Sarah HernandezRachel HardingEscrito por Dr Tamara Maiuri, Dr Sarah Hernandez, eDr Rachel Harding Editado por Dr Sarah Hernandez e Dr Rachel Harding Traduzido por Madalena Esteves

Bem-vindos ao segundo dia da conferência da Hereditary Disease Foundation (HDF)! A manhã foi passada a ouvir uma entrevista entre um neurologista e o seu doente que vive com DH. Todas as reuniões da HDF começam desta forma, para melhor ligar os cientistas às pessoas que mais importam, as que vivem com a DH.

Diferentes sabores de HTT

O primeiro a falar é Tony Reiner, que estuda a estrutura do cérebro e a forma como esta se altera na DH. Curiosamente, a DH não afecta todo o cérebro da mesma forma. Há certas partes que são mais vulneráveis - especificamente, uma região chamada estriado, que se encontra quase exatamente no centro do cérebro.

Investigadores da DH de todo o mundo reúnem-se de dois em dois anos em Boston, com vista para o rio Charles, para partilharem a sua investigação e aprenderem uns com os outros, de modo a podermos remar para mais perto de um tratamento para a DH.
Investigadores da DH de todo o mundo reúnem-se de dois em dois anos em Boston, com vista para o rio Charles, para partilharem a sua investigação e aprenderem uns com os outros, de modo a podermos remar para mais perto de um tratamento para a DH.
Autoria da imagem: Mary Jane Goode

As células que se encontram no estriado tendem a ficar doentes e a morrer na DH, fazendo com que esta parte do cérebro fique mais pequena à medida que a doença progride. A parte externa e enrugada do cérebro, chamada córtex, também encolhe na DH.

O gene que causa a DH produz uma proteína (huntingtina, HTT) que é bastante pegajosa e se aglomera no cérebro. O trabalho do Tony examina cérebros generosamente doados por famílias com DH para descobrir onde é que estes aglomerados pegajosos se encontram por todo o cérebro.

O laboratório de Tony estudou os cérebros doados para medir a perda de diferentes regiões do cérebro em diferentes fases da doença, para perguntar se as regiões mais vulneráveis são as que têm mais proteína HTT. Surpreendentemente, nem sempre é esse o caso.

De facto, certas células do cérebro que não são muito vulneráveis à DH produzem muito mais proteína HTT do que as células muito vulneráveis do estriado. Muito surpreendente!

Se não é a mera presença da proteína HTT, então o que é que faz com que as células do estriado sejam tão vulneráveis? Para responder a esta pergunta, Tony está a seguir meticulosamente as diferentes formas da proteína pegajosa HTT em todo o cérebro.

Tal como o chocolate pode ter diferentes formas (chocolate quente, barra, lascas), as proteínas também podem ter diferentes formas. Estas diferentes formas de proteínas podem desempenhar diferentes funções, boas ou más, talvez tornando tóxicas algumas formas da proteína HTT pegajosa.

Saber que forma da proteína se encontra em que áreas do cérebro ajudará os investigadores a compreender se certos tipos de HTT são mais tóxicos do que outros, o que poderá ajudar a compreender os pormenores de como a DH afecta o cérebro.

Nem tudo tem a ver com os neurónios

A seguir, Osama Al Dalahmah, que é outro patologista cerebral - alguém que estuda a estrutura e a função do cérebro. Ele vai falar-nos da sua investigação sobre uma célula em forma de estrela no cérebro chamada astrócito.

Os neurónios recebem muita atenção na DH - e com razão! Os neurónios são o tipo de célula que envia sinais eléctricos que nos ajudam a pensar, a mover e a sentir. E são o tipo de célula mais afetado pela DH. Mas os neurónios não são as únicas células que compõem o cérebro.

Os astrócitos ligam-se aos neurónios para ajudar a manter o ambiente do cérebro e a manter os neurónios felizes e saudáveis. Já escrevemos anteriormente sobre os astrócitos e o papel que desempenham na DH.

O grupo de Osama está a perguntar como é que os astrócitos nas pessoas com DH podem ser diferentes e se os astrócitos podem até ser protectores contra a doença! Utilizando amostras de cérebros doados e tecnologia de ponta, podem estudar diferenças mínimas em cada célula astrocitária numa amostra de cérebro.

Em particular, estão a procurar ver que genes são activados/desactivados nos astrócitos encontrados nos cérebros de pessoas com DH. Parece haver alguns padrões que constituem uma “assinatura molecular” dos astrócitos na DH. Curiosamente, parece que as células com algumas destas assinaturas moleculares estão de facto adaptadas para trabalhar para ajudar a proteger o cérebro durante a DH.

Osama compara os neurónios a estrelas de rock que são transportados pela multidão, neste caso, os astrócitos de apoio. Alguns astrócitos em pessoas com DH apoiam os neurónios que se atiram para a multidão, mas outros, sem a assinatura correcta, deixam cair os artistas. Não é divertido para os neurónios estrelas de rock!

«Como já ouvimos nesta reunião, uma maré alta levanta todos os barcos - encontrar tratamentos para uma doença cerebral pode ter implicações para outras, incluindo a DH. »

O caixote do lixo celular

A seguir, Joan Steffan vai falar-nos da sua investigação sobre o que a proteína da DH faz normalmente. Sabemos que a proteína da DH, a HTT, não funciona bem na doença. Mas a proteína HTT tem muitas funções importantes a desempenhar nas células saudáveis e a Joan, e os outros oradores desta sessão, estão interessados em investigar essas funções.

A Joan está a estudar o papel da proteína HTT na limpeza de componentes da célula que já não são necessários. Este processo, chamado autofagia, é muito importante para manter as células saudáveis. Joan descobriu que a HTT trabalha com muitas proteínas amigas na célula para eliminar o lixo.

Muitas proteínas envolvidas na autofagia ligam-se ao lixo da célula através de uma etiqueta molecular. Por isso, a equipa de Joan perguntou se a proteína HTT também se podia ligar a esta etiqueta. Acontece que pode, num tubo de ensaio!

A proteína HTT é enorme, uma das maiores que o nosso corpo produz. Joan e a sua equipa mapearam a parte exacta da HTT que se liga a esta etiqueta. A região de ligação da etiqueta está mesmo no limite da estrutura em forma de donut desta molécula maciça.

Olhando mais de perto, Joan perguntou que lixo celular poderia estar ligado à proteína HTT. Descobriu que muitas delas eram proteínas cuja função é normalmente ligar moléculas de mensagens genéticas, chamadas ARN. Joan tem muitas ideias sobre o que isto pode significar para a biologia da DH.

Também descobriu que a forma expandida da HTT, que causa a DH, interagia mais fortemente com a etiqueta de lixo. Isto dá-nos mais pistas sobre o papel normal da HTT e sobre o que pode estar a correr mal na DH.

A melhor amiga da Huntingtina - HAP40

A seguir é a vez da Rachel Harding do HDBuzz! Ela vai falar-nos sobre as novas ferramentas que está a utilizar para compreender melhor a estrutura da nossa proteína favorita.

Rachel lembra-nos o quão grande é a proteína HTT. Ela está muito interessada na sua forma: uma metade parece um donut, que está ligado à outra metade através de uma ponte. Estas duas metades são mantidas juntas por outra proteína chamada HAP40.

O laboratório da Rachel é muito bom a produzir a proteína HTT num tubo de ensaio. Isto é utilizado por laboratórios de todo o mundo para compreender o que faz a proteína HTT.

Uma parte importante da compreensão do que uma proteína faz é saber com que outras proteínas interage. Uma das ferramentas utilizadas para descobrir estas interacções são os anticorpos. Por isso, é muito importante que os anticorpos para a HTT sejam de boa qualidade. A boa notícia é que temos alguns anticorpos óptimos. A má notícia é que alguns dos anticorpos utilizados regularmente pelos laboratórios de investigação da DH não são assim tão bons.

Para garantir que estamos a utilizar as melhores ferramentas possíveis, a Rachel está a desenvolver uma alternativa aos anticorpos chamada macrociclos. Trata-se de pequenas moléculas que se ligam muito fortemente à HTT e que podem ser ligadas a outras coisas, como etiquetas fluorescentes que farão a proteína HTT brilhar. Muito fixe!

Utilizando várias tecnologias sofisticadas, o grupo da Rachel está a descobrir exatamente onde cada macrociclo se liga na estrutura HTT-HAP40.

Meghan Donaldson, directora executiva da HDF, abriu o segundo dia da conferência com um discurso de boas-vindas que realçou a tenacidade e a perseverança dos investigadores da DH, características frequentemente observadas em pessoas que vivem com a DH, como o seu irmão Christopher, que faleceu recentemente de DH em fase avançada.
Meghan Donaldson, directora executiva da HDF, abriu o segundo dia da conferência com um discurso de boas-vindas que realçou a tenacidade e a perseverança dos investigadores da DH, características frequentemente observadas em pessoas que vivem com a DH, como o seu irmão Christopher, que faleceu recentemente de DH em fase avançada.
Autoria da imagem: Julie Porter

Os macrociclos podem ser utilizados para muito mais do que apenas estudar a HTT num tubo de ensaio. Podem também seguir a HTT nas células, o que será fundamental para ajudar os investigadores a compreender a função da HTT e o que poderá estar a correr mal na DH.

Podem também ser utilizados para encontrar “bolsas” na proteína HTT que seriam bons alvos para medicamentos.

Aumentando a velocidade

A seguir é Bob Handsaker que nos vai falar sobre a expansão somática na DH - a ideia de que, em algumas células, a repetição CAG pode tornar-se mais longa ao longo do tempo. Os cientistas da DH estão a tentar perceber como é que isto pode contribuir para a progressão da doença, uma área de investigação muito interessante.

Bob e a equipa com que trabalha em Harvard construíram um modelo de como pensam que a expansão somática acontece nas células, primeiro numa fase lenta e depois numa fase rápida. Recolheram provas de tecidos cerebrais analisados de pessoas que morreram de DH que, na sua opinião, apoiam este modelo.

A seguir, o Bob fala-nos das mudanças nos genes que estão a ser activados e desactivados e como isto se correlaciona com a expansão somática do trato CAG. Curiosamente, não se vêem grandes diferenças até a expansão se tornar muito grande, cerca de 150 CAGs.

Depois de as células atingirem este comprimento de repetição CAG muito longo (o que demora décadas), começam a ver alterações aceleradas nos genes que são activados e desactivados, levando a toxicidade na célula e, eventualmente, à morte dessas células.

O modelo que Bob propõe contrasta de certa forma com os dados publicados por outros cientistas, muitos dos quais estão presentes na sala - mas é para isso que servem as conferências, para discutir estes temas quentes e ver como as provas colectivas se revelam, para fazer avançar a ciência.

Curiosamente, quando se analisam os dados para ver que genes são desligados nos neurónios do estriado (o centro do cérebro), trata-se de genes associados à “identidade celular”. Isto significa que as células, de certa forma, perdem a capacidade de dizer que tipo de célula são.

Bob e a sua equipa também analisaram os aglomerados de proteínas que observam no cérebro e a forma como estes se alteram ao longo do tempo. A sua modelação e análise sugerem que esta é uma caraterística tardia da DH, ocorrendo apenas num subconjunto de células do cérebro.

De um modo geral, o modelo proposto por Bob sugere a razão pela qual a DH pode demorar décadas a desenvolver-se e a equipa espera que possa ser utilizado para desenvolver melhores terapêuticas para a DH, ou para acompanhar a forma como novos medicamentos podem abrandar ou travar a DH.

Doença diferente, efeitos semelhantes

A seguir é a vez de Harry Orr, que trabalha numa doença diferente de repetição CAG chamada ataxia espinocerebelosa 1 (SCA1). Embora existam semelhanças com a DH, também existem diferenças. A SCA1 tem, normalmente, início na idade adulta, provoca alterações do movimento e problemas de raciocínio. Tal como a DH, também não existe tratamento.

Uma das principais diferenças é o tipo de célula afetada primariamente. Enquanto a DH afecta principalmente os neurónios do estriado, a SCA1 afecta principalmente um tipo diferente de célula cerebral chamada célula de Purkinje, numa área do cérebro chamada cerebelo.

«Está a ser feita ciência muito fixe no espaço da DH! »

O laboratório de Harry tem estado a trabalhar no desenvolvimento de modelos de ratinhos com SCA1 para compreender melhor esta doença. Estão a utilizar estes modelos para analisar a expansão somática em diferentes partes do cérebro

Parece que a expansão contínua de CAG não é exclusiva da DH, mas pode ser uma caraterística comum a várias doenças, incluindo a SCA1. Como já ouvimos nesta reunião, uma maré alta levanta todos os barcos - encontrar tratamentos para uma doença cerebral pode ter implicações para outras, incluindo a DH.

Localização, localização, localização

A nossa última palestra do segundo dia é de Longzhi Tan, intitulada “Arquitetura genómica 3D ao longo da vida e na DH” - parece que vai ser de alta tecnologia!

Cada uma das nossas células transporta o genoma completo - todo o nosso ADN - no seu núcleo. Tan analisa a forma deste ADN ao nível de uma única célula. Medir a forma do ADN é incrivelmente difícil. Isto deve-se ao facto de a forma do ADN diferir de célula para célula, pelo que as formas dentro de duas células não são as mesmas.

Tan desenvolveu a sua própria técnica para resolver estes desafios e definir a forma do ADN em muitas células. A combinação de computadores com microscópios proporciona uma solução de alta tecnologia, permitindo-lhe calcular as formas do ADN no interior do núcleo.

Está a mostrar ao público vídeos muito fixes que provocaram um murmúrio audível em toda a audiência. Está a ser feita ciência muito fixe no espaço da DH!

Cada célula utiliza genes diferentes para fazer o seu trabalho. Tan está a explicar como os genes utilizados por um tipo de célula se movem uns em direção aos outros no núcleo. No caso da DH, é claro que estamos interessados nas células cerebrais. Tan consegue distinguir os diversos tipos de células cerebrais simplesmente olhando para a posição dos seus genes. Uau!

Tan está a utilizar a sua tecnologia para estudar a DH, perguntando se a doença afecta a posição do ADN dentro de uma célula e se isso pode alterar os genes que estão ligados ou desligados. Atualmente, está a trabalhar nestas questões em ratinhos que são modelos da DH. Descobriram que as maiores diferenças na forma 3D do ADN acontecem exatamente nas células que são vulneráveis na DH!

Tan também está a observar como a forma do ADN se altera quando desliga um gene associado à instabilidade somática, chamado MSH3. Desligar o MSH3 reorganiza a localização do ADN de modo a que este se aproxime mais das células sem DH.

De um modo geral, o trabalho de Tan é uma estreia muito interessante de uma nova tecnologia que pode ser utilizada para analisar a DH com grande pormenor.

É tudo o que temos para o segundo dia da conferência! Voltaremos no dia 3 para partilhar actualizações sobre outras células que não os neurónios, instabilidade somática e reparação do ADN. Fiquem atentos!

Sarah Hernandez é funcionária da Hereditary Disease Foundation Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...