biomarcador como sendo um teste que consegue prever o inicio ou progressão de uma doença ou a eficácia de um tratamento. O que é que isto de facto significa? Bem, com um excelente biomarcador, um simples teste numa consulta médica de rotina pode gerar informação suficiente para guiar decisões sobre cuidados atuais e futuros. Isto ainda não foi possível com a doença de Huntington, nem com a maioria das doenças neurológicas. O cérebro é um órgão complexo e os tratamentos são limitados comparados com o cancro, por exemplo, ou com a doença cardíaca.

De facto, vamos tomar como exemplo a doença cardíaca para ilustrar de forma mais clara o conceito de biomarcador. No caso da saúde cardíaca, um exemplo simples e universal de um biomarcador é a pressão sanguínea. Medir a pressão sanguínea é fácil, não invasivo e não dispendioso. Mais importantemente, um século de investigação determinou definitivamente que a pressão sanguínea é um indicador muito bom do risco de doença cardíaca. Medições da pressão sanguínea com valores crescentes ao longo do tempo podem justificar uma mudança na dieta ou a prescrição de medicação para diminuir o perigo de futuros problemas cardíacos. Se as intervenções causarem uma diminuição na pressão sanguínea, o doutor e o paciente podem ficar razoavelmente certos de que o risco de doença cardíaca está agora mais baixo. Estas decisões e conclusões podem ser feitas sem nunca ter de testar diretamente o coração e enquanto o paciente ainda está a sentir-se bem fisicamente.

O biomarcador ideal para a DH serviria uma função semelhante. Embora um teste genético possa determinar se uma pessoa tem a mutação da DH, não pode prever o risco de curto prazo de desenvolver sintomas ou determinar a quantidade provável de danos presente no cérebro. Faltam-nos também, por completo, testes químicos básicos para compreender se um novo tratamento está a atrasar os sintomas ou a abrandar os danos; em vez disso, os pacientes têm de se submeter a testes frequentes e longos. Uma pessoa em risco de desenvolver a DH pode não experienciar sintomas durante muitos anos, mas imaginem se um simples teste anual pudesse dar uma indicação da saúde do cérebro, da mesma forma que a pressão sanguínea o faz para o coração. Estes são os objetivos de procurar biomarcadores de DH.

Identificar potenciais biomarcadores para DH

Uma forma de procurar biomarcadores de DH em humanos é medir os níveis de várias substancias no sangue e depois de comparar esses níveis com a severidade de sintomas ou com imagens dos danos cerebrais. Combinar estes dados de um grande grupo de pessoas pode determinar que substancias deveriam ser interpretadas como um sinal de saúde ou de dano. Quando algo no sangue aumenta (ou diminui) progressivamente à medida que os danos neurológicos e sintomas pioram, os investigadores começam a prestar atenção - pode ser um potencial biomarcador. Para doenças do cérebro, a pesquisa tem sido difícil. Isto deve-se ao facto de ser raro que conteúdos de células do cérebro acabem na corrente sanguínea e à grande variação entre indivíduos dos níveis de substancias no sangue.

Contudo, um recente estudo liderado pelo Dr. Edward Wild da University College London, identificou uma proteína no sangue que parece ter esta propriedade: aumenta em proporção com outros sinais de DH. Para identificar esta proteína, a equipa analisou dados recolhidos enquanto parte do TRACK-HD, um estudo com três anos de duração de portadores da mutação DH e dos seus parceiros ou irmãos não afetados. Os clínicos não estavam a testar um fármaco mas sim a observar cuidadosamente os participantes ao longo do tempo para compreender mais sobre a forma como a DH se desenvolve. As 298 pessoas que completaram o estudo tiraram imagens cerebrais, fizeram exames clínicos para medir o movimento e raciocínio e deram amostras de sangue repetidas. A sua participação tem impulsionado vários anos de investigação, incluindo este estudo mais recente de biomarcadores.

Cadeia leve do neurofilamento

A proteína no centro de toda esta estória chama-se cadeia leve do neurofilamento, ou Nfl (sigla inglesa). É um importante componente estrutural das células nervosas, que dá suporte à sua forma, tal como as varas num guarda-chuva. Investigação prévia em DH e noutras doenças neurológicas tem mostrado que quando uma célula do cérebro morre, o guarda-chuva colapsa, libertando a proteína Nfl que pode acabar por ir para a corrente sanguínea. Isto levou Wild e a sua equipa a considerar a hipótese de que danos crescentes nas zonas do cérebro afetadas pela DH poderiam causar a acumulação de níveis mais altos da Nfl no sangue. Os investigadores decidiram investigar a Nfl em maior pormenor, usando amostras de sangue, imagens e resultados de exames dos participantes do TRACK-HD.

«Imagine se um simples teste pudesse dar uma indicação tão boa da saúde do cérebro como a pressão sanguínea dá para o coração »

Os participantes foram divididos com base no estado da sua DH, determinado por exames no início do estudo. Houve um grupo “controlo” constituído por irmãos ou parceiros que não tinham a mutação. Depois houve quatro grupos de portadores do gene mutado: (1) aqueles em que se previa que desenvolvessem sintomas de DH passado uma década ou mais, (2) aqueles em que se previa que desenvolvessem sintomas dentro de alguns anos, (3) aqueles com sintomas iniciais e (4) aqueles com sintomas mais avançados.

Quanto mais “avançado” o grupo de doença em que uma pessoa estava, maior os seus níveis de Nfl. A Nfl aumentava também ao longo do tempo em pessoas com o gene DH. De particular importância, os níveis mais elevados de Nfl correspondiam a mais dano cerebral e a resultados mais fracos nos testes de movimento e raciocínio. Isto significa que os níveis de Nfl foram um bom indicador da saúde cerebral e da progressão da DH. Se uma pessoa tinha níveis elevados de NFl no início do estudo mas não sintomas, frequentemente os sintomas começavam a desenvolver-se durante o estudo. Por isso os níveis de Nfl não só estavam associados com a severidade da DH como também podiam prever se uma pessoa ia ficar doente passado pouco tempo. Para além disso, os níveis de Nfl no sangue refletiam a quantidade encontrada no LCR, o fluído que banha o cérebro. Isto sugere que um teste sanguíneo poderá fornecer informação consistente sobre o cérebro, em substituição de uma punção lombar invasiva.

NfL: potencial futuro enquanto biomarcador

Por todas estas razões, os autores propuseram que a Nfl poderia ser usada como um biomarcador sanguíneo capaz de refletir a saúde atual do cérebro em DH. Esta é uma experiência bem desenhada com dados robustos, sendo assim uma notícia empolgante. Mas, tal como em todos os estudos, é importante discutir as limitações deste trabalho.

Em primeiro lugar, há que considerar que analisar os dados de um grande número de pacientes é uma excelente forma de encontrar tendências gerais, mas a interpretação não se estende a cada indivíduo. Tal como a pressão sanguínea elevada indica risco de doença cardíaca em vez de definir a data de um ataque cardíaco, os níveis de Nfl de uma pessoa não podem fazer uma predição exata sobre os sintomas de DH e sobre a saúde do cérebro. Os níveis são simplesmente demasiado variáveis entre indivíduos, e não há ainda dados suficientes para aplicar estes achados na prática clínica de rotina, como num simples teste no consultório médico.

Contudo, medir os níveis de Nfl poderia ser uma forma adicional de avaliar a progressão da doença em estudos clínicos da DH. Será particularmente interessante ver se tratamentos atuais ou futuros são capazes de reduzir os níveis de Nfl, espelhando melhorias dos sintomas. Uma ideia intrigante é que os cientistas podiam re-visitar amostras de ensaios clínicos passados para desenvolver uma compreensão mais completa da relação entre Nfl e a progressão da DH. Poderiam também determinar se estes tratamentos experimentais baixaram os níveis de Nfl, mesmo se falharam em melhorar os sintomas.

Adicionalmente, antes de pudermos usar os níveis de Nfl no sangue (ou de qualquer outro biomarcador sanguíneo) como representativos do dano neuronal em DH, temos de estar mais do que certos de que os níveis sanguíneos correspondem aos níveis no cérebro. Para responder a esta questão, a equipa a liderar o recente estudo também lançou uma iniciativa global chamada de HDClarity para se certificar de que amostras de LCR (obtido por punção lombar) são recolhidas e processadas de forma consistente em clínicas por todo o mundo.

Se as observações sobre os níveis de Nfl no sangue/LCR e a DH se mantiverem firmes após um escrutínio mais aprofundado, poderemos ter um biomarcador útil nas nossas mãos. Notavelmente, a Nfl não é especifica da DH e foi proposta como um marcador para seguir a progressão de outras doenças neurodegenerativas, incluindo o Alzheimer e a ELA. Esperamos que seja adicionado ao arsenal de recursos que nos estão a ajudar a monitorizar a DH e a desenvolver novas terapias. Ao mesmo tempo, os investigadores vão continuar a procurar biomarcadores que possam ajudar a guiar as decisões de pacientes e familiares à medida que novos tratamentos ficam disponíveis.

O Dr Wild é co-editor-chefe do HDBuzz. Ele não esteve envolvido na decisão de escrever este artigo, nem na sua escrita ou edição. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...



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