Conferência de Terapêuticas da Doença de Huntington 2024 - Dia 2
Escrito por Dr Leora Fox, Dr Sarah Hernandez, eDr Rachel Harding 25 de Março de 2024 Editado por Dr Rachel Harding, Dr Sarah Hernandez, eDr Leora Fox Traduzido por Madalena Esteves Publicado originalmente a 06 de Março de 2024
O HDBuzz está de volta para o segundo dia da Conferência de Terapêuticas para a DH da CHDI: Quarta-feira, 28 de fevereiro, em Palm Springs, Califórnia. Este artigo resume as nossas actualizações em tempo real da conferência numa linguagem acessível à comunidade.
É uma doença do cérebro
A sessão desta manhã intitula-se “É uma doença do cérebro” e irá apresentar palestras sobre CÉREBROOOOOS! Os cientistas da DH são um pouco como os zombies - adoram cérebros! Os moderadores da sessão colocaram grandes questões à audiência, tais como: porque é que a DH afecta o cérebro? Porque é que afecta certas células do cérebro? E porque é que a DH afecta as pessoas no momento da sua vida em que o faz. As palestras destas sessões tentaram abordar estas questões a partir de uma variedade de ângulos diferentes.
Christopher Walsh: “Assinaturas” de ADN das células cerebrais no envelhecimento e na doença
O primeiro orador do dia foi o Dr. Christopher Walsh, do Boston Children’s Hospital & Harvard Medical School, que nos falou sobre a expansão somática no cérebro. Mencionámos que a expansão somática tem sido um tema quente na DH nos últimos tempos, e muitas das palestras na CHDI provaram que isso era verdade! A expansão somática é o aumento do número de CAG nalguns tipos de células ao longo da vida de uma pessoa. Parece haver uma ligação entre a quantidade de expansão somática e a progressão da doença. Muitos cientistas estão a investigar esta questão para compreender como e porque é que isto acontece e também como podemos tratá-la.
A equipa de Chris analisa cérebros humanos, generosamente doados por pessoas à ciência. Examinam células individuais nesses cérebros e tentam identificar alterações de uma única letra no código de ADN que estejam ligadas à instabilidade somática.
Ao longo da sua vida, as células acumulam alterações no seu código de ADN, formando “assinaturas” que os cientistas podem utilizar para classificar essas células. Diferentes doenças e tipos de células têm diferentes “assinaturas” de ADN, que os investigadores podem encontrar e classificar. Nas células nervosas, estas alterações nas assinaturas de ADN ocorrem com a idade. Chris diz que isto é um pouco como um “relógio” molecular que dá uma ideia do grau de envelhecimento de uma pessoa.
Acontece que a maioria destas alterações na assinatura do ADN estão a ocorrer em genes que são mais importantes para as células nervosas. Também parece que estas alterações são bastante exclusivas dos neurónios em relação a outros tipos de células cerebrais. O que é fixe nestas assinaturas é o facto de darem aos cientistas pistas sobre o nascimento das células cerebrais e sobre as células estaminais comuns que deram origem a células nervosas com diferentes assinaturas de ADN. Isto ajuda-nos a compreender como se forma o cérebro e como este se altera ao longo da vida.
Os membros da equipa de Chris também estão a utilizar este sistema de rastreio para analisar a forma como o cérebro muda em doenças como a doença de Alzheimer e outras perturbações neurológicas, e como esta trajetória difere da dos cérebros saudáveis. Por exemplo, conseguiram utilizar o relógio molecular para descobrir que as células cerebrais de algumas pessoas com Alzheimer tinham alterações no ADN equivalentes a cerca de 10 anos adicionais de idade em comparação com pessoas sem Alzheimer.
Embora a maior parte desta palestra se tenha centrado em descobertas noutras doenças, os métodos que este laboratório desenvolveu podem ser uma mais-valia para a comunidade da DH, uma vez que os cientistas continuam a procurar a reparação do ADN para a terapêutica da DH, e a tentar compreender como a DH altera o cérebro.
Mark Bevan: atividade eléctrica no cérebro da DH
«O orador principal David Altshuler terminou com uma forte mensagem de esperança: “Eu sei que este grupo vai encontrar uma cura para a doença de Huntington. Não sei quando, mas sei que vão encontrar”. »
A seguir, Mark Bevan da Northwestern University. A equipa de Mark estuda ratinhos com DH para compreender como é que os seus cérebros são afectados pela mutação da DH, especialmente uma área chamada STN, que se pensa suprimir os movimentos. Mark recapitulou um pouco do que sabemos sobre a expansão da repetição CAG: que pode desempenhar um papel na doença das células cerebrais e que as repetições longas desencadeiam ainda mais expansão. Os ratinhos com DH com repetições CAG muito longas têm sinais mensuráveis de DH - movem-se e comportam-se de forma diferente.
O laboratório de Mark mede a atividade eléctrica entre neurónios para compreender a atividade de diferentes tipos de células à medida que os ratos se movimentam. Estas técnicas envolvem a implantação de um elétrodo no cérebro. Com esta técnica, conseguem perceber em pormenor quais as células que estão a disparar nos ratinhos com DH e nos ratinhos sem DH, para perceber exatamente o que está a funcionar e o que está a correr mal. Isto está a ajudá-los a compreender porque é que os ratinhos com DH têm sintomas de movimento.
De facto, utilizando um truque genético especial, conseguiram fazer com que os ratos sem DH se movessem como os ratos com DH, estimulando padrões semelhantes de disparo de células cerebrais. O desafio é fazer o inverso: fazer com que os ratinhos com DH se movam como os ratinhos que não são modelos de DH.
Outra descoberta interessante é que as técnicas de redução da huntingtina ajudam a restaurar a atividade cerebral normal em algumas células, mas não noutras. Também ajudam a aliviar os sintomas de movimento que a equipa de Mark observa nos ratinhos com DH.
O trabalho de Mark centra-se em regiões do cérebro que normalmente não são consideradas como alvos principais para os medicamentos, porque são afectadas mais tarde, ou menos, na DH. Ele recorda-nos que as terapias terão de atingir áreas alargadas do cérebro. Como electrofisiologista (um cientista que estuda a atividade eléctrica do cérebro), Mark pede à audiência que considere que as alterações na atividade eléctrica podem ter um papel na lesão dos neurónios. É uma chamada de atenção para o facto de uma grande variedade de técnicas nos dar uma imagem mais clara das alterações no cérebro da DH.
Osama Al-Dalahmah: como a DH afecta os astrócitos
Osama Al-Dalahmah é um neuropatologista que trabalha no Centro Médico Irving da Universidade de Columbia. Ele partilhou o seu trabalho sobre a forma como as diferentes células e regiões do cérebro são afectadas na DH. Existem mais de 100 tipos diferentes de células no cérebro! Osama está interessado num tipo de célula chamado astrócito - uma célula em forma de estrela que ajuda a manter a saúde e a função dos neurónios.
Osama e a sua equipa analisaram cérebros que tinham sido generosamente doados por pessoas com e sem DH que tinham falecido. Este ano, foram recolhidos tantos dados de tecidos humanos! Isto realça a colaboração entre os investigadores e a comunidade da DH. Também nos aproxima mais da compreensão da DH na única espécie que nos interessa - as pessoas!
Analisaram quais os genes que tinham sido activados e desactivados em diferentes partes de cada cérebro. Também investigaram o que estava a acontecer ao nível das células individuais. Munidos de todos estes dados, puderam ver quais os genes que podem acompanhar o aumento do número de CAG e outros factores.
Os astrócitos em forma de estrela têm genes activados que sugerem que estão a responder ao stress, o que sabemos que acontece quando as células cerebrais ficam doentes. De facto, a equipa de Osama descobriu que quanto mais células cerebrais doentes existem, mais os astrócitos tentam fazer com que as coisas melhorem novamente. Como os astrócitos trabalham para manter os neurónios saudáveis, compreender melhor a forma como a DH os afecta pode ajudar-nos a perceber como melhorar a saúde de todo o cérebro.
Osama está a tentar identificar moléculas que possam melhorar a saúde tanto dos astrócitos como dos neurónios. Está na fase inicial, mas parece que a sua equipa encontrou uma molécula que parece proteger os neurónios da DH num prato!
Matthew Baffuto: compreender a expansão do CAG através de decorações no ADN
De seguida, Matthew Baffuto, da Universidade Rockefeller, falou sobre o seu trabalho de compreensão das alterações do número de CAG em diferentes tipos de células cerebrais. Uma parte desta análise está a analisar uma área da biologia chamada epigenética. Essencialmente, existem decorações herdadas no código genético que facilitam ou dificultam a transformação de um gene numa mensagem ou proteína.
A investigação de Matthew utiliza um método especial para separar diferentes tipos de células cerebrais, de modo a poderem analisar cada tipo com muito pormenor e ver que alterações moleculares estão a ocorrer com a doença. Como já deve ter percebido, houve um monte de palestras que utilizam tecnologias de ponta para realmente ir ao pormenor do que cada célula está a fazer na DH. Este é um excelente exemplo de como a investigação da DH beneficia dos desenvolvimentos tecnológicos noutros campos.
Uma das coisas que Matthew queria descobrir era que tipos de células têm um aumento de repetições CAG devido à expansão somática. Para isso, analisou os marcadores epigenéticos decorativos em genes conhecidos por controlar este fenómeno, como o MSH3 e o FAN1, que podem soar familiares. As diferentes marcas decorativas permitirão a Matthew saber se os níveis de MSH3, FAN1 e outros genes de reparação do ADN são susceptíveis de ser mais elevados ou mais baixos nos tipos de células com expansão somática. Esta é uma forma de examinar a causa do alongamento das repetições CAG.
No geral, as células que ficam mais doentes na DH têm um conjunto diferente de marcas decorativas no ADN do que as células que são menos afectadas. Muitas destas diferenças de marcas decorativas ocorrem em genes que sabemos que são importantes na DH.
Matthew salientou que as alterações nestas marcas decorativas não são responsáveis por todas as alterações da DH nas células. No entanto, o seu trabalho mostra como a epigenética pode ser utilizada para compreender como a DH afecta alguns factores da doença, como a expansão somática. Precisamos de muitas abordagens diferentes para explicar tudo o que está a acontecer de errado na célula!
Bob Handsaker - que células ganham CAGs e porquê?
A última palestra da manhã foi proferida por Bob Handsaker, que trabalha na Harvard Medical School e no Broad Institute. Estuda as repetições CAG muito longas causadas pela expansão somática no cérebro. Começou por recapitular o trabalho de Peggy Shelbourne e Vanessa Wheeler, que foram dos primeiros investigadores a detalhar que podem ocorrer expansões maciças em algumas células do cérebro - até 1000 CAG nalguns casos!
O que muitos investigadores estão a tentar descobrir é se a expansão somática é a principal causa da progressão da DH ou se está envolvida de outra forma. A equipa do Bob utiliza um tipo sofisticado de sequenciação de ADN, o que significa que consegue medir números CAG até 1000 CAGs. Impressionante! Bob e os seus colegas investigadores verificam que a expansão somática só acontece em tipos de células que ficam doentes na DH. Esta é uma explicação para a vulnerabilidade de certas células, mas é um pouco diferente do que outros investigadores viram.
O Bob mostra-nos um modelo de como um trato de repetições CAG pode mudar de ~42 repetições para 100 repetições e depois aumenta a um ritmo mais rápido à medida que a pessoa envelhece. Nas células com menos de ~150 CAGs, a equipa do Bob vê muito poucas alterações nos genes que são activados ou desactivados. Na sua análise, as alterações generalizadas só parecem ocorrer quando as repetições se tornam muito grandes.
Também analisaram a velocidade a que as células ganham repetições CAG - são necessárias décadas para atingir uma expansão rápida. Por volta dos 80 CAGs, parece que as células começam a ganhar mais CAGs rapidamente, na ordem dos anos. E quando atingem 150 CAGs, as células ganham CAGs numa questão de meses. Na fase rápida, com mais de 150 CAGs, as células tornam-se desreguladas. Os genes que deveriam estar desligados são activados e outros que deveriam estar ligados são desligados. Bob pensa que isto leva à toxicidade e, eventualmente, à morte dos neurónios que sofrem esta rápida expansão de CAGs.
Bob e a sua equipa estão a utilizar o seu modelo para tentar mapear a trajetória da DH: quantas células cerebrais se perdem quando começam a surgir diferentes sintomas? Esta é uma nova forma de olhar para a DH e para a forma como a doença progride, possibilitada por novas tecnologias. O investigador partilhou dados de outra área chamada córtex (a parte exterior e enrugada do cérebro). Nestas células, eles viram uma mudança semelhante em duas fases no número de CAG - lenta e depois muito mais rápida. Isto sugere que o processo ocorre em todas as regiões do cérebro. Também parece que a expansão somática pode estar ligada a aglomerados tóxicos da proteína huntingtina. As células que têm CAGs muito longos são também as que apresentam aglomerados.
Depois de tantas palestras fascinantes sobre a expansão somática, estão a surgir algumas ideias contrastantes no espaço de investigação. Alguns cientistas acreditam que a expansão das repetições CAG é o principal fator de vulnerabilidade celular no estriado. Outros acreditam que a expansão CAG desencadeia um processo que leva à toxicidade, mas não é necessariamente o principal fator.
Embora o Bob, o Matthew e outras pessoas tenham ideias diferentes sobre o que está a acontecer com a instabilidade somática e a progressão da DH, isto não é necessariamente uma má notícia para a comunidade de investigação da DH. De facto, isto está sempre a acontecer na ciência! As pessoas têm descobertas diferentes e discutem-nas com uma camaradagem genuína nas reuniões. Os investigadores podem pesar os pontos fortes e as limitações de cada dado para descobrir quem pode ter razão. A esta palestra seguiu-se uma entusiástica sessão de perguntas e respostas!
David Altshuler - aprender com a abordagem Vertex à descoberta de medicamentos
Na tarde de quarta-feira, houve uma sessão de posters em que mais de 100 cientistas tiveram a oportunidade de apresentar os seus trabalhos uns aos outros, seguida de uma apresentação de David Altshuler, Diretor Científico da Vertex Pharmaceuticals. Trata-se de um investigador e executivo farmacêutico experiente que falou sobre o seu trabalho no desenvolvimento de medicamentos para várias doenças.
David partilhou a cronologia das descobertas na investigação sobre a DH, mencionando o caminho que percorremos desde os anos 80, quando alguns investigadores pensavam que podíamos aprender tudo o que precisávamos de saber com ratinhos. O progresso lento não é exclusivo da DH, é apenas muito difícil fazer bons medicamentos para doenças humanas! Apesar dos enormes avanços, ainda há muito que não sabemos sobre a saúde e a doença humana.
Criar novos medicamentos é também muito dispendioso e muitos medicamentos falham durante os ensaios clínicos, o que custa tempo e dinheiro às empresas e aos governos, deixando os doentes à espera sem tratamentos eficazes. 75% dos novos medicamentos falham e, em média, são necessários mais de 12 anos para criar um medicamento. Dito isto, David salientou que é encorajador o facto de termos atualmente muitas tecnologias diferentes disponíveis para o desenvolvimento de medicamentos. Vemos isso no campo da DH com moduladores de splicing, ASOs, terapias genéticas e outros tipos de medicamentos que estão a ser testados na clínica - a maioria destas tecnologias são bastante recentes.
Como exemplo de como a descoberta de medicamentos pode ser bem sucedida, refere os esforços da Vertex no domínio da Fibrose Quística. Os factores que os levaram a ter vários medicamentos eficazes são muitos dos que já temos no campo da DH - centros de cuidados, estudos de história natural e agências de financiamento que se concentram em fazer avançar a investigação. Citou que, após 25 anos de trabalho da Vertex na Fibrose Quística, têm agora vários medicamentos, vários dos quais foram desenvolvidos em apenas 3 anos e podem ser utilizados em doentes com apenas 1 mês de idade.
Um aspeto importante referido por David é que as terapias genéticas não devem ser o objetivo final. Estas terapias caras e inacessíveis não servem as populações globais de doentes. A Vertex está empenhada em modalidades de medicamentos que possam tratar muito mais pessoas, como um comprimido.
David terminou com uma forte mensagem de esperança, dizendo: “Eu sei que este grupo vai encontrar uma cura para a doença de Huntington. Não sei quando, mas sei que vão encontrar”.
É tudo para o Dia 2! Fique atento às actualizações da investigação do último dia da Conferência de Terapêuticas para a DH da CHDI 2024.