Astrócitos: A nova estrela na investigação em DH?
Um novo artigo resume o que o campo da doença de Huntington descobriu sobre um tipo de célula cerebral chamada astrócito. Estas células ajudam a manter as células cerebrais saudáveis e podem ser usadas no desenvolvimento de novas terapias para a DH.
Escrito por Dr Sarah Hernandez 05 de Maio de 2023 Editado por Dr Leora Fox Traduzido por Madalena Esteves Publicado originalmente a 19 de Abril de 2023
As mudanças mais óbvias relacionadas com a doença de Huntington (DH) ocorrem nos neurónios, as células mensageiras do sistema nervoso que enviam e recebem informações em todo o cérebro e medula espinal. No entanto, muitos tipos diferentes de células são afetados pela DH. Um artigo recentemente publicado reviu resultados de investigação de vários laboratórios, descrevendo como um tipo específico de célula cerebral, chamado astrócito, contribui para a DH. Este artigo de revisão detalha por que os investigadores precisam prestar atenção a mais do que apenas neurónios para desenvolver tratamentos eficazes para DH. Vamos descobrir porquê!
O cérebro - mais que apenas neurónios
O gene huntingtina (HTT) é encontrado em todas as células do nosso corpo. Isso significa que a repetição CAG expandida dentro do gene HTT que causa DH também é encontrada em todas as células. Mas existem certos órgãos, como o cérebro, que são mais sensíveis a serem prejudicados pelo HTT expandido. Dentro do cérebro, existem certas regiões que se mostraram particularmente vulneráveis na DH, como o estriado - uma porção do cérebro que fica quase exatamente no centro e ajuda a controlar coisas como a tomada de decisões e o movimento voluntário.
O estriado é composto por vários tipos de células, incluindo os neurónios, dos quais ouvimos muito falar na DH. Os neurónios são células em forma de árvore que transmitem sinais elétricos que nos permitem pensar, sentir e mover. Eles também são o tipo de célula mais afetado na DH, perdendo a sua capacidade de funcionar à medida que a doença progride. No entanto, o tipo de célula mais abundante no estriado não são os neurónios, mas sim um tipo de célula chamada glia.
A glia são células de suporte que ajudam a manter o cérebro saudável. Existem vários tipos diferentes de glia, e novas evidências na área da DH têm-nos ensinado que estes diferentes tipos de células também desempenham um papel na DH. Compreender como a glia contribui para a DH e como é afetada ao longo da doença pode ajudar no desenvolvimento de novas terapias.
Os astrócitos estão a roubar o destaque
Um tipo particular de glia que tem recebido muita atenção na investigação de DH ultimamente é um tipo de célula chamado astrócito. Estas são células em forma de estrela que suportam os neurónios, garantindo que estes tenham um ambiente agradável no qual possam prosperar - equilibram os produtos químicos em redor dos neurónios, fornecem nutrientes e protegem-nos. O lema dos astrócitos é “neurónio feliz, cérebro saudável”!
«O lema dos astrócitos é “neurónio feliz, cérebro saudável”! »
São necessários muitos astrócitos para garantir que os neurónios no cérebro permaneçam felizes e saudáveis. Cerca de 20-40% do cérebro é composto por astrócitos! Ao contrário dos neurónios, os astrócitos continuam a multiplicar-se ao longo da sua vida. Também ao contrário dos neurónios, os astrócitos não morrem em grande número ao longo da DH, mas parecem mudar. Acredita-se que essas mudanças alterem a sua capacidade de apoiar os neurónios e mantê-los saudáveis. Em última análise, essas mudanças podem contribuir para a vulnerabilidade única dos neurónios na DH.
Para resumir o que o campo da DH aprendeu sobre os astrócitos, o Dr. Baljit Khakh da Universidade da Califórnia, Los Angeles, e o Dr. Steve Goldman da Universidade de Rochester juntaram-se para escrever uma revisão abrangente das descobertas científicas dos últimos 10 anos sobre este tópico. Os Drs. Khakh e Goldman são ambos especialistas em doenças neurodegenerativas e focaram grande parte das suas carreiras no estudo da glia e dos astrócitos. A sua revisão abrangeu o que sabemos sobre os astrócitos a partir de cérebros humanos e modelos de ratos, enquanto sugere como podemos usar essa informação para desenvolver terapêuticas.
A galinha ou o ovo
Amostras de tecido de pessoas que generosamente doaram os seus cérebros para investigação foram fundamentais para a nossa compreensão dos astrócitos. Estas amostras preciosas ensinaram-nos que no cérebro com DH, os astrócitos mudam de forma e perdem as “etiquetas” moleculares que contribuem para a sua identidade única. Estas mudanças nos astrócitos progridem com a gravidade da DH e pensa-se que reduzem a sua capacidade de funcionar corretamente. No entanto, a partir de cérebros humanos, não é claro se as mudanças nos astrócitos são a causa ou consequência da vulnerabilidade dos neurónios na DH.
Para entender a relação de causa e consequência entre astrócitos e neurónios na DH, os cientistas recorrem a modelos animais. Esses modelos permitem que os investigadores formularem e respondam a questões biológicas complexas que não podem ser abordadas com amostras de tecido humano.
Astrócitos - tanto causa como consequência
Quando os cientistas olharam para a forma e a função dos astrócitos em ratos com DH, encontraram mudanças semelhantes às observadas em cérebros humanos. Os investigadores também descobriram que as alterações na forma dos astrócitos foram observadas antes de os neurónios perderem a capacidade de comunicar. Além disso, os investigadores observaram mudanças nos níveis de potássio e cálcio produzidos pelos astrócitos. Os neurónios usam estes elementos para comunicar em todo o cérebro e corpo. Estes achados podem sugerir que a DH leva a alterações nos astrócitos que causam a quebra dos neurónios.
Usando técnicas de manipulação genética em ratos, os investigadores reduziram apenas a cópia expandida da HTT exclusivamente em astrócitos ou exclusivamente em neurónios. Esta técnica permitiu-lhes distinguir que tipo de célula causa consequências específicas da DH. Uma tática bastante inteligente! Descobriram que os sintomas da DH em ratos, como mudanças de comportamento, vêm principalmente dos neurónios e que essas mudanças nos neurónios perturbam a função dos astrócitos.
«Os autores sugerem que as estratégias terapêuticas mais eficazes provavelmente exigirão uma abordagem de duas vertentes: diminuir a HTT expandida nos neurónios, ao mesmo tempo que se restaura a capacidade dos astrócitos de criar um ambiente de suporte no cérebro. »
No entanto, estes resultados parecem ser uma incógnita - qual vem primeiro e qual afeta o outro? É um pouco como o dilema do ovo e da galinha. Embora não esteja totalmente claro se os astrócitos ou os neurónios são a causa ou o efeito, é claro que ambos os tipos celulares contribuem para certos sintomas da DH e são afetados pela DH.
Outro grupo usou a substituição celular para examinar o papel dos astrócitos na DH. Eles transplantaram astrócitos não afetados pela DH para um rato com DH e descobriram que os ratos apresentaram menos sintomas e viveram mais tempo. Eles também fizeram a experiência ao contrário, transplantando astrócitos com DH para um rato sem DH e descobriram que esses ratos desenvolveram sintomas de DH. Estas descobertas sugerem que pelo menos alguns sintomas de DH são causados pelos astrócitos e que substituir os astrócitos doentes pode ser uma abordagem a considerar para reduzir os sintomas da DH.
Trabalhando juntos para tratamentos eficazes
Os estudos destacados neste artigo de revisão sugerem que os modelos animais mimetizam com precisão as mudanças nas células astrocitárias associadas à DH que observamos em humanos. A partir desses animais, aprendemos que os neurónios parecem ser os principais impulsionadores dos sintomas da DH. No entanto, os próprios astrócitos também podem causar mudanças na DH e a sua função reduzida na DH perturba ainda mais os neurónios.
Os autores sugerem que as estratégias terapêuticas mais eficazes provavelmente exigirão uma abordagem de duas vertentes: diminuir a HTT expandida nos neurónios, ao mesmo tempo que se restaura a capacidade dos astrócitos de criar um ambiente de suporte no cérebro. Portanto, embora possamos ouvir falar com mais frequência de certas estratégias terapêuticas, como a diminuição da HTT, os cientistas em todo o mundo estão a abordar a terapêutica a partir de ângulos diferentes.
O trabalho neste campo está em curso para compreender plenamente a contribuição que os astrócitos têm na DH. No entanto, até agora, os investigadores demonstraram que tanto os neurónios como os astrócitos são afetados pela DH. Os tipos de células trabalham em conjunto e compreender como cada um é influenciado pelo outro pode levar ao desenvolvimento de estratégias terapêuticas eficazes.