Quantos são demasiados? Explorando o limiar tóxico de CAG no cérebro da doença de Huntington
Um novo trabalho de investigadores de Londres utiliza ratinhos para determinar o número de repetições CAG necessárias para causar os sintomas da doença de Huntington. O seu trabalho aponta para um limiar de menos de 185 CAGs.
Escrito por Dr Chris Kay 06 de Maio de 2024 Editado por Dr Sarah Hernandez Traduzido por Madalena Esteves Publicado originalmente a 21 de Abril de 2024
Os caçadores de medicamentos têm estado particularmente interessados nas letras C-A-G repetidas do código genético que conduzem à doença de Huntington (DH). O número de repetições CAG aumenta nas células cerebrais vulneráveis ao longo do tempo e pode ser a chave para abrandar ou parar a DH. Muitos cientistas têm-se perguntado o que acontece aos sintomas da DH se pararmos esta expansão. Um trabalho recente de um grupo em Londres, liderado pela Dra. Gill Bates, examinou exatamente isso, procurando definir o limiar de repetições CAG necessário para causar a doença. Vamos discutir o que a sua equipa descobriu!
Somos todos uma sopa de letras
O código genético de todos os organismos vivos é composto por apenas 4 letras - C, A, G e T. Estas são combinadas de diferentes formas para criar todos os genes do nosso corpo. É muita diversidade para apenas 4 letras!
Dentro do gene da huntingtina, que leva à DH, há um trecho de letras C-A-G que se repetem. As pessoas com DH nascem com 36 ou mais repetições CAG no gene da huntingtina. À medida que uma pessoa envelhece, sabemos que o número de repetições CAG pode mudar e oscilar nalgumas células, ficando maior com o tempo.
Esta expansão contínua do CAG é designada por “instabilidade somática”. Isto acontece especificamente nas células cerebrais danificadas pela DH. É importante notar que o tamanho das repetições CAG é relativamente estável no sangue. Assim, uma análise ao sangue que mostre 42 CAGs aos 18 anos de idade irá muito provavelmente continuar a mostrar 42 CAGs aos 50 anos. Mas as células cerebrais dessa pessoa podem ter mais de 100 repetições CAG, e algumas podem mesmo ter 200 repetições ou mais.
As expansões podem ser a chave
Alguns cientistas pensam que impedir o aumento das repetições CAG no cérebro pode ser a chave para travar completamente a DH. Mas ninguém sabe quantos CAGs são demasiados no cérebro, ou em que idade é que o aumento de CAGs começa a acontecer.
Vários estudos genéticos importantes efectuados nos últimos anos sugeriram que as repetições CAG mais longas podem ajudar a explicar porque é que as células cerebrais morrem na DH. Por exemplo, as pessoas que desenvolvem a DH mais cedo ou mais tarde do que o esperado têm alterações nos genes que afectam a instabilidade somática da repetição CAG na huntingtina. Estes genes são chamados “modificadores” - modificam a idade em que alguém começa a apresentar sintomas de DH.
«Alguns cientistas pensam que impedir o aumento das repetições CAG no cérebro pode ser a chave para travar completamente a DH. »
O que é interessante é que os genes modificadores participam maioritariamente no mesmo processo no corpo, chamado reparação de erros de emparelhamento, que é conhecido por afetar a instabilidade somática da repetição CAG. Muito suspeito! Isto sugere que a instabilidade somática da repetição CAG é muito importante na DH.
Uma vez que a instabilidade somática nas células cerebrais pode contribuir para a forma como estas células morrem, e uma vez que os genes de reparação de erros de emparelhamento têm impacto na instabilidade somática, os investigadores da DH estão agora muito interessados em medicamentos que tenham como alvo os genes de reparação de erros de emparelhamento. Talvez, ao visar o gene de reparação de erros de emparelhamento correto, possamos parar a instabilidade somática da repetição CAG em células cerebrais vulneráveis. A esperança é que um medicamento que faça isto possa abrandar ou parar a DH.
Um jogo de números
Acontece que podemos parar a instabilidade somática no cérebro! Pelo menos em ratinhos, por enquanto. Várias empresas farmacêuticas estão a desenvolver medicamentos para a DH que têm como alvo os genes de reparação de erros de emparelhamento e a instabilidade somática na DH (por exemplo, LoQus23, Rgenta e Voyager Pharmaceuticals).
Mas ninguém sabe realmente qual o comprimento que uma repetição CAG deve ter para danificar as células cerebrais, ou quão cedo pode ser necessário parar a instabilidade somática nas pessoas como um tratamento para a DH. Estudos recentes em ratinhos com DH tentaram ajudar a responder a estas questões, analisando o impacto de parar a instabilidade somática em ratinhos com DH com diferentes comprimentos de repetição CAG.
O que é útil nos ratinhos com DH é que eles nascem com muito mais repetições CAG do que as pessoas com DH - porque os investigadores da DH querem que os ratinhos desenvolvam os sintomas da DH muito mais rapidamente do que as pessoas. Por exemplo, um tipo de ratinho que modela a DH chamado “Q111” tem mais de 100 repetições CAG. Outro modelo de ratinho da DH chamado “Q175” tem cerca de 185 repetições CAG. Tanto os ratinhos Q111 como os Q175 apresentam sintomas de DH em menos de um ano.
Definindo o limiar
Os investigadores pensam que este limiar de cerca de 100 CAGs pode ser o número de repetições necessárias para matar as células cerebrais em pessoas com DH. Então, o que acontece se pararmos a instabilidade somática nestes ratinhos com DH? Os ratinhos melhoram? A resposta para os ratinhos nascidos com 185 repetições CAG, surpreendentemente, é não. Continuam a desenvolver DH, mesmo quando a instabilidade somática é travada.
Num estudo recentemente publicado pelo laboratório da Dra. Gill Bates, da University College London, os ratinhos Q175 com cerca de 185 repetições CAG foram alterados de modo a não terem o gene de reparação de erros de emparelhamento MSH3. O MSH3 é um alvo de alta prioridade para os caçadores de medicamentos para a DH, uma vez que a instabilidade somática pára completamente quando o MSH3 desaparece.
Como esperado, a instabilidade somática parou quase completamente nos cérebros dos ratinhos Q175 quando o MSH3 foi eliminado. Mas estes ratinhos continuaram a desenvolver características da DH, apesar de o MSH3 ter sido eliminado e de a instabilidade somática da repetição CAG ter sido interrompida.
«Assim, parar a instabilidade somática nas células cerebrais antes de estas atingirem as 100 repetições CAG pode ser necessário para que esta estratégia funcione nas pessoas. »
O que é que isto pode significar? Não deveria a interrupção da instabilidade somática impedir que os ratinhos desenvolvessem a DH? O grupo de Gill argumenta que os ratinhos que nascem com 185 repetições CAG já têm demasiadas repetições no cérebro, pelo que será provavelmente necessário parar as expansões abaixo de 185 CAG para tratar a DH nas pessoas.
Isto é semelhante às conclusões de um estudo anterior que eliminou o MSH3 em ratinhos Q111 que têm 100 repetições CAG, menos do que as 185 repetições CAG estudadas por Gill. Neste outro estudo, a Dra. Vanessa Wheeler mostrou que os ratinhos Q111 sem MSH3 não têm instabilidade somática e melhoraram os marcadores celulares da DH. Assim, parar a instabilidade somática nas células cerebrais antes de estas atingirem as 100 repetições CAG pode ser necessário para que esta estratégia funcione nas pessoas.
Quando é que devemos tratar a DH?
Isto leva à pergunta que muitas pessoas estão a fazer ultimamente: quando é que devemos tratar a DH? Quão cedo é que uma pessoa com DH precisa de ser tratada para impedir que as suas células cerebrais se expandam para além do limiar de 100 repetições CAG? Algumas células cerebrais parecem ter 100 repetições CAG antes de as pessoas começarem a apresentar sintomas mensuráveis da DH. Por isso, pode ser necessário tratar as pessoas mesmo antes de começarem a desenvolver sintomas.
Tratar as pessoas antes de elas desenvolverem sintomas de DH coloca muitas questões difíceis para as quais ainda ninguém tem resposta. No entanto, muitos cientistas brilhantes estão agora a analisar as repetições CAG diretamente nos cérebros de pessoas com DH para encontrar respostas. Estes conhecimentos, que detalham o limiar de toxicidade da repetição CAG, ajudarão os cientistas a conceber melhores medicamentos e os próximos ensaios clínicos a visar a instabilidade somática como uma potencial terapia para a DH.