Rachel HardingSarah HernandezEscrito por Dr Rachel Harding e Dr Sarah Hernandez Editado por Dr Sarah Hernandez e Dr Rachel Harding Traduzido por Madalena Esteves

Estamos de volta para o terceiro dia da conferência da Hereditary Disease Foundation (HDF)! A primeira é uma sessão sobre a dinâmica do ARN - o que é isso?! Continue a ler para ficar a saber!

Diferentes formas de HTT têm efeitos diferentes

A primeira é Gill Bates, que nos vai falar sobre o seu trabalho na compreensão de como a expansão somática causa a doença e na investigação de ideias que visam diferentes formas de HTT, para ajudar a desenvolver terapias para a DH.

A conferência da Hereditary Disease Foundation de 2024 reúne quase 300 dos líderes mundiais na investigação da doença de Huntington.
A conferência da Hereditary Disease Foundation de 2024 reúne quase 300 dos líderes mundiais na investigação da doença de Huntington.
Autoria da imagem: Erica Matisz

O gene HTT é muito longo! E, por vezes, apenas parte dele é transformado em proteína, particularmente a parte inicial. Isto acontece com mais frequência na DH. Acontece que esse primeiro bocadinho - chamado HTT1a - é bastante tóxico para as células. A equipa de Gill investiga a HTT1a em modelos de ratinhos da DH e estudou uma série de ratinhos com diferentes comprimentos de repetição CAG, desde ratinhos com um número baixo de repetições CAG até ratinhos com números CAG muito grandes. Em seguida, medem as formas da proteína HTT que são produzidas nestes ratinhos.

Curiosamente, descobriram que quanto mais longa é a repetição CAG, mais do fragmento HTT1a é produzido. Assim, talvez pelo menos uma parte da toxicidade associada à doença seja causada pelo aumento da expressão de HTT1a. Encontraram também mais aglomerados de proteínas pegajosas de HTT em ratinhos com repetições CAG mais longas e mais fragmentos de HTT1a, o que sugere que o HTT1a é o principal responsável por estes aglomerados de proteínas. Nos ratinhos com CAGs mais longos é produzida uma quantidade muito menor de HTT inteira, mais longa. Em conjunto, isto aponta para que os CAGs mais longos produzam mais das formas proteicas tóxicas (como HTT1a) e menos de outras formas.

Em seguida, a equipa de Gill analisou o que acontecia à HTT se alterassem a proteína com mutações, não na repetição CAG, mas nos blocos de construção da proteína que precedem diretamente esta região. Isto alterou o local e o número de aglomerados de proteínas que se podiam observar em modelos de ratinhos com DH.

Então, que efeito tem a HTT1a e outros fragmentos da HTT na expansão somática? Isto é algo em que Gill e a sua equipa estão a trabalhar em ratinhos. A sua equipa publicou recentement este trabalho. Nesse trabalho, utilizaram um modelo de ratinho com 185 repetições CAG. Quando reduziram um gene que está ligado à expansão somática, chamado MSH3, conseguiram parar a expansão somática, mas os sinais e sintomas da DH continuaram a desenvolver-se nos ratinhos.

Isto pode sugerir que a expansão somática tem de ser travada antes de a repetição CAG atingir estes comprimentos extremos, como 185. No entanto, estes resultados são de um modelo específico de ratinho da DH. Precisamos de mais dados para compreender melhor esta situação e saber se o mesmo acontece nos humanos. Uma limitação de muitos modelos de ratinhos com DH é o facto de terem números CAG extremos desde o nascimento, para que os cientistas possam ver coisas que imitam os sintomas da DH. É possível que estes modelos imitem a DH juvenil, e não a forma mais comum de início na idade adulta, o que pode ser a razão pela qual não se observa uma alteração nos sintomas.

A equipa de Gill está a trabalhar com outros laboratórios para reduzir especificamente a versão completa da HTT ou o fragmento HTT1a, que a equipa de Gill pensa ser uma forma ultra-tóxica da proteína. Curiosamente, só se observa um efeito se tratam os ratinhos quando são jovens. Quando analisam o efeito da redução de ambas as formas na aglutinação da proteína HTT, verificam que o efeito é maior quando se visa especificamente a HTT1a. Conseguem também reduzir mais os aglomerados de proteínas se tratarem os ratinhos mais cedo.

Um tema de investigação recente parece sugerir que tratar a DH precocemente pode ser a nossa melhor aposta, mas isso não significa que os tratamentos não funcionem nas pessoas mais tarde. Uma coisa boa sobre o campo da DH é que muitas pessoas estão a trabalhar numa variedade de abordagens. Os nossos ovos estão em muitos cestos!

Mudanças na receita

A seguir, Anukur Jain fala-nos do seu trabalho sobre a forma como a molécula de mensagem de ARN se dobra nas células e como esse processo pode correr mal.

Uma breve lição de Biologia básica pode ser útil aqui. O ADN é transformado numa mensagem chamada ARN antes de ser transformado em proteína. As proteínas são as moléculas funcionais de uma célula, como o produto de uma receita. Mas elas não podem ser produzidas sem a mensagem de ARN, que é a molécula da receita da proteína.

As mensagens de ARN dos genes que têm expansões repetidas, como a repetição CAG na DH, são propensas a dobrar-se de forma estranha, causando problemas na forma como a proteína é produzida a partir dessa mensagem. É como se se entornasse algo na cópia da receita e se adicionasse 1 ovo em vez de 2. Ups! Ankur está a contar à multidão como a alteração da dobragem da mensagem de ARN faz com que a célula produza diferentes formas e fragmentos de proteínas. Tal como o produto da sua receita ficaria um pouco diferente se a cópia que estava a ler fosse alterada.

«Uma coisa boa sobre o campo da DH é que muitas pessoas estão a trabalhar numa variedade de abordagens. Os nossos ovos estão em muitos cestos! »

Utilizando moléculas concebidas para brilhar ao microscópio, o Akur pode seguir estas mensagens de ARN mal dobradas nas células em tempo real. Assim, ao longo de apenas 10 minutos, pode observá-las a formar estruturas que se assemelham a gotículas na célula. Muito fixe!

Ankur está interessado em compreender se o código ortográfico da mensagem de ARN afecta o local onde estas estruturas semelhantes a gotículas se formam no núcleo da célula. Utilizando células que produzem diferentes mensagens de ARN com repetições CAG, a sua equipa está a tentar encontrar respostas para esta questão.

Até à data, Ankur só realizou este trabalho com mensagens de repetições CAG puras, e não com a mensagem HTT propriamente dita. Isto permite-lhe seguir a forma como as repetições CAG afectam as mensagens de ARN tipo gota, mas não responde a questões sobre o que está a acontecer com este processo na DH.

Modificadores da expansão e do início dos sintomas

A seguir é Darren Monckton, que nos vai falar de alguns pormenores interessantes sobre a genética da DH. Darren e a sua equipa analisam os diferentes sabores do gene da DH que as pessoas têm, e como isso afecta o caminho da progressão da doença que experimentam.

Darren é capaz de analisar amostras de sangue de pessoas com DH para observar as expansões somáticas, utilizando medições muito sensíveis. No sangue, muitas vezes, apenas se vê um único CAG extra, o que é muito diferente das dezenas ou centenas de CAGs extra que vemos em algumas células do cérebro. Analisando milhares de amostras de pessoas no ensaio Enroll-HD, os investigadores acompanharam a expansão somática ao longo do tempo. Os dois factores que mais contribuem para a expansão somática são a idade e o maior comprimento inicial dos CAGs.

Curiosamente, isto também se observa em pessoas com números CAG intermédios, correspondentes a 27 a 39 repetições. É pouco provável que estas pessoas apresentem sintomas clínicos de DH durante a sua vida, no entanto, a equipa de Darren vê que elas também têm instabilidade somática. Darren pensa que isto significa que a instabilidade somática por si só não é suficiente para despoletar a doença. Talvez precisemos da instabilidade somática mais extrema que vemos nas pessoas com DH de início na idade adulta, normalmente com 40-50 CAGs, para iniciar os sinais e sintomas da doença.

Algumas pessoas têm mais ou menos expansão somática do que seria de esperar em média. Utilizando dados de milhares de pessoas com DH, a equipa de Darren consegue identificar os modificadores genéticos que afectam a taxa de expansão somática. Neste conjunto de dados, podemos ver muitos dos mesmos genes previamente identificados como modificadores do aparecimento dos sintomas da DH - muitos dos quais são genes críticos para a reparação do ADN, em particular das pequenas estruturas em forma de laço que os cientistas pensam que se formam habitualmente na repetição de cadeias de ADN CAG.

Isto é relevante porque sugere que os genes que controlam a expansão somática podem ser os mesmos que controlam a idade de início dos sintomas. Algo que tem despertado o interesse de muitas pessoas neste domínio recentemente! MAS, nem todos os genes associados à reparação do ADN surgem como modificadores tanto da idade de início dos sintomas como da expansão somática. Porquê? É algo que Darren está interessado em compreender.

Darren postula que isto pode estar relacionado com a quantidade de cada uma das proteínas de reparação do ADN que estão presentes. A célula só pode utilizar uma determinada quantidade de algumas moléculas, pelo que mais nem sempre significa um efeito mais forte. Tal como um copo só pode conter uma certa quantidade de água, deitar num copo que está a transbordar não significa que se esteja a adicionar mais água.

Muitas das respostas são proteínas auxiliares que ajudam na reparação e processamento do ADN, pelo que o seu papel é talvez mais subtil na instabilidade somática. É evidente que se trata de um processo complexo, pelo que os cientistas da DH vão estar ocupados a descobrir tudo isto.

A bonita capa do programa da reunião HD2024 da HDF, que destaca as ligações em todo o cérebro, culminando num núcleo no estriado - a região central do cérebro mais afetada pela DH.
A bonita capa do programa da reunião HD2024 da HDF, que destaca as ligações em todo o cérebro, culminando num núcleo no estriado - a região central do cérebro mais afetada pela DH.

O Darren também nos disse que o próprio gene HTT modifica a instabilidade somática! Isto não é causado pela repetição CAG, mas por outras alterações no código de letras do gene HTT e nas regiões do ADN que rodeiam o gene HTT no código genético. Em conjunto, isto sugere que existem provavelmente diferentes mecanismos que actuam ao mesmo tempo para alterar a taxa de expansão somática e o aparecimento de sintomas clínicos. A DH é frequentemente designada como a doença mais complicada de um único gene - acreditamos que isso é provavelmente verdade!

A equipa de Darren também analisou outra doença de repetição CAG, chamada SCA3. Também observaram instabilidade somática em amostras destas pessoas no gene afetado, ATXN3, mas o efeito não é tão forte como nas pessoas com DH, no gene HTT. Por isso, tal como ouvimos em várias outras palestras, a definição destes processos numa doença terá implicações noutras doenças.

Grandes dados para resolver grandes problemas

O próximo é X. William Yang. O seu laboratório cria modelos de ratinhos da DH que partilha com investigadores de todo o mundo para estudar a doença. Na sua palestra de hoje, ele vai falar-nos sobre a razão pela qual ele pensa que algumas células parecem estar mais doentes do que outras na DH.

William está a mostrar um filme super fixe que se move através do cérebro de um ratinho com marcadores que brilham para mostrar onde estão os aglomerados pegajosos da proteína HTT. Encontram-se principalmente no centro do cérebro, no estriado, e nas extremidades enrugadas exteriores, no córtex. Os investigadores estão a tentar ver como é que os aglomerados coincidem com os locais onde se observa a expansão somática em diferentes partes do cérebro do ratinho, e como é que isso afecta os genes que são activados e desactivados. Desta forma, podem tentar perceber porque é que algumas células podem ficar mais doentes na DH.

A equipa de William fez uma experiência maciça em que desligou mais de 100 genes diferentes no seu modelo de ratinho. Ena! Isto é uma tonelada de trabalho que vai gerar muitos dados úteis para todos os que estão neste campo. Concentraram-se em desligar os genes que pensam que podem estar a controlar as alterações globais dos genes que se ligam e desligam na DH.

Uma vez feito isto, procuraram ver como é que cada gene desligado afectava os sinais e sintomas da DH. Quando desligaram muitos dos genes de reparação do ADN dos estudos sobre modificadores, as coisas melhoraram - boas notícias para quem está a trabalhar nestes genes como alvos de medicamentos!

E como se essa experiência não fosse suficientemente grande, William e a sua equipa analisaram esses ratinhos através de uma análise de célula única, vendo como cada célula do cérebro dos ratinhos era afetada. Tal como outros demonstraram, o estriado foi a área do cérebro mais afetada.

William destaca os dados de uma experiência específica em que desligaram a expressão de MSH3, um alvo popular, uma vez que influencia a expansão somática na DH. Quando o MSH3 foi reduzido, os aglomerados pegajosos da proteína HTT diminuíram no seu modelo de ratinho.

Ligar tudo isto para perceber exatamente o que se passa na DH e por que ordem os eventos ocorrem, continua a ser uma tarefa difícil para os cientistas da DH. Não existe um consenso claro… ainda! Mas há muitas pessoas inteligentes, como as da equipa do William, todas a trabalhar neste caso.

Trabalhando juntos

«E talvez o tema subjacente à conferência até agora tenha sido o facto de existirem muitos mecanismos semelhantes em diferentes doenças, que podem ajudar a informar os tratamentos para muitas perturbações. »

A seguir, Anna Pluciennik, que estuda o ADN e está a investigar um gene chamado FAN1, que demonstrou modificar o momento em que os sintomas da DH podem começar. As pessoas que têm quantidades mais elevadas de FAN1 apresentam sintomas de DH mais tarde do que as que têm níveis mais baixos. Mas porquê e como é que isso acontece? É isso que a Anna está interessada em descobrir!

O laboratório de Anna não trabalha com células numa placa de Petri ou com modelos de DH em ratinhos, mas apenas com as moléculas precisas que estão a interrogar. Neste tipo de sistema reduzido, conseguem perceber exatamente como é que todas estas máquinas moleculares estão a funcionar. Acontece que, para que a FAN1 possa fazer o seu trabalho de reparação do ADN, precisa de trabalhar em conjunto com outras moléculas proteicas. A equipa de Anna definiu com elegância exatamente quais as proteínas necessárias para que a FAN1 funcione. Já escrevemos sobre o trabalho de Anna.

A equipa de Anna utilizou microscópios potentes para observar a FAN1 ligada ao ADN e a uma das suas parceiras, chamada PCNA. Ao recolherem muitas imagens, conseguiram gerar um modelo 3D detalhado do complexo de moléculas, o que lhes permitiu descobrir exatamente como funcionam em conjunto. A autora mostra que a repetição CAG sai da hélice do ADN e dobra-se de forma estranha quando se liga a proteínas como a FAN1 e a PCNA. Isto permite à FAN1 cortar com precisão o ADN próximo da extrusão para iniciar o processo de reparação do ADN e corrigir a extrusão de aspeto estranho.

Anna está a procurar exatamente qual a letra do código genético da FAN1 que lhe permite ligar e cortar estas extrusões - um nível de detalhe muito elevado! Ela consegue mapear algumas das variações identificadas em grandes estudos genéticos para o seu modelo e testar estas formas de FAN1 num tubo de ensaio. Isto é muito interessante porque a sua equipa consegue perceber exatamente porque é que algumas variações genéticas afectam a proteína FAN1, fornecendo grandes provas do impacto destas variações na progressão da DH.

Aprender com os outros

A nossa última palestra do Dia 3 é de Alice Davidson, que estuda outra doença de expansão repetida que afecta o olho, chamada distrofia de Fuchs. Esta é uma das principais razões subjacentes ao facto de algumas pessoas poderem necessitar de um transplante de córnea. Alice e a sua equipa têm estado a investigar a genética subjacente a esta doença para descobrir o que se passa. Num gene chamado TCF4, existe uma repetição CTG. Se esta se expandir para além das 50 repetições, as pessoas correm um risco muito maior de desenvolver Fuchs.

Alice acredita que o Fuchs pode ser um bom sistema para testar medicamentos que geralmente visam doenças repetidas, dado o seu início tardio e a facilidade de administrar medicamentos no olho em comparação com o cérebro ou o músculo, por exemplo.

Existem muitos paralelos entre Fuchs e outras doenças de repetição, como a DH, incluindo toxicidades observadas com moléculas de mensagens de ARN, aglomerados de proteínas pegajosas e outras caraterísticas, como a expansão somática. À semelhança das descobertas da equipa de Darren que abordámos anteriormente, Alice mostra-nos que há mais instabilidade nas pessoas que herdam uma repetição mais longa. De seguida, procuraram saber o que poderia estar a causar a instabilidade das repetições.

Alice e a sua equipa estão interessadas em definir alguns dos mecanismos subjacentes que levam à doença de Fuchs. E talvez o tema subjacente à conferência até agora tenha sido o facto de existirem muitos mecanismos semelhantes em diferentes doenças, que podem ajudar a informar os tratamentos para muitas perturbações.

É tudo para as actualizações da investigação para o terceiro dia - voltaremos amanhã para as actualizações do último dia da conferência!

Sarah Hernandez é funcionária da Hereditary Disease Foundation. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...