A comunidade da doença de Huntington (DH) recebeu a notícia, a 20 de novembro de 2024, de que a Sage Therapeutics iria interromper o desenvolvimento do seu medicamento dalzanemdor (anteriormente SAGE-718) para a DH. A Sage esperava que o dalzenemdor funcionasse para melhorar os problemas de pensamento sentidos pelas pessoas com DH e teve reveses recentes com o mesmo medicamento para outras doenças. Não há outra forma de o dizer: esta é uma notícia dececionante e muitas pessoas vão sentir-se desanimadas hoje. Vamos analisar o que aprendemos com a Sage no seu recente comunicado de imprensa e o que isto significa para a comunidade da DH.

Pensamento e memória na doença de Huntington

A DH é classicamente considerada como uma perturbação do movimento e o início é ainda frequentemente definido clinicamente como o momento em que estes sintomas motores começam. No entanto, a DH causa muitos outros efeitos, tais como alterações na cognição (pensamento, aprendizagem e memória).

Novos tipos de testes podem medir as alterações cognitivas em pessoas com DH. A bateria de avaliação cognitiva da doença de Huntington (HD-CAB) foi desenvolvida há cerca de uma década especificamente para analisar as alterações no pensamento, na aprendizagem e na memória das pessoas com DH. Trata-se de um conjunto de testes que mede aspectos como a resolução de problemas, a correspondência, a linguagem e outros aspectos do pensamento e da função executiva.

Estes novos testes mostram que as alterações cognitivas que ocorrem ao longo do tempo, à medida que a DH progride, podem ser medidas. Com isso, permitiu aos criadores de medicamentos visar o pensamento, a aprendizagem e a memória, com a esperança de desenvolver medicamentos para melhorar estes sintomas cognitivos. Os medicamentos direcionados para as alterações cognitivas podem ter um enorme benefício para as pessoas com DH, ajudando-as, por exemplo, a manter o desempenho profissional e a conservar os seus empregos durante mais tempo, o que pode aumentar os anos de trabalho de algumas pessoas para compensar os encargos financeiros da DH.

Aumentar o volume do pensamento

A Sage Therapeutics tem-se concentrado no desenvolvimento de medicamentos para ajudar a tratar a cognição. Não só para a DH, mas também para outras doenças, como a doença de Parkinson e a doença de Alzheimer, em que também ocorrem alterações cognitivas.

O seu medicamento dalzanemdor actua amplificando as mensagens moleculares no cérebro. Estas mensagens moleculares ajudam as células cerebrais a comunicar e trabalham para tentar melhorar a função cognitiva. Em doenças como a DH, estas mensagens moleculares são mais baixas. A esperança é que, ao aumentar o volume destas mensagens moleculares, o pensamento, a aprendizagem e a memória melhorem

Ensaios #Dalzanemdor

«Os medicamentos direcionados para as alterações cognitivas podem ter um enorme benefício para as pessoas com DH, ajudando-as, por exemplo, a manter o desempenho profissional e a conservar os seus empregos durante mais tempo, o que pode aumentar os anos de trabalho de algumas pessoas para compensar os encargos financeiros da DH. »

A Sage começou a realizar vários ensaios para testar a capacidade do dalzanemdor para melhorar o défice cognitivo em várias doenças, incluindo Parkison, Alzheimer e DH.

Infelizmente, anunciaram em abril de 2024 que, embora o dalzanemdor fosse geralmente seguro e bem tolerado, o ensaio não atingiu os objectivos clínicos para a doença de Parkinson. O ensaio mostrou que as pessoas que tomavam dalzanemdor não apresentavam diferenças significativas nos testes de pensamento em comparação com as que tomavam um comprimido de açúcar. Depois, em outubro de 2024, houve um anúncio semelhante para o ensaio que testou o dalzanemdor para a doença de Alzheimer.

O estudo DIMENSION, de fase 2 na DH foi o último grande ensaio para verificar se o dalzanemdor poderia melhorar os problemas de pensamento, aprendizagem e memória em pessoas com uma doença que causa problemas cognitivos. Infelizmente, ficámos hoje a saber que o resultado do dalzanemdor para a DH foi semelhante ao dos ensaios anteriores

DIMENSION

O estudo DIMENSION foi um ensaio clínico de 12 semanas que testou os efeitos do dalzanemdor na função cognitiva de pessoas com DH. Havia 189 pessoas que foram aleatoriamente designadas para tomar o medicamento ou um comprimido de açúcar. De um modo geral, o dalzanemdor foi seguro e bem tolerado.

No estudo, a função cognitiva foi medida com vários testes, como o Symbol Digit Modality Test (SDMT). Neste teste, é essencialmente pedido às pessoas que decifrem um código - são atribuídos números a símbolos abstractos e é pedido às pessoas que leiam o código numérico associado a uma sequência de símbolos. Este teste mede vários componentes da cognição, como a atenção, o processamento visual, a memória de trabalho e a velocidade de raciocínio.

Infelizmente, as pessoas que tomaram dalzanemdor não mostraram quaisquer melhorias cognitivas quando comparadas com o grupo que tomou o comprimido de açúcar. No geral, o DIMENSION não conseguiu atingir os objectivos clínicos do ensaio. Por este motivo, a Sage decidiu suspender o ensaio e o desenvolvimento futuro do dalzanemdor. Isto inclui a suspensão do Estudo PURVIEW, que era uma extensão aberta do seu anterior Estudo SURVEYOR, um pequeno ensaio de 28 dias que testou o dalzanemdor na DH.

Nenhum ensaio é um fracasso

Os ensaios podem não atingir os seus objectivos clínicos, mas nenhum ensaio é um fracasso. Há sempre algo a aprender. Do dalzanemdor, há três conclusões principais:

Em primeiro lugar, a comunidade da DH está ansiosa por ter medicamentos que possam melhorar as alterações cognitivas. Uma reunião recente com a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA, organizada pela Huntington’s Disease Society of America (HDSA), deixou isso bem claro. Este evento, que durou um dia inteiro, deu às famílias da DH uma plataforma para partilharem os efeitos e os impactos diários da DH com a agência reguladora dos EUA responsável pela aprovação dos medicamentos para a DH. O que ficou claro nesta reunião é que as famílias da DH querem medicamentos que ajudem nos sintomas cognitivos causados pela DH.

Em segundo lugar, ensaios como o DIMENSION recolhem uma enorme quantidade de dados de um grande número de pessoas. Estes ricos conjuntos de dados e os resultados do ensaio podem ajudar os investigadores a compreender melhor diferentes aspectos da DH. Especificamente, este tipo de dados pode ajudar a identificar melhor a forma como a DH altera a cognição ao longo do tempo e a dar indicações sobre a forma como os medicamentos podem ser mais bem concebidos no futuro.

Em terceiro lugar, sabemos agora que é possível efetuar ensaios clínicos que testem a capacidade dos medicamentos para alterar os sintomas cognitivos. O aparecimento de testes como o HD-CAB e o SDMT, juntamente com a sua utilização em ensaios clínicos como o DIMENSION, mostram que podemos medir objetivamente estas alterações nas pessoas com DH. Agora cabe aos criadores de medicamentos utilizar esta informação e continuar a desenvolver medicamentos para as alterações cognitivas na DH.

«Os ensaios podem não atingir os seus objectivos clínicos, mas nenhum ensaio é um fracasso. Há sempre algo a aprender. »

Reerguermo-nos

Por vezes, as más notícias são apenas isso, más. Não há dúvida de que esta notícia será uma enorme desilusão para muitas pessoas no ensaio que sentiram que estavam a ganhar alguma coisa com o dalzanemdor. Não há problema em ficar chateado com isto, mas tentemos não nos deixar ficar presos aí.

Há muita coisa boa que está a acontecer neste momento na investigação em DH. Existem mais de 60 empresas a trabalhar no espaço da DH neste momento. Existem 13 estudos clínicos atualmente em fase de recrutamento para a DH e muitos mais estão a ser planeados. Só este ano, ouvimos actualizações muito positivas de ensaios clínicos de quatro empresas sobre potenciais medicamentos modificadores da doença.

Estamos a viver na era dos ensaios clínicos para a DH! Seria fantástico se cada uma destas empresas conseguisse sempre excelentes resultados. Infelizmente, isso não é realista. É claro que é uma desilusão quando um ensaio é interrompido, mas o facto de haver dezenas de outras empresas a tentar iniciar novos ensaios deve ser encorajador.

Não importa quantas vezes somos derrubados, mas sim quantas vezes nos levantamos. Por isso, embora o dia de hoje nos tenha deitado abaixo, amanhã limparemos o pó e erguer-nos-emos.

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