Sarah HernandezEscrito por Dr Sarah Hernandez Editado por Dr Rachel Harding Traduzido por Madalena Esteves

Células estaminais cultivadas em 3D num laboratório de investigação podem imitar algumas caraterísticas da doença de Huntington (DH). Também são promissoras para estudos de transplante para potencialmente adicionar de volta as células que se perdem na DH. Mas o que é que acontece a essas novas células? Será que se vão dar bem com as células que ainda estão no cérebro e que têm o gene da DH? E o que é que este sistema nos pode ensinar sobre os ensaios clínicos em curso que visam diminuir a mensagem causadora da DH em apenas algumas partes do cérebro? Continue a ler para descobrir!

O poder das células estaminais

As células estaminais têm uma certa mística. Podem manter o seu “carácter estaminal”, continuando a ser uma célula estaminal, ou transformar-se noutra coisa completamente diferente. Em cada uma delas está contida a capacidade de se transformar em quase todos os tipos de células do corpo humano. Os cientistas podem persuadi-las a transformarem-se em células cardíacas, musculares ou mesmo cerebrais, proporcionando aos cientistas uma poderosa ferramenta de investigação que pode ser utilizada para responder a perguntas sobre o cérebro das pessoas, na saúde e na doença.

Utilizando etiquetas que brilham, os investigadores podem iluminar diferentes células e as suas ligações dentro dos organóides cerebrais. Um mundo de informação está contido nestas pequenas esferas!
Utilizando etiquetas que brilham, os investigadores podem iluminar diferentes células e as suas ligações dentro dos organóides cerebrais. Um mundo de informação está contido nestas pequenas esferas!
Autoria da imagem: Vaccarino Lab, Yale University

No caso de doenças cerebrais como a doença de Huntington (DH), existe uma segunda aplicação potencialmente poderosa para as células estaminais - o transplante. Sendo uma doença neurodegenerativa, a DH provoca a perda gradual de células cerebrais. Isto acontece principalmente numa parte central do cérebro, chamada estriado, e na parte exterior e enrugada do cérebro, chamada córtex.

Vários grupos de investigadores estão a explorar abordagens que lhes permitam aproveitar o poder das células estaminais para substituir as células que se perdem ao longo da DH. Recentemente escrevemos sobre o trabalho que a Dra. Leslie Thomspon está a desenvolver para os transplantes de células estaminais a partir da nossa cobertura da conferência da Hereditary Disease Foundation. Mas o que aconteceria às novas células? Adoptariam caraterísticas da DH?

A Dra. Elena Cattaneo e a sua equipa da Universidade de Milão, em Itália, publicaram recentemente um estudo com o objetivo de responder a algumas destas questões. O laboratório de Elena é líder mundial na utilização de células estaminais para a investigação da DH. Neste novo artigo, procuraram compreender melhor o efeito que as células com o gene da DH têm nas células sem o gene da DH. Isto pode ajudar a informar futuros estudos de transplante de células e ensaios destinados a reduzir a mensagem causadora da doença, uma vez que é improvável que esses medicamentos atinjam todas as células do cérebro da mesma forma.

Mini-cérebro numa placa de Petri

Normalmente, quando as células são utilizadas em experiências de laboratório, são cultivadas num plano, na parte de trás de uma placa de Petri. Mas se alguma vez viu outra pessoa, sabe que as pessoas não são 2D! Por isso, tecnologias mais sofisticadas permitem aos investigadores cultivar células em 3D.

O termo mais sofisticado para estas células 3D é “organóides”, também conhecidos como “mini-cérebros”. Já escrevemos anteriormente sobre estes cérebros cultivados em laboratório e o que os investigadores aprenderam com eles. Embora os mini-cérebros possam adotar algumas das caraterísticas celulares de um cérebro, como as ligações entre diferentes células, não têm realmente a capacidade de transmitir pensamentos e sentimentos.

«Embora estes mini-cérebros pareçam enganadoramente pouco sofisticados por fora (como um pequeno ranho esbranquiçado e rosado, para ser honesta!), são elegantemente complexos por dentro. »

Embora estes mini-cérebros pareçam enganadoramente pouco sofisticados por fora (como um pequeno ranho esbranquiçado e rosado, para ser honesta!), são elegantemente complexos por dentro. As células formam redes intrincadas entre células cerebrais que podem ser vistas a comunicar umas com as outras ao microscópio. Estes mini-cérebros dão aos investigadores uma forma de compreender em 3D como a DH afecta as ligações e a comunicação entre as diferentes células.

Os cientistas sabem que, no cérebro humano, a DH reduz a capacidade de comunicação das células do córtex exterior com o estriado interior. Esta falha de comunicação leva a uma perda dessas ligações ao longo do tempo. Quando essas ligações ficam inutilizadas durante longos períodos de tempo, pode criar-se um ambiente pouco saudável para as células cerebrais, que podem acabar por morrer.

Uma influência positiva

Elena e a sua equipa observam algo semelhante nos seus mini-cérebros que têm o gene da DH. Ao nível molecular, as células cerebrais comunicam através de um espaço muito pequeno chamado sinapse. É aqui que as pontas das células cerebrais se encontram para enviar bolhas de informação de um lado para o outro. Na DH, o número de bolhas diminui ao longo do tempo. Neste novo estudo, a equipa observa o mesmo nos mini-cérebros com DH - há menos comunicação na sinapse do que nos mini-cérebros sem o gene da DH.

Uma experiência chave no novo artigo do laboratório de Elena perguntou o que acontece às células dos mini-cérebros quando as células sem o gene para a DH são combinadas com células que têm o gene para a DH.

A equipa realizou uma análise muito detalhada das mensagens genéticas contidas nos minicérebros com população mista, verificando que se assemelham mais aos minicérebros sem o gene da DH do que aos que têm o gene da DH. Isto sugere que as células sem o gene da DH têm uma influência positiva sobre as células com o gene da DH. Bons amigos para se ter por perto!

As células cerebrais comunicam enviando bolhas microscópicas de informação através de um espaço chamado sinapse. A comunicação célula-a-célula através da sinapse é mais fraca nas células afectadas pela DH.
As células cerebrais comunicam enviando bolhas microscópicas de informação através de um espaço chamado sinapse. A comunicação célula-a-célula através da sinapse é mais fraca nas células afectadas pela DH.

Também analisaram as sinapses nestes mini-cérebros de população mista. Descobriram que a comunicação que estava a ser enviada pela sinapse tinha melhorado muito! Era mais parecida com a dos mini-cérebros sem o gene da DH. Isto sugere que as células sem a DH podem estar a ajudar as células com a DH a comunicar melhor.

A equipa também identificou algumas caraterísticas que não foram totalmente recuperadas pela presença das células sem o gene da DH. Nos minicérebros de população mista ainda se registaram algumas alterações ao nível da mensagem genética. Para além disso, o número de células que morreram nos minicérebros de população mista não foi totalmente recuperado. Isto sugere que, embora as células sem a DH ajudem os mini-cérebros de população mista, não conseguem ultrapassar todas as caraterísticas causadas pelo gene da DH.

Informar ensaios actuais e futuros

De um modo geral, este tipo de investigação pode ajudar a determinar o potencial terapêutico da utilização de células estaminais para retardar a progressão e tratar a DH. É também informativo para os ensaios em curso que reduzem os níveis da mensagem genética causadora da doença.

Embora o objetivo de alguns desses ensaios seja reduzir a mensagem em cerca de 50%, isso não acontecerá em todas as células do cérebro. Por isso, as células com a mensagem genética da DH reduzida existirão numa população mista com células que têm mais da mensagem genética da DH. Os dados de estudos como os aqui destacados ajudam os investigadores a compreender exatamente o que pode acontecer ao nível molecular quando existem essas populações mistas de células com e sem o gene da DH.

Um aspeto importante que a equipa de investigação conseguiu decifrar neste estudo é que as células sem a DH têm uma influência positiva sobre as células com o gene da DH. Mas o contrário não é verdade. As células que têm o gene da DH não parecem alterar os programas das células sem a DH. Isto é importante para futuros estudos de transplantes porque sugere que as células sem a DH que são adicionadas podem ter um efeito positivo, mas as células já existentes no cérebro com a DH possivelmente não terão um efeito negativo nas novas células. São só coisas positivas!

«sto sugere que as células sem o gene da DH têm uma influência positiva sobre as células com o gene da DH. Bons amigos para se ter por perto! »

Fazer avançar os tratamentos

Embora as células estaminais e os mini-cérebros sejam muito fixes, existem algumas limitações à sua utilização. Em primeiro lugar, não conseguem imitar verdadeiramente o que se passa no interior de um cérebro humano numa pessoa viva. Nada numa placa de laboratório o consegue fazer. É por isso que é importante estudar potenciais tratamentos num cérebro funcional, como num ratinho, e eventualmente realizar ensaios clínicos em pessoas.

Para além disso, os mini-cérebros que continham células com e sem o gene da DH foram misturados antes de serem feitos. O que significa que a população mista estava lá desde o “nascimento”. No caso de uma pessoa com DH, as células ou o tratamento seriam adicionados depois de a pessoa ter um cérebro completamente formado.

Apesar das ressalvas, este trabalho representa uma abordagem interessante para compreender melhor como é que as células sem o gene da DH podem atuar se forem adicionadas a um cérebro com DH. Também traz novas informações sobre o que pode acontecer num cérebro quando algumas células têm o gene para a DH enquanto outras têm menos dessa mensagem.

O cérebro humano, tanto no interior como no exterior de uma placa de laboratório, é incrivelmente complexo, pelo que saber o mais possível sobre a forma como a DH afecta as caraterísticas celulares e moleculares ajudará a fazer avançar os tratamentos.

Sarah Hernandez é funcionária da Hereditary Disease Foundation e fez o seu trabalho de pós-doutoramento com a Dra. Leslie Thompson, que é mencionada neste artigo. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...