14 mudanças para um cérebro mais saudável
Em 2019, havia cerca de 57 milhões de pessoas a viver com demência. Até 2050, espera-se que esse número suba para 153 milhões. Mudanças nos 14 factores aqui destacados podem melhorar a saúde do cérebro e ser aplicadas à doença de Huntington.
Escrito por Dr Sarah Hernandez 30 de Setembro de 2024 Editado por Dr Tamara Maiuri Traduzido por Filipa Júlio
Neste artigo, trazemos-lhe conselhos da Comissão Lancet 2024 sobre prevenção, intervenção e cuidados na demência - um grupo de especialistas que analisou inúmeros estudos desenvolvidos ao longo de décadas para destacar 14 factores de risco associados à demência. A boa notícia? Esses 14 factores são coisas que podem ser modificadas. Assim, promover mudanças no estilo de vida em torno dos factores aqui identificados pode ajudar a melhorar a saúde do cérebro e, potencialmente, a manter as pessoas que têm o gene da doença de Huntington (DH) saudáveis durante mais tempo.
Demência vs DH
Embora a DH e a demência possam ter causas diferentes, os factores subjacentes que são benéficos para uma serão benéficos para a outra. Demência é um termo geral para uma capacidade cognitiva reduzida - a capacidade de pensar, recordar e raciocinar.
As alterações na cognição são apenas uma das componentes da DH, que é causada por uma expansão hereditária do código genético no gene da huntingtina (HTT). A DH também afecta o humor e tem uma componente de movimento semelhante à da doença de Parkinson, chamada coreia.
Embora não existam atualmente tratamentos modificadores da doença para a DH, há vários ensaios clínicos em curso muito promissores, como os da uniQure, Wave Life Sciences, PTC Therapeutics e Skyhawk Therapeutics. Estas companhias farmacêuticas estão a visar diretamente a causa da DH, com o objetivo de diminuir a mensagem HTT. Há também companhias com ensaios em curso para medicamentos que tratam o aspeto cognitivo da DH, como a Sage Therapeutics.
Mas queremos ter a certeza de que as pessoas com o gene da DH se mantêm tão saudáveis quanto possível até termos acesso a um tratamento modificador da doença para a DH. Então, que mudanças activas podem as pessoas fazer para garantir que isso acontece?
14 factores que afectam a saúde do cérebro
1. Menos educação
As pessoas que têm mais educação na infância e as que chegam ao ensino superior têm um risco reduzido de desenvolver demência. Isto pode dever-se ao facto de estes grupos terem maior probabilidade de obter empregos mais estimulantes do ponto de vista cognitivo, desafiando o seu cérebro com maior frequência. A escolaridade reduzida é considerada um fator de risco desde o início da vida que, se corrigido, reduziria os casos de demência em 5%.
2. Perda de audição
Parece uma correlação estranha, mas a Comissão encontrou uma associação entre demência e perda de audição. Embora se trate de um fator tipicamente associado a pessoas mais velhas, a idade não foi a variável que contribuiu para o risco de demência, uma vez que a idade foi tida em conta. Os autores pensam que podem existir factores sociais em jogo, como o isolamento devido à incapacidade de ouvir em situações sociais, o que leva a um agravamento do humor e da motivação. Os autores também sugerem a existência de factores biológicos, tais como doenças vasculares, que podem afetar tanto a cóclea do ouvido como o cérebro. No entanto, nenhuma das teorias que relacionam a perda de audição com a demência foi comprovada. A perda auditiva é considerada um fator de risco na meia-idade, e a sua eliminação, por exemplo com aparelhos auditivos, reduziria o número de casos de demência em 7%.
3. Pressão arterial elevada
As pessoas com pressão arterial elevada não tratada, também conhecida como hipertensão, têm um risco acrescido de demência. No entanto, este risco desaparece quando a hipertensão é tratada com medicação. O estudo refere especificamente que o risco de demência aumenta quando a pressão sistólica (o número mais alto) é superior a 130. Por isso, controlar a tensão arterial até aos 40 anos, de modo a que fique mais próxima dos 120/80, é bom para o seu cérebro. A hipertensão é um fator de risco na meia-idade que é responsável por um aumento de 2% dos casos de demência.
«Assim, fazer mudanças no estilo de vida em torno dos factores aqui identificados pode ajudar a melhorar a saúde do cérebro e, potencialmente, a manter as pessoas que têm o gene da doença de Huntington (DH) saudáveis durante mais tempo. »
4. Inatividade física
O exercício físico é difícil de medir, uma vez que varia muito ao longo da vida de uma pessoa, entre culturas e segundo o estatuto socioeconómico, e ocorre em diferentes níveis de intensidade. No entanto, o estudo mostra que a atividade física, particularmente a atividade física sustentada ao longo da vida, está associada a uma melhor cognição aos 69 anos. A ideia por detrás da razão pela qual o exercício é tão bom para nós é a de que este melhora o fluxo sanguíneo e reduz a pressão arterial, o que pode melhorar a plasticidade cerebral e reduzir o edema cerebral - certamente coisas que podem ser benéficas para a DH! Eliminar este fator de risco na meia-idade através de um estilo de vida mais ativo pode reduzir o número de casos de demência em 2%.
5. Diabetes
Embora exista uma correlação entre a diabetes e o aumento do risco de demência, este parece ser apenas o caso na diabetes adquirida na meia-idade, e não depois dos 70 anos. Ninguém sabe ao certo porque é que existe uma correlação entre a diabetes e a demência, mas pensa-se que pode ser devido ao efeito que a diabetes tem nos vasos sanguíneos, que percorrem todo o cérebro. Também pode ser devido ao facto de o cérebro necessitar de insulina para o metabolismo e a resistência à insulina poder levar ao edema cerebral. Melhorar a saúde para eliminar a diabetes tipo 2 na meia-idade pode reduzir os casos de demência em 2%.
6. Isolamento social
O contacto social pouco frequente revela um risco acrescido de demência. Os critérios que contam para o isolamento social são: viver sozinho, visitas a amigos e familiares menos de uma vez por mês e falta de participação em actividades de grupo semanais. Estudos descobriram que a socialização pode melhorar a resistência do cérebro a danos, promover comportamentos saudáveis, diminuir o stress e reduzir a inflamação. Eliminar o isolamento social na terceira idade poderia reduzir o número de casos de demência em 5%.
7. Consumo excessivo de álcool
O relatório conclui que o consumo excessivo de álcool acarreta um risco acrescido de desenvolver demência em comparação com o consumo ligeiro. Curiosamente, o facto de não beber de todo apresenta um risco mais elevado de demência do que o consumo ligeiro de álcool. Uma razão para beber?! Provavelmente não. Ainda não se sabe até que ponto estes resultados são sólidos, uma vez que podem estar em jogo vários factores, como não beber devido ao alcoolismo ou a outros problemas de saúde não relacionados. A redução do consumo de álcool até à meia-idade pode reduzir os casos de demência em 1%.
8. Poluição do ar
A qualidade do ar é determinada pela quantidade e tamanho das partículas no ar. As partículas finas, iguais ou inferiores a 2,5 μm, são particularmente perigosas. O relatório concluiu que a respiração prolongada de partículas iguais ou inferiores a 10 μm aumenta o risco de desenvolver demência. Uma vez que existe uma forte ligação entre a qualidade do ar e as circunstâncias socioeconómicas, o desenvolvimento de políticas e regulamentos em torno da qualidade do ar será importante para reduzir este risco para as pessoas de várias origens sociais e geográficas. Ter acesso a ar puro para respirar mais tarde na vida é responsável por uma redução de 3% nos casos de demência.
9. Fumar
Temos agora uma quantidade esmagadora de dados que mostram que fumar é inequivocamente mau para a sua saúde, e isso inclui o seu cérebro. Fumar aumenta o risco de demência, com um risco maior para aqueles que começam a fumar mais cedo. A boa notícia é que este risco só está associado aos fumadores actuais; não se verificou um aumento do risco de demência entre os ex-fumadores e as pessoas que nunca fumaram. Deixar de fumar na meia-idade pode reduzir os casos de demência em 2%.
10. Obesidade
Embora a obesidade esteja associada a um maior risco de demência, este é um fator difícil de medir. A obesidade está associada a outros factores desta lista, como a inatividade física, a diabetes e a hipertensão arterial. Por isso, é difícil distinguir qual é o fator realmente associado ao risco de demência. No entanto, a maioria dos estudos fazem ajustes para estes outros factores e a obesidade continua a estar associada a um maior risco de demência. Mesmo uma modesta perda de peso de 1,5 kg melhora a cognição, o que sugere que manter o peso sob controlo é bom para o cérebro. Manter um peso saudável até à meia-idade reduziria os casos de demência em 1%.
11.Traumatismo crânio-encefálico
Talvez não seja surpreendente que uma pancada na mona seja má para o seu cérebro! O estudo concluiu que as pessoas que sofreram um traumatismo crânio-encefálico em idades mais jovens têm maior probabilidade de desenvolver demência. Evitar traumatismos crânio-encefálicos até à meia-idade poderia reduzir o número de casos de demência em 3%.
12. Depressão
O relatório refere que a correlação entre a depressão e a demência é bidirecional, ou seja, que a depressão pode ser tanto uma causa como uma consequência das alterações cognitivas. As teorias sobre a forma como a depressão pode afetar a cognição relacionam-se com a diminuição dos cuidados pessoais e do contacto social, bem como com factores biológicos, como o aumento dos níveis da hormona do stress cortisol, que podem afetar o cérebro. É encorajador que a procura de tratamento, como a psicoterapia, para a depressão na meia-idade possa reduzir os casos de demência em 3%.
13. Perda de visão
A perda de visão foi um novo fator acrescentado ao relatório da Comissão de 2020. Especificamente, verificou-se um aumento do risco de demência relacionado com a perda de visão não tratada. Para doenças como as cataratas, em que as pessoas procuraram tratamento, não se verificou um aumento do risco. Mas para as pessoas que tinham cataratas ou retinopatia diabética e não procuravam tratamento, havia uma maior probabilidade de desenvolverem demência. O relatório refere especificamente que a correlação não foi observada para outras doenças oculares, como o glaucoma ou a degenerescência macular relacionada com a idade. Se se conseguir controlar a perda de visão evitável no final da vida, poder-se-á reduzir os casos de demência em 2%.
14. Colesterol elevado
O colesterol LDL elevado é também uma nova adição desde o relatório de 2020. Desde então, foram realizados estudos que demonstram que o colesterol elevado está efetivamente associado a um risco acrescido de demência. A toma de um medicamento para baixar os lípidos, como as estatinas, que são amplamente prescritas para baixar o colesterol, não foi associada a um aumento do risco de demência. Portanto, a correlação parece estar relacionada com o colesterol elevado não tratado. O colesterol LDL elevado é um fator de risco na meia-idade que, se fosse eliminado, poderia reduzir os casos de demência em 7%.
O que é que não foi incluído?
Notavelmente ausente desta lista está o sono. O HDBuzz já escreveu anteriormente sobre a importância do sono para a gestão da DH, Regras simples para uma boa noite de sono na doença de Huntington, e razões biológicas pelas quais as pessoas com DH podem ter problemas em dormir. Também ouvimos falar recentemente sobre problemas de sono causados pela DH e novos medicamentos que estão a ser desenvolvidos para o tratamento na conferência da Hereditary Disease Foundation.
No entanto, ainda não parece haver uma ligação conclusiva entre os problemas de sono e o aumento do risco de demência. Até agora, os estudos ainda não conseguiram perceber como é que o risco de desenvolver demência pode estar associado a várias facetas do sono, como a duração e a qualidade do sono.
«É provável que estas descobertas também possam ser aplicadas à DH - mesmo que alguém tenha o gene da DH, as escolhas de estilo de vida modificáveis podem atrasar o aparecimento dos sintomas, aumentar os anos de vida saudável e reduzir o peso da doença. »
A dieta também não foi incluída como um fator de risco no relatório. Embora a dieta tenha um papel importante em vários factores da lista, como a obesidade e a diabetes, ainda não existem provas suficientes para dietas específicas como a dieta mediterrânica. No entanto, existem muitas provas de que reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados é bom para a saúde em geral, por isso, optar por uma maçã em vez de batatas fritas será sempre uma boa decisão!
Surpreendentemente, até a genética pode ser ultrapassada
As descobertas mais surpreendentes do relatório são que o desenvolvimento da demência pode ser modificado mesmo em pessoas que têm um risco genético aumentado. O artigo afirma que, “pela primeira vez, é evidente que o risco pode ser modificado mesmo em pessoas com risco genético aumentado de demência”. É provável que estas descobertas também se apliquem à DH - mesmo que alguém tenha o gene da DH, as escolhas de estilo de vida modificáveis podem atrasar o início da doença, aumentar os anos saudáveis e reduzir o peso da doença.
Desde o relatório anterior, em 2020, este campo de conhecimento assistiu a uma expansão maciça no uso e utilidade dos biomarcadores - alterações biológicas que acompanham uma doença e podem ser utilizadas para medir a sua progressão. Surpreendentemente, há muitas pessoas idosas que têm biomarcadores de demência, como placas amilóides no cérebro, que nunca chegam a desenvolver demência. Estas descobertas sugerem fortemente que as alterações cerebrais associadas à demência não significam que a doença seja inevitável, apoiando os 14 factores modificáveis aqui destacados.
Sem surpresas, ser saudável é bom para si
Este relatório da Comissão Lancet sobre a Demência não só pode ser utilizado por indivíduos para melhorar a sua própria saúde cerebral, como também pode ser utilizado para orientar mudanças de políticas governamentais a nível nacional e internacional - tal como, dar prioridade à educação precoce em todos os contextos socioeconómicos, desestigmatizar e encorajar a procura de ajuda para a saúde mental e promulgar leis sobre a utilização de capacetes em desportos de contacto e bicicletas.
De um modo geral, o relatório mostra o que as pessoas certamente já sabem - ter um estilo de vida saudável e ser gentil consigo próprio dar-lhe-ão mais anos saudáveis. As coisas que são boas para o seu cérebro, como a educação e a prevenção de lesões cerebrais, manterão o seu cérebro saudável. E as coisas que são boas para o seu coração, como o exercício, não fumar e beber menos álcool, também são boas para o seu cérebro.
Deve também ter reparado que a influência de cada um destes factores é relativamente pequena - alguns pontos percentuais aqui ou ali, sendo o mais elevado 7%. Por isso, mesmo que alguém não consiga cumprir todos os factores da lista, as suas hipóteses de desenvolver demência continuam a ser baixas. É quando os problemas de saúde se agravam que o risco de desenvolver demência aumenta realmente. A mensagem a reter é: cuide de si e seja gentil consigo.