A versão do realizador: como as repetições de CAG alteram a edição das mensagens genéticas.
Cientistas em Massachusetts avançaram a nossa compreensão de como sequências repetitivas no ADN podem perturbar a criação e edição de moléculas mensageiras genéticas nas células, e como isso pode levar à produção de proteínas prejudiciais.
Escrito por Lucy Coupland 28 de Março de 2024 Editado por Dr Rachel Harding Traduzido por Madalena Esteves Publicado originalmente a 26 de Março de 2024
Sequências longas e repetitivas de letras C-A-G no código de ADN estão associadas a pelo menos 12 doenças genéticas, incluindo a doença de Huntington (DH). Um grupo de cientistas em Massachusetts, EUA, desenvolveu recentemente uma nova estratégia genética para estudar como as repetições de CAG podem levar à produção de proteínas prejudiciais nas células, levando a que estas se tornem pouco saudáveis. Os seus resultados mostraram que as repetições expandidas de CAG podem interferir com um processo chamado ‘splicing’, que fragmenta e organiza as moléculas de mensagem genética antes de estas serem convertidas em proteínas.
Repetição CAG
O nosso ADN é um código genético que contém instruções para produzir milhares de proteínas diferentes, as máquinas moleculares que operam nas nossas células. Este código é composto por quatro blocos de construção ou 'bases’: C, A, G e T. O ADN está organizado como uma escada torcida com duas cadeias de ADN ligadas numa hélice, cada uma composta por uma sequência de bases. As bases numa cadeia de ADN emparelham com as bases na cadeia oposta de ADN para formar os ‘degraus’ da escada.
A DH é conhecida como uma ‘doença de expansão de repetições de CAG’. Todos temos uma sequência repetitiva de letras de ADN C-A-G no seu gene da huntingtina, mas as pessoas que desenvolvem DH têm mais de 36 repetições C-A-G. O número de repetições de CAG pode aumentar ao longo do tempo, chamado de expansão de repetições, e isto parece acontecer principalmente em células que ficam mais doentes na DH, como as células cerebrais.
Se conseguirmos entender exatamente como uma repetição de CAG mais longa por si só torna as células doentes, talvez possamos manter as células cerebrais saudáveis e atrasar o aparecimento dos sintomas da DH. Existem também outras doenças causadas por expansões em repetições de CAG, incluindo ataxias espinocerebelares e distrofias miotónicas. Tentar encontrar semelhanças entre o que acontece nas células afetadas por estas outras doenças pode ajudar-nos a aprender mais sobre o que se passa na DH.
Cortar cenas no guião genético
Quando uma célula pretende produzir uma proteína codificada por um determinado gene, as duas cadeias de ADN desenrolam-se e separam-se uma da outra. A maquinaria celular lê então o código de bases de ADN aberto e faz uma cópia dele, chamada molécula de mensagem de ARN, é como tirar uma cópia de uma receita de um livro de culinária.
No entanto, antes que quaisquer moléculas de mensagem de ARN sejam lidas pela próxima série de maquinaria celular para produzir a proteína correspondente, um processo essencial precisa de ocorrer. Semelhante à edição de cenas desnecessárias de um filme para criar uma versão final polida, este processo envolve a edição da mensagem de ARN para remover todas as partes desnecessárias do código genético copiado do ADN que na realidade não são necessárias para produzir uma proteína. O processo de passar da mensagem de ARN não editada para uma mensagem mais curta e concisa chama-se ‘splicing’. Durante o splicing, as secções não essenciais da mensagem não editada são cortadas e as secções importantes que permanecem são coladas juntas para produzir o que é conhecido como ARN 'maduro’. Este produto final de ARN maduro contém apenas as instruções necessárias que a célula precisa para produzir proteínas.
Repetições CAG expandidas podem causar reviravoltas genéticas
Nas doenças causadas pela expansão de CAGs, a repetição de CAG no ADN é copiada para a mensagem de ARN, o que pode resultar na produção de proteínas anormais. No caso da DH, é produzida uma versão extra-longa da proteína huntingtina. Um grupo de cientistas liderado pelo Dr. Jain em Cambridge, Massachusetts, anteriormente descobriu que as mensagens de RNA contendo repetições, juntamente com as proteínas produzidas a partir delas, combinam-se para formar aglomerados tóxicos nas células, que podem causar danos graves.
Para descobrir exatamente como as repetições de CAG mais longas causam a produção de ARN e proteínas prejudiciais, Rachel Anderson e colegas dentro da equipa de Jain desenvolveram recentemente um novo método inteligente para analisar detalhadamente a mensagem genética precisa em moléculas de ARN contendo grandes repetições de CAG. Curiosamente, descobriram que as repetições de CAG no ARN causam erros durante o splicing dessa molécula de mensagem de ARN. As repetições expandidas de CAG no ARN fazem com que outras secções da molécula de mensagem, por vezes distantes da própria repetição de CAG, sejam cortadas e coladas para dentro ou ao lado da repetição durante o splicing.
Aqui, a repetição expandida de CAG pode atuar como os créditos iniciais de um filme, nos quais as últimas cenas do filme são inseridas erroneamente fora de ordem. Quando isso acontece, a trama do filme deixa de fazer sentido. Da mesma forma, a mensagem final de ARN não faz muito sentido quando outras secções de informação genética são inseridas na repetição de CAG durante o splicing. Isto leva à criação de muitos RNAs maduros contendo repetições com sequências inesperadas.
Os investigadores descobriram que quanto maior a repetição de CAG na mensagem de ARN, mais eventos de splicing defeituoso ocorriam. Isto é interessante, pois o número de CAG na DH está relacionado com a idade em que os sintomas começam e com a velocidade de progressão. Os investigadores demonstraram que, quando interromperam todos os eventos de splicing nas células usando um químico, as mensagens de ARN contendo repetições não formaram aglomerados nas células e, portanto, não causaram toxicidade celular.
Erros na produção de proteína
Até agora, estes resultados explicam como as repetições expandidas de CAG levam à formação de mensagens de ARN maduras anormais e com slicing incorreto, mas o que acontece quando estas mensagens são lidas para produzir proteínas? Quaisquer ARNs maduros prontos para serem lidos pela maquinaria celular para produzir uma proteína contêm um sinal de “início”, como um semáforo verde. Os investigadores descobriram que por vezes, quando os ARNs contendo repetições são sofrem splicings incorretos, são encontrados mais destes sinais de início antes da repetição, o que faz com que muitas mais proteínas diferentes sejam produzidas a partir de uma única mensagem de ARN do que o normal. Os investigadores modificaram estes sinais de início nos ARNs contendo repetições de CAG para os desativar e descobriram que isso impediu a produção de proteínas anormais.
Os investigadores também estudaram as mensagens de ARN contendo CAGs copiadas de genes associados a doenças de expansão de repetições de CAG, incluindo a ataxia espinocerebelar e a distrofia miotónica. Os investigadores demonstraram que os CAGs expandidos copiados destes genes também causaram splicings anormais na repetição, que novamente continha mais sinais de início de leitura de proteínas, o que pode resultar na produção de mais proteínas anormais.
O que é que isto significa para doenças de expansão de CAGs?
Compreender como processos importantes nas células são afetados por repetições longas de CAG pode ajudar os investigadores a perceber exatamente como as células se adoecem nas doenças de expansão de repetições de CAG e apontar quais os processos que podem ser alvo de terapêuticas. Os resultados deste estudo acrescentam mais uma peça ao quebra-cabeça do que acontece nas células, sugerindo que as repetições expandidas de CAG no ARN interferem com o splicing, o que pode levar à produção de proteínas prejudiciais.
É importante notar que estas experiências foram realizadas em tipos de células, como as células renais, que são fáceis de cultivar e gerir no laboratório, mas não são as mais afetadas pela DH. Portanto, estas células podem não refletir com precisão o que causa a doença nas células na DH. É necessário muito mais trabalho para examinar como as repetições expandidas alteram o splicing do ARN e a produção de proteínas em modelos celulares e animais de DH. No entanto, o splicing pode ser uma via potencialmente entusiamante para os investigadores seguirem, no sentido de desenvolver medicamentos para a DH e outras doenças de expansão de repetições.