Leora FoxRachel HardingSarah HernandezEscrito por Dr Leora Fox, Dr Rachel Harding, eDr Sarah Hernandez Editado por Dr Rachel Harding, Dr Sarah Hernandez, eDr Leora Fox Traduzido por Madalena Esteves

A equipa do HDBuzz reuniu-se recentemente em Palm Springs, Califórnia, juntamente com centenas de outros cientistas de todo o mundo, para a 19ª Conferência Anual de Terapêutica da DH, organizada pela fundação de investigação da DH CHDI. De terça-feira, 27 de fevereiro, a quinta-feira, 29 de fevereiro, tweetámos em direto dezenas de palestras científicas de especialistas mundiais na investigação da doença de Huntington, desde cientistas de bancada a clínicos. Compilámos os nossos tweets num resumo de toda a conferência, começando pelo Dia 1.

Trabalho de casa de Huntingtin: Ensinar novos truques a um velho dogma

A primeira sessão da conferência centrou-se na huntingtina, o gene que se expande para causar a DH. A reunião começou com Gill Bates, que passou em revista o que sabemos sobre a genética da DH, ou seja, que o comprimento das repetições CAG no gene da huntingtina determina se as pessoas irão desenvolver a DH. Mais recentemente, o alongamento da repetição CAG em algumas células cerebrais, conhecido como expansão somática, tem sido implicado no início da doença.

Jeff Carroll pergunta "até que ponto devemos descer" com a redução da huntingtina
Jeff Carroll pergunta “até que ponto devemos descer” com a redução da huntingtina
Autoria da imagem: Ed Wild

Há muitas perguntas sem resposta sobre a forma exacta como a expansão CAG resulta na morte das células cerebrais. Esta sessão abordou uma vasta gama de abordagens, a nível epigenético, do ARN e das proteínas.

Karine Merienne: Etiquetas de ADN no estriado

A primeira oradora da conferência foi Karine Merienne, da Universidade de Estrasburgo, que nos falou sobre as alterações em certos tipos de marcadores da DH associadas ao envelhecimento. Karine recordou-nos que ainda é um mistério a razão pela qual as células nervosas do estriado são tão vulneráveis à expansão CAG no gene da huntingtina. Uma hipótese que ela está a investigar são as alterações na forma como os genes são ligados e desligados.

A investigação de Karine analisa a forma como as chamadas alterações epigenéticas ocorrem na DH. Estas não são alterações ao código do ADN em si, mas sim a determinados marcadores que afectam a forma como o ADN é embalado. Isto, por sua vez, altera os genes que são ligados ou desligados, o que afecta as propriedades das células, fazendo com que uma célula nervosa seja uma célula nervosa, ou uma célula da pele seja uma célula da pele.

Os marcadores epigenéticos alteram-se com a idade em todas as pessoas, não apenas nas pessoas com DH. A equipa de Karine descobriu que certos marcadores epigenéticos são ainda mais alterados em modelos de ratinhos da DH. Utilizando tecnologias de ponta, conseguiram observar as alterações dos marcadores ao nível de células cerebrais individuais de um ratinho. Verificaram que as células nervosas do estriado, a região cerebral vulnerável na DH, não tinham uma marca epigenética importante.

Isto dá-nos uma ideia da razão pela qual as células do estriado podem ter maior probabilidade de adoecer nas pessoas com DH. Talvez se conseguirmos corrigir estas marcas epigenéticas, possamos fazer com que as células melhorem novamente? Veremos; há muita gente inteligente a trabalhar nisto!

Yinsheng Wang: etiquetas químicas a causar o caos

A palestra seguinte da manhã foi proferida por Yinsheng Wang, que trabalha na Universidade da Califórnia, em Riverside. Yinsheng investiga a forma como as moléculas da mensagem genética são modificadas com etiquetas químicas na DH e noutras doenças CAG.

Os CAGs repetidos na mensagem do gene da huntingtina podem ser “marcados” com moléculas extra. No decurso da DH, os marcadores extra podem recrutar proteínas de forma inadequada na célula, absorvendo-as e impedindo-as de desempenhar as suas funções normais. Curiosamente, estas alterações nas etiquetas da molécula da mensagem da huntingtina parecem ocorrer mais frequentemente no estriado dos ratinhos com DH. Poderá esta ser outra razão pela qual estas células cerebrais são as que ficam mais doentes?

Máquinas moleculares especiais adicionam ou removem estas etiquetas da molécula da mensagem da huntingtina. Yinsheng e os colegas descobriram qual destas máquinas era responsável pelas alterações que conseguiam medir. Se eliminassem a máquina, os marcadores da molécula de mensagem voltavam ao normal.

Descobriram também que as alterações nos marcadores moleculares alteram a capacidade da mensagem da huntingtina para se colar a uma proteína chamada TDP-43, que desempenha um papel noutras doenças neurodegenerativas. (Tal como a hintingtina, a TDP-43 também pode formar agregados.) A huntingtina, juntamente com as suas repetições CAG e etiquetas, pode afetar a formação destes agregados. Os dados desta equipa sugerem que as repetições expandidas na molécula da mensagem da huntingtina levaram à aglomeração de TDP-43.

Yinsheng explica ainda uma outra forma de os marcadores químicos na molécula da mensagem da huntingtina poderem causar o caos na célula: fazendo com que a molécula da mensagem se desvie e produza proteínas tóxicas que não deve codificar. Talvez se conseguirmos restaurar a forma como a molécula de mensagem da DH é marcada por estas máquinas moleculares, as células cerebrais posaam ficar menos doentes. Esta é uma nova e interessante via de investigação para a descoberta de medicamentos no domínio da DH.

Jeff Carroll: até que ponto devemos descer?

Também ouvimos o Jeff Carroll do HDBuzz. O laboratório do Jeff, que está sediado na Universidade de Washington, tem estado ocupado a investigar a redução da HTT em modelos de ratinhos da DH. O laboratório de Jeff está a perguntar o que pode fazer para ajudar a acelerar e melhorar as estratégias clínicas de redução da huntingtina. Uma das principais questões é saber quanto reduzir a huntingtina e em que tipos de células para melhorar os sintomas da DH sem efeitos negativos.

As questões-chave a que a equipa de Jeff está a tentar responder são: quão baixo é demasiado baixo para reduzir a huntingtina e quão baixo temos de ir para ter um efeito positivo. As experiências em ratinhos mostraram que baixar demasiado pode não ser muito bom. Um dos projectos em que o laboratório de Jeff tem estado a trabalhar é a redução da huntingtina em ratinhos adultos. Isto representa o que estamos a fazer na clínica, dando a pessoas adultas com DH diferentes tipos de medicamentos para baixar os níveis da proteína huntingtina.

O laboratório de Jeff demonstrou que não era seguro remover completamente a huntingtina no cérebro de ratinhos - estes tinham literalmente buracos nos seus cérebros! É claro que a remoção completa da huntingtina em cérebros humanos não é o objetivo dos ensaios clínicos. O truque será provavelmente conseguir o equilíbrio correto. Jeff reitera que isto não significa que a redução da huntingtina seja uma má ideia em si, apenas precisamos de descobrir até que ponto devemos descer.

Sabemos, a partir de estudos genéticos, que 50% (o objetivo da maioria dos ensaios clínicos) parece estar bem em pessoas e modelos animais de DH, mas talvez abaixo disso não seja uma boa ideia. Uma coisa interessante que o grupo de Jeff notou foi que reduzir a huntingtina com ASOs em ratinhos parece alterar a instabilidade somática, a expansão da repetição CAG em algumas células. Isto parece acontecer no fígado em doses muito elevadas de ASO. Descobrir porque é que isto acontece tem sido complicado!

Mais importante ainda, será que as abordagens clínicas, que utilizam menores quantidades de ASOs, fariam o mesmo? Parece que não. Mas é provavelmente algo a que os cientistas devem estar atentos daqui para a frente.

Em seguida, a equipa de Jeff analisou as abordagens de redução selectiva - terapias que visam apenas a huntingtina tóxica e deixam os níveis de huntingtina normal intactos. Mais uma vez, verificaram que a instabilidade somática parecia ser bloqueada por estes tratamentos - esta poderia ser uma terapia fixe de dois pelo preço de um!

«Descobertas no domínio da instabilidade somática teriam sido impossíveis sem a dedicação das famílias DH e a sua vontade de participar na investigação. »

Em suma, o trabalho de Jeff está a ajudar-nos a compreender melhor o que significa a redução da huntingtina a nível molecular, o que nos ajudará a compreender melhor o que está a acontecer nos ensaios clínicos actuais e quaisquer considerações adicionais que possamos ter em conta para dar a esta abordagem a sua melhor oportunidade.

Ileana Cristea: a huntingtina e os seus parceiros de dança

Estamos de volta e a seguir é Ileana Cristea que lidera um grupo de investigação na Universidade de Princeton. Eles estudam a proteína huntingtina e as outras proteínas com que ela gosta de se relacionar nas células, e a forma como estas relações se alteram na DH. Este trabalho insere-se na área da investigação “ómica”, em que os investigadores analisam as alterações nas proteínas e a forma como estas interagem em muitas células, tecidos e áreas do cérebro. É um enorme esforço de colaboração!

A palestra de Ileana continua o tema de descobrir porque é que algumas células ficam doentes na DH, enquanto outras parecem estar bem. O seu laboratório analisa a localização de diferentes proteínas e quais as que se juntam mais. Estão a tentar perceber o que leva à doença e quais são as consequências de baixar os níveis de huntingtina com medicamentos. Para isso, estão a estudar quais as proteínas que interagem na presença e na ausência de huntingtina.

Descobriram que nas células de ratinhos que não têm a proteína huntingtina, os níveis de todo o tipo de proteínas estão alterados, bem como as proteínas que se encontravam juntas. As maiores alterações ocorreram em proteínas com funções na produção de energia e na reparação do ADN. O passo seguinte foi compreender como é que estas alterações conduzem à doença, pelo que se concentraram no estriado dos ratinhos com DH, uma vez que esta é a região do cérebro mais afetada na DH.

Os investigadores reduziram uma lista de proteínas envolvidas em funções celulares específicas que podem dar-nos pistas sobre o que está errado na DH. Depois de obterem uma visão geral das redes que interagem, confirmaram algumas das suas descobertas em colaboração com cientistas que trabalham noutros modelos e técnicas, como as células e as moscas da fruta. Em diferentes tipos de células, diferentes proteínas “amigas” da huntingtina são alteradas, o que, mais uma vez, pode explicar por que razão diferentes células são afectadas de formas diferentes na DH.

A equipa da Ileana não só consegue descobrir quais as proteínas com que a huntingtina se relaciona, mas também através de que superfícies se podem unir, dando uma visão molecular muito detalhada do que se passa na DH. Embora este tipo de estudo possa parecer um pouco granular, na verdade é muito importante para nos ajudar a compreender exatamente o que está errado na DH. Também nos ajuda a identificar novos genes e proteínas que podem ser bons alvos para futuros esforços de descoberta de medicamentos.

Tony Reiner: padrões de aglomerados de huntingtina

A última palestra da manhã foi apresentada por Tony Reiner, que trabalha no Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Tennessee. A sua equipa tem estado a analisar onde se encontra a forma doente da proteína huntingtina nos cérebros de humanos e ratos com DH.

Tony começou por nos recordar as partes específicas do cérebro que são mais vulneráveis na DH. O estriado, que se encontra no centro do cérebro, é uma das regiões cerebrais mais afectadas, mas as células nervosas do córtex e do tálamo também são afectadas. As regiões do cérebro que produzem uma grande quantidade de proteína huntingtina não são necessariamente as mais afectadas na DH. A huntingtina normal encontra-se realmente em todo o lado, pelo que isto não parece explicar porque é que as células do estriado são tão vulneráveis.

As proteínas huntingtinas existem em muitos sabores diferentes - expandidas, fragmentadas, aglomeradas e outras. O grupo do Tony utiliza anticorpos como ferramentas para visualizar as diferentes formas da proteína huntingtina no cérebro. Começaram por analisar cérebros de ratinhos com DH e tentaram compará-los com tecidos de pessoas com DH que generosamente doaram os seus cérebros para investigação depois de falecerem. Este ato altruísta tem sido fundamental para gerar dados que nos permitem saber o que se passa com a DH nos cérebros humanos.

Se estiver interessado, pode saber mais sobre doações de cérebros na América do Norte através do Brain Donor Project (https://braindonorproject.org/), da Huntington’s Disease Society of America, ou da Huntington Society Canada. Pode também consultar as organizações de DH no seu país de origem ou através de instituições académicas locais. Em Portugal, pode saber mais sobre o Banco Português de Cérebros aqui.

Podemos medir muitas alterações nas células cerebrais ao longo do tempo, mas ainda não é muito claro quais as alterações que estão efetivamente a causar a doença das células. O trabalho do Tony mostra que o aumento dos aglomerados de proteínas e outras medições nem sempre parecem corresponder às células que sabemos que ficam doentes. O trabalho do laboratório de Tony e de outros investigadores analisa estas medições ao nível de diferentes tipos de células, o que poderá um dia ajudar-nos a compreender melhor a causa e o efeito.

Utilizar a maquinaria de reparação do ADN para modular a instabilidade somática

A sessão 2 da conferência centrou-se nas formas de combater a expansão das repetições CAG. Isto acontece em algumas células à medida que os sintomas da DH se agravam. Muitas das novas evidências apontam para que o alongamento das repetições CAG seja um importante fator de perda de células no estriado, fazendo com que os sintomas comecem mais cedo. Utilizando sangue doado por milhares de indivíduos com DH, os cientistas têm conseguido realizar grandes estudos genéticos (conhecidos como GWAS) para determinar outros genes que afectam o aparecimento da DH. Notavelmente, muitos destes genes estão envolvidos numa coisa chamada reparação do ADN.

A reparação do ADN é um processo em que pequenas máquinas moleculares reparam erros ou alterações no código ortográfico do ADN. Uma dessas alterações que acontece na DH é o aumento das repetições CAG. Algumas pessoas têm máquinas de reparação do ADN que são óptimas a detetar erros, enquanto outras têm máquinas que não são tão boas. Quando a maquinaria de reparação do ADN falha, a repetição CAG pode alongar-se em algumas células ao longo do tempo.

Muitos cientistas da DH acreditam agora que, ao intervencionar os genes de reparação do ADN, pode ser possível abrandar o alongamento das repetições CAG em células cerebrais vulneráveis, retardando, em última análise, o início ou o agravamento dos sintomas da DH. Cada vez mais cientistas e empresas estão agora a procurar, confirmar e testar diferentes intervenientes na maquinaria que repara o ADN, para determinar o que corre mal quando as repetições CAG se alongam, e tentar evitá-lo.

Vamos falar de muitos acrónimos e nomes de proteínas que se sabe estarem envolvidas no processo de reparação do ADN. Estas proteínas trabalham em conjunto para reparar o ADN de diferentes formas e podem falhar na DH. Os cientistas estão a desenvolver medicamentos genéticos para aumentar ou diminuir os seus níveis e parar a expansão do CAG.

Maren Thomsen: a forma das máquinas de reparação do ADN

A primeira oradora da tarde foi uma bióloga estrutural, Maren Thomsen, de uma empresa chamada Proteros Biostructures. Ela está a estudar a forma de uma proteína chamada MutSꞵ, que está envolvida na reparação do ADN. Utilizando microscópios especiais, é possível ver exatamente como a proteína está organizada no espaço 3D, o que pode ajudar os cientistas a perceber como ela funciona.

Ileana Cristea refere o enorme esforço de colaboração que torna possível a investigação em DH
Ileana Cristea refere o enorme esforço de colaboração que torna possível a investigação em DH
Autoria da imagem: Ed Wild

Idealmente, gostaríamos de parar a atividade da MutSꞵ, e há diferentes formas de o fazer. Maren usa a analogia de tentar parar o movimento de uma bicicleta: poderíamos parar os pedais, ou colocar uma barricada à frente, ou impedir a roda de girar. Conhecer os detalhes da estrutura do MutSꞵ permite-lhes encontrar diferentes formas de parar a sua atividade.

Microscópios fixes permitem que Maren e a sua equipa descubram com precisão onde se encontra cada átomo da proteína e que alterações ocorrem à medida que a MutSꞵ vai fazendo o seu trabalho de deslizar e reparar o ADN. Com esta informação de alta resolução, podem criar um modelo super pormenorizado de como esta máquina molecular funciona. Consegue mesmo mover-se, agarrando e abrindo à volta do ADN como uma pinça! Quando a equipa de Maren faz alterações na máquina MutSꞵ, isso altera a sua aderência e movimento, e estão a aprender mais sobre as partes da proteína que se colam a outros intervenientes no processo de reparação do ADN.

Maren está também a investigar uma proteína chamada FAN1, juntamente com os seus “parceiros de dança”. A FAN1 também está envolvida na reparação do ADN e o seu grupo conseguiu visualizá-la de novas formas com o objetivo de a aproveitar para o desenvolvimento de medicamentos. Com estes conhecimentos pormenorizados sobre a forma como todas estas moléculas funcionam em conjunto, podemos começar a compreender por que razão certas mutações encontradas no GWAS podem atrasar ou acelerar a idade de início dos sintomas na DH.

As técnicas de biologia estrutural iluminam a forma e o movimento de moléculas críticas para que possamos compreender melhor onde e como intervir na biologia defeituosa da doença de Huntington e conceber medicamentos que visem precisamente proteínas como a MutSꞵ.

Wei Yang: MutSꞵ e repetições CAG longas

A seguir, ouvimos outra bióloga estrutural, Wei Yang, que trabalha nos Institutos Nacionais de Saúde e que também está a estudar a MutSꞵ. A máquina molecular MutSꞵ atua em todos os tipos de sequências de DNA repetidas, não apenas nas repetições CAG. A equipa de Wei trabalhou para descobrir exatamente como a MutSꞵ se liga a estas letras repetidas de ADN utilizando abordagens de biologia estrutural.

Um enigma interessante é por que existe um limite de CAGs a partir do qual as repetições continuam a expandir-se com o tempo. Para entender isto, são necessárias experiências que observam as repetições CAG no DNA e como elas se ligam à MutSꞵ. Wei e a sua equipa descobriram que a MutSꞵ prefere muito mais a ligação a repetições CAG mais longas do que as mais curtas. Na verdade, se a sequência de CAGs for longa o suficiente, mais de uma molécula MutSꞵ se ligará ao DNA CAG.

Quando olham para o DNA CAG preso à MutSꞵ, vêem que a MutSꞵ contorce a sequência CAG no DNA para se parecer com DNA não repetitivo. Funciona como um torno para dobrar o DNA nesta forma diferente. Sem surpresa, isto requer muita energia. Mas o que é que tudo isto significa para a DH? Bem, quando os CAGs se repetem o suficiente, como acontece nas pessoas com DH, mais e mais moléculas MutSꞵ se ligam. Wei pensa que isto pode, involuntariamente, encorajar a expansão dos CAG.

Os estudos de biologia estrutural ajudam-nos a confirmar as descobertas das pessoas que revelaram a importância da reparação do ADN na DH. Estamos a aprender mais sobre os genes e a maquinaria envolvidos na instabilidade somática e sobre a forma como esta pode estar ligada ao aparecimento dos sintomas. Munidos deste tipo de conhecimento, os caçadores de medicamentos podem trabalhar para encontrar formas de impedir a MutSꞵ de cometer erros que alongam os CAGs, com o objetivo de abrandar ou parar a DH.

De facto, Wei e a sua equipa identificaram um composto que altera a forma como a MutSꞵ adere ao ADN CAG. Embora esta molécula não seja suscetível de ser um medicamento, pode ser um ponto de partida útil para os caçadores de medicamentos.

Sarah Tabrizi: explorando a reparação do ADN em células humanas

Seguiu-se a lendária Sarah Tabrizi, uma médica e cientista da University College London que está envolvida em muita investigação básica e clínica sobre a DH. Sarah está a utilizar células humanas cultivadas num prato para testar muitos dos genes identificados como importantes para a reparação do ADN e para a expansão das repetições CAG. Existem muitas proteínas de reparação do ADN que parecem ser bons alvos para terapias.

Sarah e a sua equipa estão a utilizar técnicas genéticas como a CRISPR para baixar os níveis das proteínas de reparação do ADN que não funcionam bem na DH. Em seguida, verificam como é que isso afecta os níveis de outros genes, para descobrir as relações na maquinaria de reparação do ADN. Depois de alterar os níveis de diferentes proteínas de reparação do ADN, a equipa de Sarah procurou ver como é que isso afectava a expansão das repetições CAG. A equipa teve como alvo os genes MSH2 e MSH3. A diminuição destes (e de outros) reduziu o nível de expansão somática.

Em células estaminais manipuladas para se tornarem células cerebrais, a redução de um gene específico de reparação do ADN chamado MLH1 reduziu a expansão somática em 78% - uau! A investigadora está também a explorar outros alvos, incluindo um gene chamado MSH3, a que chama “um alvo terapêutico ideal”. O seu trabalho destaca duas proteínas de reparação chamadas MLH1 e PMS1 como alvos potencialmente interessantes para os medicamentos. Trabalhar em alvos além do complexo MutSꞵ poderia ser realmente útil para aumentar nossas chances de encontrar medicamentos que funcionem.

No entanto, Sarah reitera que a MSH3 é o seu alvo favorito para medicamentos, uma vez que a sua eliminação parece abrandar a expansão das repetições CAG. Além disso, a depleção desta proteína não parece ter demasiados efeitos secundários negativos, pelo menos em modelos. O laboratório de Sarah utiliza ASOs para baixar os níveis de MSH3, o mesmo tipo de medicamento que algumas empresas (como a Roche) estão a utilizar para baixar a huntingtina. Quando os níveis de MSH3 foram reduzidos, a expansão somática abrandou. Quando removeram completamente o MSH3, as repetições CAG ficaram mais pequenas. Isto não afectou outras proteínas de reparação do ADN, o que é uma notícia positiva para a descoberta de medicamentos para o MSH3.

Quase todo este trabalho foi feito em células nervosas num prato, criadas a partir de uma amostra de sangue generosamente doada por um doente jovem que a Sarah estava a tratar antes de falecer. Estas descobertas e muitas outras no domínio da instabilidade somática teriam sido impossíveis sem a dedicação das famílias DH e a sua vontade de participar na investigação. A equipa de Sarah está a continuar este trabalho num modelo de ratinho para ver como os seus ASOs MSH3 se comportam num sistema mais complexo. Esteja atento a este espaço!

Ricardo Mouro Pinto: explorando os genes de reparação do ADN como potenciais alvos

Ricardo Mouro Pinto trabalha no Massachusetts General Hospital & Harvard Medical School. A sua equipa também estuda a expansão somática. Os doentes com maior instabilidade somática começam a ter sintomas de DH mais cedo. Os genes que influenciam o aparecimento dos sintomas são conhecidos como modificadores genéticos. Ricardo e outros estão a testar a teoria de que a alteração dos níveis destes modificadores pode atrasar ou parar o aparecimento da DH.

Ricardo está a utilizar o CRISPR para alterar os níveis destes modificadores em ratinhos que são modelos da DH. Ele já analisou 60 genes diferentes em ratinhos - é muito trabalho! O que todo esse trabalho descobriu é que os genes de reparação do ADN têm um grande efeito no comprimento das repetições CAG. Isto confirma o que muitos outros investigadores já descobriram. Sempre que os resultados são replicados em vários laboratórios em todo o mundo, isso reforça a confiança da área nesses dados.

Maren Thomsen, da Proteros Biostructures, utiliza uma analogia com uma bicicleta para falar sobre como parar a reparação defeituosa do ADN de diferentes formas para influenciar a idade de início da DH
Maren Thomsen, da Proteros Biostructures, utiliza uma analogia com uma bicicleta para falar sobre como parar a reparação defeituosa do ADN de diferentes formas para influenciar a idade de início da DH
Autoria da imagem: Ed Wild

Passou depois para células humanas cultivadas num prato para confirmar os seus próprios dados e os de outros. Descobriram que a redução do MSH3 diminui a taxa de expansão e a redução do FAN1 aumenta-a. Descobriram também que a redução dos níveis de MLH3 e PMS1 pára as expansões. Ricardo está também a trabalhar para verificar estes alvos modificadores noutras doenças. A DH não é a única doença afetada pela expansão somática. Por isso, está a analisar os alvos que identificou na DH em ratinhos que modelam outras doenças, como a Ataxia de Frederich.

Ter como alvo a mesma proteína que está envolvida em várias doenças não só beneficia mais pessoas, como também pode acelerar o recrutamento em ensaios e o desenvolvimento de medicamentos. Mas antes que nos precipitemos, estes alvos têm de ser mais testados para garantir que estão a ter o efeito que pretendemos! Um aspeto que os investigadores têm de ter em conta é que os genes de reparação do ADN também estão envolvidos no cancro. Ricardo está a ter isso em conta e a escolher potenciais alvos de medicamentos com as menores probabilidades de provocar cancro nas pessoas.

Um alvo em que a equipa de Ricardo está particularmente interessada chama-se MLH3. Fizeram alguns estudos detalhados para ver exatamente que parte do gene MLH3 é responsável pela expansão somática na DH. Saber exatamente qual é a parte do gene responsável por influenciar o comprimento da repetição CAG permite aos investigadores saber qual é o ponto que têm de atacar se conceberem um medicamento contra o MLH3.

Utilizando técnicas genéticas fixes, Ricardo consegue criar células que produzem uma versão do MLH3 que exclui a parte do código que leva à expansão das repetições CAG. Quando fez isto, conseguiu suprimir as expansões CAG. Atualmente, está a trabalhar no sentido de utilizar o CRISPR para alterar uma única letra na sequência do MLH3. Trata-se de uma abordagem precisa que impedirá o MLH3 de aumentar o número de CAG, deixando em paz o resto das funções do MLH3.

Isto é importante porque as proteínas nas células têm muitas funções diferentes. Visar uma única função reduz as hipóteses de ter consequências indesejadas. Algo que é fundamental para a conceção de medicamentos! Os próximos passos de Ricardo são utilizar as suas novas abordagens CRISPR para alterar o MLH3 em ratinhos e células humanas num prato. Para isso, Ricardo recebeu recentemente uma bolsa de $1.000.000 da Hereditary Disease Foundation!

Karen Usdin: expansão somática noutras doenças

Karen Usdin, do National Institutes of Health, falou sobre o trabalho da sua equipa que analisa a expansão somática em diferentes tipos de doenças causadas por repetições de ADN, para além da DH. Existem muitas doenças causadas por sequências repetitivas de ADN. A equipa de Karen centra-se principalmente numa dessas doenças, chamada X Frágil, que é causada por uma repetição de CGG. No entanto, ela está agora a começar a concentrar-se também na DH. Wuuhuu!

O X Frágil também tem uma expansão somática controlada por genes de reparação do ADN. Karen utilizou ratinhos que modelam o X Frágil para identificar quais os genes de reparação do ADN que são importantes para este processo no X Frágil. Karen focou-se em partes da maquinaria de reparação do ADN chamadas complexos MutL.

O seu laboratório eliminou uma peça do complexo MutL, chamada PMS2. A redução dos níveis de PMS2 impediu a expansão de repetições em células humanas e em ratinhos com outras doenças genéticas. Encontrou resultados semelhantes com outra parte do complexo MutL, chamada PMS1. A redução dos níveis de PMS1 reduziu as expansões no X Frágil. Combinado com os dados de outras doenças, isto sugere que o PMS1 desempenha um papel na expansão das doenças de repetição.

Agora, Karen está a chegar à parte boa - o seu trabalho na DH! Criou um modelo de ratinho que tinha genes para a DH e para o X Frágil. Com este ratinho, conseguiu analisar a expansão de repetições em ambos os genes ao mesmo tempo. Ela queria saber se a expansão de um gene afectava a expansão do outro gene. Em termos simples - não. As expansões do gene da DH não influenciaram o gene do X Frágil e vice-versa.

A investigadora sugere que as expansões dependem do equilíbrio entre os diferentes tipos de maquinaria de reparação do ADN nas diferentes células. Algumas das ideias que está a apresentar são puramente teóricas, mas convidou outros cientistas a conversarem sobre o assunto enquanto tomam uma bebida! Conferências como esta são um local fantástico para trocar ideias.

Regenta Therapeutics: medicamentos orais que visam a reparação do ADN

A última palestra do dia foi proferida por Travis Wager da Rgenta Therapeutics. Travis falou-nos dos medicamentos que a sua equipa está a desenvolver e que podem ser tomados por via oral para atingir o modificador PMS1, com o objetivo de abrandar a expansão somática em ensaios clínicos em humanos.

A Rgenta passou os últimos 4 anos a pensar em como pode ir atrás de alvos que, tradicionalmente, eram considerados “não medicamentáveis”. Outros tentaram, no passado, atingir genes que controlam a expansão somática, como o PMS1 e o MSH3, sem sucesso. Os medicamentos da Rgenta actuam como colas que criam uma ligação mais forte entre as mensagens de ARN causadoras de doenças e as proteínas que a elas se ligam, de modo a alterar a forma como as proteínas são produzidas ou a eliminar uma mensagem ou proteína defeituosa.

Travis destacou as várias doenças que estão a tentar combater com os seus medicamentos contra genes que controlam a expansão somática. Isto inclui a DH, a distrofia miotónica, o X frágil e a ataxia de Fredreich: todas doenças de expansão de repetições. O interesse da Rgenta na DH é impulsionado pela disponibilidade de enormes quantidades de dados, tanto de humanos como de animais, um testemunho da colaboração e dedicação dos cientistas e das famílias DH. O domínio da DH atrai muitas empresas por esta razão.

A Rgenta tem como alvo a PMS1, porque níveis mais elevados de PMS1 nas pessoas estão associados a um início mais precoce dos sintomas da DH. Utilizando ratos, demonstraram que a alteração dos níveis de PMS1 parece ser segura e não está associada ao cancro. A Rgenta testou milhares de químicos diferentes, conhecidos por alterarem os níveis de ARN, e depois mediu quais eram os melhores para alterar os níveis de PMS1, o seu alvo. Que fixe!

A molécula do medicamento que tem como alvo a PMS1 é algo chamado “modulador de splice”. Funciona alterando a molécula da mensagem do PMS1, o que resulta em níveis mais baixos da proteína PMS1. Os investigadores demonstraram que o medicamento funciona em vários modelos celulares e animais diferentes. Em seguida, testaram o medicamento que tem como alvo a PMS1 em células da DH cultivadas num prato. Em teoria, a redução da PMS1 deveria reduzir a expansão somática. E foi exatamente isso que descobriram! Reduzir a PMS1 em cerca de 90% fez parar a expansão somática.

O composto da Rgenta também parece reduzir apenas os níveis de PMS1 sem afetar outras proteínas. Também partilharam dados que sugerem que o composto funciona bem em modelos animais e tem uma boa penetração no cérebro. Neste momento, a Rgenta só tem dados que mostram que a redução da PMS1 reduz a expansão somática nas células da DH num prato. Mas a empresa está a avançar com esta abordagem, planeando testar o seu medicamento noutros modelos de DH. No entanto, esta é uma notícia entusiasmante, pois significa que há outro medicamento promissor na calha que poderá um dia chegar à clínica se os estudos em animais continuarem a ser bons.

Estamos muito contentes por terminar o Dia 1 depois de termos relatado tantas coisas fixes que estão a acontecer nos laboratórios de universidades e empresas de todo o mundo! Fiquem atentos ao Dia 2, que está a chegar!

Leora Fox trabalha para a Huntington's Disease Society of America, que tem relações com muitas das empresas mencionadas neste artigo. Sarah Hernandez é funcionária da Hereditary Disease Foundation, que forneceu ou está a fornecer financiamento a vários investigadores mencionados neste artigo. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...



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