Escrito por Dr Ray Truant Editado por Dr Rachel Harding Traduzido por Madalena Esteves

Um estudo recente, publicado na Nature Medicine, analisou a frequência de determinadas doenças genéticas na população. As doenças que analisaram são designadas por doenças de expansão repetida e incluem a doença de Huntington (DH). Os investigadores descobriram que os traços genéticos que estão na base destas doenças são mais comuns do que se calculava anteriormente. Neste artigo, vamos analisar o que os cientistas descobriram e o que isso significa para a comunidade da DH e não só.

O que são os REDs?

A DH é causada por uma expansão de um segmento repetitivo de letras de ADN -C-A-G- no gene da huntingtina. Toda a gente tem estes CAGs repetidos, mas se tiver demasiados, então desenvolverá a DH se viver o tempo suficiente.

O ADN de mais de 82.000 pessoas foi recolhido aleatoriamente em diversas populações de todo o mundo. Os genomas completos de cada pessoa foram sequenciados, mapeando o código alfabético exato de cada cromossoma.
O ADN de mais de 82.000 pessoas foi recolhido aleatoriamente em diversas populações de todo o mundo. Os genomas completos de cada pessoa foram sequenciados, mapeando o código alfabético exato de cada cromossoma.

A DH não é o único tipo de doença causada por este tipo de alteração genética. De facto, existe toda uma família de doenças genéticas designadas por Doenças de Expansão da Repetição, ou REDs. Estas incluem doenças como as ataxias espinocerebelares, algumas formas de ELA/Doença de Lou Gerhig, doença do X Frágil, ataxia de Friedreich, distrofia miotónica, atrofia muscular espinal bulbar, entre outras.

Cálculo do número de pessoas afectadas por REDs

Um problema de longa data na genética humana e no estudo de doenças como a DH, é que a maioria dos nossos dados humanos está limitada a amostras de ADN de populações brancas do ocidente. Isto pode levar a uma ideia imprecisa de quantas pessoas são afectadas pela DH e pode ter implicações no mundo real sobre a forma como as pessoas não brancas com DH podem aceder aos cuidados de saúde e a outros recursos.

Também tendemos a testar geneticamente apenas as pessoas que já têm sintomas ou que sabemos que estão em risco. Isto significa que, se alguém não tiver uma série de sintomas que se enquadrem nos manuais, pode não fazer um teste genético e é possível que o seu médico o diagnostique incorretamente.

Estes números de incidência são também importantes quando os defensores da DH e as associações de doentes apelam aos governos de todo o mundo para que apoiem a investigação e os cuidados para a DH. Coletivamente, os RED tendem a ser referidos como raros, mas com os dados limitados de que dispomos até à data, sabemos se isso é verdade?

Grandes bases de dados para responder a grandes questões

Um grande grupo de investigadores, com sede na University College London (UCL), no Reino Unido, com a Dr.ª Arianna Tucci, analisou um enorme conjunto de dados de toda a composição genética das pessoas para ver até que ponto os RED são realmente comuns. Este estudo utilizou o ADN de mais de 82.000 pessoas, recolhido aleatoriamente em diversas populações de todo o mundo. Nestas amostras, foi sequenciado todo o ADN de uma pessoa e não apenas um ou dois genes.

Munidos deste enorme conjunto de dados genéticos, fizeram uma série de perguntas simples: olhando para muitas regiões e etnias, sem qualquer preconceito em relação a qualquer doença, continuamos a ver que estes REDs estão maioritariamente em populações brancas? Serão estas doenças que afectam sobretudo os europeus e as pessoas de ascendência europeia?

«Um problema de longa data na genética humana e no estudo de doenças como a DH, é que a maioria dos nossos dados humanos está limitada a amostras de ADN de populações brancas do ocidente. »

As respostas deste estudo foram profundas em dois aspectos. Primeiro, os REDs foram observados em incidência semelhante em europeus, africanos, americanos, asiáticos orientais e do sul. Isto desafia o status quo de que os REDs são encontrados principalmente em populações europeias, uma afirmação baseada em conjuntos de dados históricos mais limitados. De facto, estão representados em todas as grandes populações.

A segunda surpresa destes dados foi o facto de a incidência dos RED ser muito mais elevada do que o previsto no passado! Os dados mostram novos números de incidência de 1 em 283 para todos os REDs combinados. De uma perspetiva diferente, isto significa que o ADN de mais de 1,2 milhões de pessoas contém os traços genéticos correspondentes aos REDs apenas nos EUA. Apenas para a DH, a incidência observada foi de 1 em 4100, mas com uma variação de 1 em 2700 a 1 em 6300. As estatísticas mais antigas apontavam para um número em torno de 1 em 10.000.

Esta descoberta coincide com algumas das palestras sobre investigação que abordámos na reunião de terapêuticas da CHDI no início deste ano. Sahar Gelfman, do Regeneron Genetics Center, apresentou dados de um estudo em que se analisou o gene da DH a partir do ADN de quase um milhão de pessoas. Embora as suas amostras não incluíssem muitas pessoas de fora da Europa e da América do Norte, verificaram que a caraterística genética da DH se encontrava em cerca de 1 em cada 2000 pessoas.

Comparando dados genéticos com o que está a acontecer na clínica

Mas será que isto significa que 1 em cada 283 pessoas tem estas doenças genéticas? Talvez não. A frequência destas expansões genéticas não corresponde ao número de pessoas diagnosticadas pelos médicos como tendo REDs.

Poderão existir duas razões para este facto. Em primeiro lugar, muitas pessoas podem ainda não ter sido devidamente diagnosticadas com um RED, ou podem ter sido incorretamente diagnosticadas com uma doença diferente. Dada a raridade de algumas destas doenças, alguns clínicos não especializados podem ter dificuldade em estabelecer um diagnóstico, especialmente se a apresentação dos sintomas for um pouco invulgar ou não seguir a definição dos manuais.

Uma segunda razão, mais esperançosa, é que, apesar de terem uma mutação de expansão repetida num gene de uma doença conhecida, algumas pessoas terão sintomas muito ligeiros, limitados ou inexistentes destas doenças. Este facto é referido na genética humana como penetrância reduzida. Isto pode dever-se a factores relacionados com o estilo de vida ou a outras diferenças genéticas entre as pessoas, que podem atrasar o início da doença ou abrandar a progressão dos sintomas.

Esta tem sido uma área de grande interesse na investigação da DH com os Estudos de Associação do Genoma (GWAS). A esperança é que possamos conceber medicamentos para imitar as caraterísticas genéticas que podem fazer com que alguém tenha a doença mais tarde na vida ou uma progressão mais lenta dos sintomas. Agora que sabemos que há ainda mais pessoas que podem ter o gene da DH mas que podem não ficar doentes tão rapidamente, ou de todo, os cientistas podem expandir os GWAS para incluir estas pessoas e talvez encontrar novas ideias para desenvolver medicamentos.

Estes novos dados dizem aos médicos para considerarem mais as doenças de expansão repetida quando diagnosticam pessoas com sintomas neurológicos.
Estes novos dados dizem aos médicos para considerarem mais as doenças de expansão repetida quando diagnosticam pessoas com sintomas neurológicos.

Mensagens para levar para casa

Com base neste estudo, a mensagem para os médicos de todo o mundo é que os REDs são muito mais comuns do que lhes foi ensinado na sua formação no passado. Espera-se que isto lhes permita testar estas doenças com testes genéticos específicos quando os sintomas se sobrepõem a doenças mais comuns.

Muitas vezes, diagnosticar alguém com uma doença neurológica pode ser como resolver um mistério, uma vez que os sintomas podem parecer e mudar de forma diferente em pessoas diferentes, os sintomas entre doenças comuns e menos comuns podem sobrepor-se e, muitas vezes, a história familiar não é conhecida. Isto pode levar um médico a testar certas doenças comuns, mas a não reconhecer uma doença menos comum, porque não a experiencia frequentemente na sua carreira.

O estudo também nos dá uma ideia de como são as mutações da DH em diferentes etnias - esta é uma informação importante para potencialmente afinar as terapêuticas concebidas para reduzir especificamente a cópia expandida da huntingtina, de modo a que sejam mais eficazes num maior número de pessoas em todo o mundo.

Por exemplo, o medicamento para a redução da huntingtina WVE003 da Wave Life Sciences, atualmente em ensaios clínicos, tem como alvo uma assinatura genética no gene da DH, de modo a que apenas a forma tóxica expandida da proteína da DH seja reduzida. Os dados actuais sugerem que a assinatura genética a que se dirigem se encontra mais frequentemente em pessoas de ascendência europeia. Um maior conhecimento do tipo de assinaturas encontradas em diferentes populações ajudaria empresas como a Wave a conceber medicamentos que pudessem tratar um conjunto mais diversificado de doentes.

É importante referir que este trabalho será também uma mensagem para os governos e as agências de saúde no sentido de repensarem o termo “raro” quando se trata destas doenças genéticas. Uma maior sensibilização para estas doenças por parte dos decisores políticos e de outras partes interessadas poderia ajudar a dar às comunidades, como a nossa, mais recursos e apoio para ajudar as famílias afectadas, prestar cuidados de saúde adequados e desenvolver novos medicamentos.

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