Escrito por Dr Leora Fox e Dr Rachel Harding Editado por Dr Rachel Harding Traduzido por Madalena Esteves

A grande maioria das pessoas com doença de Huntington apresenta sintomas de movimento conhecidos como coreia. A valbenazina, também conhecida como INGREZZA, foi recentemente aprovada pela Food and Drug Administration (FDA), permitindo aos médicos dos EUA prescrever este medicamento para a coreia da doença de Huntington (DH). Neste artigo, analisamos os pontos-chave deste anúncio e o que significa para os membros da família com DH.

Contexto sobre a valbenazina

INGREZZA é o nome comercial da valbenazina, um medicamento desenvolvido pela empresa Neurocrine Biosciences. O seu funcionamento é semelhante ao da tetrabenazina e da deutetrabenazina (Austedo), medicamentos habitualmente prescritos para ajudar a controlar os movimentos involuntários de contrações e espasmos que as pessoas com DH apresentam.

A Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos é responsável pela aprovação de medicamentos que se revelaram seguros para as pessoas e eficazes no tratamento de diferentes doenças.
A Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos é responsável pela aprovação de medicamentos que se revelaram seguros para as pessoas e eficazes no tratamento de diferentes doenças.

O tratamento com estes medicamentos bloqueia uma proteína chamada VMAT2, que é responsável pelo acondicionamento de determinados tipos de substâncias químicas que as células cerebrais utilizam para comunicar. A VMAT2 ajuda a colocar o mensageiro químico dopamina (entre outros) em bolhas que passam de célula para célula. A dopamina desempenha um papel nos circuitos de movimento do nosso cérebro, e pensa-se que o bloqueio da VMAT2 pode acalmar a interacção. Não se sabe exatamente porque é que isto melhora os movimentos irregulares e involuntários, mas estes medicamentos funcionam para muitas pessoas com coreia de DH.

A valbenazina está aprovada nos EUA desde 2017 para o tratamento da discinésia tardia (DT), movimentos involuntários que resultam da utilização de medicamentos conhecidos como neurolépticos ou antipsicóticos. Os antipsicóticos são tomados por muitas pessoas em todo o mundo para tratar os sintomas psiquiátricos e comportamentais da perturbação bipolar, da esquizofrenia e de outras doenças (incluindo a DH). Depois de usar estes medicamentos durante muito tempo, algumas pessoas desenvolvem DT, que frequentemente envolve contracções nos músculos da boca e da face. A valbenazina (INGREZZA) pode ser útil para controlar esses movimentos involuntários, pelo que a Neurocrine começou a estudar se também poderia ser eficaz para a coreia causada pela doença de Huntington.

Estudos e aprovação da valbenazina para pessoas com DH

Como a valbenazina tinha sido testada em pessoas com DT e prescrita durante vários anos, já sabíamos que era segura em humanos. No entanto, era ainda necessário um ensaio clínico para perceber se poderia tratar eficazmente a coreia da doença de Huntington. Em colaboração com o Huntington Study Group, a Neurocrine realizou um ensaio clínico de Fase 3 chamado KINECT-HD, com início em 2020. Participaram 128 pessoas; metade recebeu cápsulas de valbenazina uma vez por dia durante 12 semanas e metade tomou um placebo (um comprimido sem medicamento). Os participantes foram convidados a continuar num ensaio mais longo, em curso, denominado KINECT-HD2, no qual todos recebem valbenazina.

«O KINECT-HD foi um sucesso, atingindo o seu objetivo primário, o que significa que a valbenazina diminuiu a gravidade da coreia da DH em comparação com o placebo »

O KINECT-HD foi um sucesso (artigo em inglês), atingindo o seu objetivo primário, o que significa que a valbenazina diminuiu a gravidade da coreia da DH em comparação com o placebo. Melhorou a pontuação da Coréia Máxima Total (TMC), uma métrica que os médicos usam para monitorizar os sintomas da coreia. Esse resultado foi tornado público em 2021 e, desde então, a Neurocrine continuou os seus estudos, analisando, apresentando e preparando os dados dos dois ensaios de valbenazina na DH. Apresentaram-nos à FDA em dezembro de 2022 e, a 18 de agosto de 2023, a Neurocrine anunciou que o INGREZZA tinha sido aprovado pela FDA, o que significa que pode agora ser oficialmente prescrito a pessoas nos EUA para tratar a coreia da DH.

Pode demorar algum tempo até que os medicamentos passem da aprovação ao lançamento e à prescrição comum, especialmente no caso de uma doença rara. Uma vez obtida a luz verde, as empresas podem dedicar mais energia a informar os profissionais de saúde e a comunidade sobre a nova terapia. Até ao final de setembro, é provável que a consciencialização dos médicos norte-americanos tenha aumentado, mas já existem recursos para as familias aprenderem mais.

Que mais sabemos sobre a valbenazina?

É importante notar que o INGREZZA não abranda nem pára a progressão da DH. No entanto, tomar medicação para melhorar os movimentos involuntários e outros sintomas da DH pode ter um grande impacto na qualidade de vida. Para algumas pessoas com DH e para os seus familiares, a coreia não é incómoda, mas para outras pode interferir com as actividades diárias e até com a segurança, e o tratamento pode fazer uma grande diferença.

INGREZZA é tomado como um único comprimido, uma vez por dia, o que pode tornar mais fácil para as pessoas com DH manterem-se a par dos seus medicamentos
INGREZZA é tomado como um único comprimido, uma vez por dia, o que pode tornar mais fácil para as pessoas com DH manterem-se a par dos seus medicamentos
Autoria da imagem: Rodrigo Senna

O INGREZZA é tomado como uma cápsula única que é engolida uma vez por dia. Esta é uma caraterística positiva deste medicamento, uma vez que para muitas pessoas com DH, lembrar-se de tomar uma série complexa de comprimidos ao longo do dia pode ser difícil. Tal como acontece com os “primos químicos” da valbenazina, podem haver formas de modificar a administração para pessoas que tenham problemas de deglutição ou que usem um tubo de alimentação. A dose também pode ser alterada ao longo do tempo, dependendo da reação da pessoa ao medicamento e dos efeitos secundários que possa sentir. A Neurocrine espera que isto signifique que os efeitos secundários serão mais controláveis para um maior número de pessoas que tomam este medicamento, em comparação com outros medicamentos que têm como alvo o VMAT2.

Equilibrar efeitos secundários, custos, e outro fatores

Como todos os medicamentos, a valbenazina tem algumas desvantagens. Os inibidores da VMAT2 têm efeitos secundários comuns, como a sonolência. Podem também ter efeitos secundários muito graves que incluem depressão, bem como pensamentos ou acções suicidas. Por isso, é muito importante que as pessoas com DH que estão a considerar o INGREZZA transmitam com precisão o seu historial médico ao seu profissional de saúde e o alertem o mais rapidamente possível se sentirem quaisquer efeitos secundários.

Para além dos inibidores VMAT2, há uma variedade de medicamentos que os médicos prescrevem para tratar a coreia juntamente com outros sintomas. Por exemplo, alguns antipsicóticos utilizados para a saúde mental e comportamento na DH podem também ter o efeito de acalmar os movimentos. Há também considerações relacionadas com o custo, especialmente em países como os EUA, onde a cobertura dos seguros pode ser diferente ou estar totalmente ausente devido à falta de cuidados de saúde universais. Empresas como a Neurocrine, com novos fármacos no mercado, pretendem aliviar este problema através de diferentes canais, incluindo programas de assistência.

«A disponibilidade de múltiplos tratamentos para a coreia aumenta a consciencialização pública sobre a DH… e aumenta a escolha para os membros de famílias DH nas suas decisões de cuidados de saúde »

É de notar que uma versão de uma vez por dia da deutetrabenazina (Austedo XR) foi introduzida pela Teva nos EUA em maio deste ano, o que provavelmente não é uma coincidência - as empresas com medicamentos que tratam a mesma perturbação adaptam frequentemente as suas estratégias de investigação em função do conhecimento público, como a aprovação iminente na FDA de um produto de outra empresa. As razões para prescrever ou tomar um medicamento em vez de outro divergem de médico para médico e de doente para doente. Cada pessoa reage aos medicamentos de forma diferente e a cobertura e as aprovações variam muito de um local para outro.

Mensagem a reter

Enquanto esperamos por tratamentos que possam retardar a progressão da doença, medicamentos como o INGREZZA podem melhorar a qualidade de vida, e é uma adição bem-vinda ao nosso arsenal de ferramentas para combater a DH. A aprovação da valbenazina nos EUA é uma boa notícia para a comunidade da DH. Aumenta a consciencialização pública sobre a doença de Huntington e cria uma concorrência saudável para manter os custos baixos. Mais importante ainda, a disponibilidade de múltiplos tratamentos para a coreia aumenta a escolha para os membros de famílias DH nas suas decisões de cuidados de saúde.

Dito isto, fora dos EUA, apenas os participantes dos ensaios KINECT-HD poderão ter acesso a este medicamento, e a Neurocrine ainda não confirmou o seu compromisso de procurar a aprovação regulamentar noutros países. A Neurocrine planeia dirigir-se diretamente à comunidade num futuro próximo através de um webinar público destinado aos membros de família DH. O HDBuzz espera que todas as empresas que desenvolvem terapias para a DH trabalhem no sentido do acesso global a medicamentos que possam melhorar a qualidade de vida das pessoas com DH.

Leora Fox trabalha na Huntington's Disease Society of America que tem relações e acordos de confidencialidade com empresas que estão a trabalhar em medicamentos para a DH, incluindo a Neurocrine Biosciences. Este artigo foi escrito com base em informação pública. Rachel Harding não tem conflitos a declarar. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...