Chorar até cair: deteção da huntingtina nas lágrimas
Alguém está a cortar cebolas? A huntingtina expandida pode agora ser detectada nas lágrimas para ajudar os cientistas a acompanhar a progressão da doença.
Escrito por Dr Sarah Hernandez 19 de Abril de 2024 Editado por Dr Leora Fox Traduzido por Madalena Esteves Publicado originalmente a 10 de Abril de 2024
Uma colaboração recentemente publicada entre investigadores académicos e empresas farmacêuticas foi bem sucedida na deteção da huntingtina nas lágrimas. Os cientistas estavam à procura de uma forma nova e fácil de detetar a doença de Huntington (DH). Se não se importar de verter uma ou duas lágrimas, eles encontraram-na!
Biomarcadores - métricas biológicas em sintonia com a progressão da doença
O acompanhamento da progressão da doença não é apenas importante do ponto de vista médico para garantir que os doentes estão a viver uma vida saudável, mas é também importante para o desenvolvimento de medicamentos para doenças como a DH. Os parâmetros biológicos que estão em sintonia com a progressão da doença são chamados biomarcadores. Existem diferentes tipos de biomarcadores, desde imagens de órgãos, a testes de metabolismo, a medições efectuadas nos fluidos corporais.
Os biomarcadores são ferramentas que os investigadores podem utilizar para avaliar o grau de eficácia de um potencial medicamento. Se um medicamento abranda ou pára a progressão de uma doença de acordo com um ou mais biomarcadores, isso pode significar que esse medicamento está a funcionar!
Os investigadores da DH têm estado a trabalhar para identificar biomarcadores que não só acompanhem a progressão da doença, mas que também se alterem antes de a pessoa começar a apresentar sintomas. A existência de biomarcadores da DH muito precoces permitiria aos investigadores saber se um medicamento está a ajudar uma pessoa antes de ela começar a apresentar o início da doença. Uma vez que muitos estudos estão a começar a indicar que quanto mais cedo tratarmos a DH, melhor será, bons biomarcadores serão fundamentais para futuros ensaios.
Como é que atualmente acompanhamos a progressão da DH?
Há muito tempo que sabemos que a DH provoca a morte das células cerebrais. Por isso, os exames de imagem, como as ressonâncias magnéticas, têm sido utilizados para acompanhar a perda de células cerebrais à medida que a DH progride. No entanto, nem sempre é fácil e conveniente (ou barato!) saltar para dentro de uma máquina de ressonância magnética. Há grandes vantagens em encontrar formas mais fáceis e mais acessíveis de acompanhar a progressão da DH.
O campo de investigação da DH tem vindo a avançar para a identificação de biomarcadores em biofluidos, como o sangue e o líquido cefalorraquidiano (LCR) que banha o cérebro e a coluna vertebral. Os dois biomarcadores biofluídicos mais notáveis da DH têm sido o neurofilamento de cadeia leve (NfL) e a própria proteína huntingtina (HTT).
O NfL foi detectado tanto no sangue como no LCR. O NfL é libertado das células cerebrais quando estas morrem. Assim, à medida que a DH progride e se perdem mais células cerebrais, as quantidades de NfL aumentam. Os investigadores demonstraram que o NfL está aumentado nas pessoas com DH até 24 anos antes de começarem a apresentar sintomas clínicos! Isto faz com que o NfL seja atualmente o nosso biomarcador mais sensível para acompanhar a progressão da DH.
«Descobriram que as quantidades de HTT expandida eram mais elevadas nas lágrimas de pessoas portadoras do gene da DH, independentemente de terem ou não sintomas actuais. »
Tornar-se mais específico
No entanto, o NfL não é específico da DH. É libertado pelas células cerebrais que estão a morrer por qualquer razão. Isto pode tornar difícil seguir com precisão a progressão da DH se existirem outras razões pelas quais alguém possa ter perdido células cerebrais, como uma doença ou uma pancada forte na cabeça. Para seguir especificamente a DH, os investigadores viraram-se para a própria HTT.
A deteção da HTT expandida no sangue e no LCR tem sido difícil. De um modo geral, a HTT expandida não é produzida pelo organismo em grandes quantidades, pelo que não existe muita. Isto significa que têm de ser utilizadas técnicas ultra-sensíveis. A HTT também se encontra no interior das células, o que torna difícil o seu acesso no sangue. Está mais acessível no LCR, mas isso requer uma punção lombar. Por este motivo, os investigadores estão agora a recorrer a outros biofluidos, como as lágrimas!
É só uma coisa nos meus dois olhos
Ninguém prefere levar uma picada na veia ou nas costas se houver outras opções disponíveis. Para ver se os biomarcadores da progressão da DH podem ser obtidos mais facilmente, investigadores dos Países Baixos e da Alemanha juntaram-se e analisaram o fluido lacrimal.
Para obter as lágrimas, coloca-se uma pequena tira de papel especial na pálpebra inferior, tocando levemente no olho. As lágrimas são absorvidas pelo papel e a tira é retirada após 5 minutos.
As lágrimas contêm um número surpreendente de proteínas - cerca de 1.500! Os biomarcadores das lágrimas estão também a ser explorados para detetar outras doenças, como Alzheimer, Parkinson e esclerose múltipla. Por este motivo, os investigadores pensaram que as lágrimas poderiam ser uma boa fonte de biomarcadores da DH.
Descobriram que as quantidades de HTT expandida eram mais elevadas nas lágrimas de pessoas portadoras do gene da DH, independentemente de terem ou não sintomas actuais. Embora os seus dados fossem bastante precisos para determinar se alguém era portador do gene para a DH, este teste não parece ser suficientemente sensível para determinar os anos desde o início dos sintomas ou para distinguir aqueles que estão a ter sintomas daqueles que não estão.
Uma nova ferramenta para a caixa
Encontrar novas e inovadoras formas de identificar biomarcadores expande a nossa caixa de ferramentas e oferece formas mais fáceis para as pessoas com DH acompanharem a progressão da doença. Utilizar as lágrimas para analisar a HTT expandida significa que os investigadores têm agora uma nova ferramenta para examinar a DH num fluido que pode ser recolhido de uma forma não invasiva.
Os investigadores continuarão a desenvolver biomarcadores que sejam fáceis de recolher e de acompanhar a progressão da DH numa fase muito precoce. Ter biomarcadores sensíveis que possam ser utilizados para medir a DH antes de alguém apresentar sintomas irá preparar-nos para o sucesso quando começarmos a testar tratamentos preventivos. Quando esse dia chegar, estaremos preparados com lágrimas de alegria.