Avanço pioneiro com edição genética por CRISPR poderá ter aplicações mais vastas em doenças humanas
Ensaio clínico preliminar com sucesso para a Amiloidose Familiar por Transtiretina mostra que edição genética por CRISPR pode ser utilizada com segurança no corpo humano. O que é que isto significa para a edição genética em DH?
Escrito por Daniel O’Reilly 21 de Julho de 2021 Editado por Dr Leora Fox Traduzido por Antonio Azevedo
Um ensaio clínico recente testou com sucesso a segurança de usar edição genética por CRISPR para reduzir a quantidade de uma proteína tóxica em pacientes com Amiloidose Familiar por Transtirretina (proteína TTR, sigla inglesa). Embora este estudo não esteja relacionado com a doença de Huntington, é um feito pioneiro para a edição genética e os resultados podem ter implicações para a DH e para outras doenças cerebrais.
CRISPR-Cas9
Repetições palindrómicas regularmente interespaçadas aglomeradas (CRISPR, sigla inglesa), não é apenas um trava-línguas, mas também o nome de um sistema de edição genética que tem conquistado o mundo científico desde que foi descoberto em 2014. A sua descoberta foi tão importante que as duas investigadoras que o descobriram, Jennifer Doudner e Emanuelle Charpentier, foram ambas premiadas com o prémio Nobel em 2020 - a primeira vez que duas mulheres dividiram o prestigioso prémio. O sistema CRISPR-Cas9 tem como alvo o DNA de cadeia dupla agindo como um sistema de GPS e uma tesoura microscópica. Um pedaço de RNA atua como um guia para apontar o DNA que precisa ser cortado. A proteína Cas9 desenrola então o DNA de cadeia dupla e corta ambas as cadeias. Isto permite que os investigadores insiram novas informações genéticas e utilizem os mecanismos naturais de reparação do DNA da célula para suavizar alterações.
Para fazer chegar os componentes necessários do sistema CRISPR-Cas9 ao órgão relevante, os investigadores usam a tecnologia de Nanopartículas Lipídicas. Os lipídos são simplesmente moléculas de gordura e as nanopartículas, são simplesmente esferas muito pequenas (100,000 vezes menores que um fio de cabelo humano!). Estas esferas microscópicas de gordura são capazes de transportar e fazer chegar a várias partes do nosso corpo uma ampla gama de terapêuticas, incluindo o sistema CRISPR-Cas9. Por exemplo, este método de entrega foi usado com sucesso para fazer chegar aos orgãos alvo as vacinas baseadas em mRNA contra o COVID.
Amiloidose Familiar por Transtirretina
A amiloidose familiar por transtirretina (polineuropatia amiloidótica familiar, também conhecida como “doença dos pezinhos” - nota do tradutor), é uma doença genética rara, causada por uma mutação ou alteração no gene TTR. Esta mutação resulta na acumulação de proteína amilóide em vários órgãos, com os sintomas variando dependendo de quais órgãos são afetados. Por exemplo, se as células do sistema nervoso forem afetadas, os pacientes podem apresentar sintomas como perda de sensibilidade nos membros.
O fígado é um órgão normalmente afetado. A acumulação de proteína amilóide resulta na perda da capacidade do fígado de regular os níveis de aminoácidos e nutrientes importantes no sangue. Esta situação leva a que a dado momento o transplante de fígado se torne praticamente na única opção de tratamento. Uma terapia com RNA de interferência curto (siRNA)(Patisiran) mostra eficácia clínica para o tratamento desta condição, mas infelizmente, o Patisiran requer múltiplas doses por ano e custa mais de $100,000 por tratamento. A edição genética tem o potencial de ser uma cura por toma única para a Amiloidose Familiar por Transtirretina.
Os resultados
Os resultados de um ensaio clinico inicial em doentes com amiloidose por TTR, apoiado pela Intellia Therapeutics e a Regeneron Pharmaceuticals, demonstrou pela primeira vez evidencia de sucesso na edição genética dentro do corpo humano usando o sistema CRISPR. Previamente, as abordagens de edição genética com sucesso tinham envolvido retirar sangue de doentes com doenças genéticas sanguíneas; editar as células fora do corpo do paciente; e re-introduzir as células editadas de novo no sangue do paciente. No estudo sobre amiloidose por TTR, a edição genética teve lugar dentro do corpo, no fígado - algo que não tinha sido possível previamente.
Como este é um estudo de fase I, o seu foco foi mais determinar se o sistema CRISPR poderia ser usado com segurança desta forma, do que estudar quão bem este conseguia editar o gene TTR. Contudo, estes resultados indicam uma edição com sucesso da TTR, resultando numa diminuição da quantidade de proteína TTR prejudicial no sangue. Relativamente à toxicidade os resultados foram igualmente promissores, com pacientes a reportar alguns efeitos secundários ligeiros, mas nenhuns efeitos graves. Como o número de indivíduos na amostra foi bastante limitado, estudos adicionais serão necessários para confirmar os resultados e identificar potenciais perigos mais raros.
Potenciais obstáculos para o CRISPR em doenças cerebrais
«Este ensaio clínico de fase I em pessoas com amiloidose por TTR mostra efetivamente que é possível tanto aplicar no corpo a maquinaria de CRISPR-Cas9 como alcançar com esta níveis elevados de edição em humanos. »
Este ensaio de fase 1 mostra efetivamente que é possível em humanos aplicar a maquinaria da CRISPR-Cas9 e alcançar níveis elevados de edição. Em teoria, seria possível adaptar a maquinaria CRISPR para actuar em doenças genéticas como a DH. Contudo, actuar ao nível do fígado, como os investigadores fizeram neste estudo, é considerado como sendo relativamente simples, enquanto que o cérebro é considerado como sendo um dos órgãos em que é mais difícil de actuar. O fígado é responsável pela filtragem de muitas toxinas, metabolitos e outras substâncias do sangue, o que torna mais exequível desenhar uma terapia que o fígado absorva. Em contrapartida, o cérebro é protegido pela barreira hemato-encefálica que é um obstáculo altamente seletivo para substâncias no sangue que procuram entrar no cérebro. Outra diferença é o facto de não ser necessário editar todas as células do fígado para obter beneficio terapêutico. Para as doenças cerebrais, cada neurónio que queremos salvar precisa de ser editado.
Permanecem desafios para a CRISPR na DH
Embora este ensaio não seja relacionado com a DH, sentimos que seria importante cobrir esta história porque estes resultados são entusiasmantes e sem precedentes. Adicionalmente, a Organização Mundial de Saúde emitiu recentemente diretivas éticas para garantir limites de segurança relativamente à edição genética. A DH foi um dos exemplos considerados nas discussões entre peritos que levaram a estas diretivas. Muitos investigadores da área da DH, mas não só, estão a trabalhar em formas de alcançar edição genética segura e efetiva, incluindo terapias dirigidas ao cérebro.
Dito isto, permanecem muitas coisas que não sabemos sobre edição genética. Este estudo foi um ensaio de fase 1, desenhado principalmente para testar a toxicidade desta terapia com CRISPR-Cas9. Os resultados em termos de toxicidade são muito promissores, sendo que a maioria dos pacientes reporta apenas efeitos secundários ligeiros a moderados. Contudo, permanecem algumas questões de relevo por responder neste estudo. Irá a redução na quantidade de proteína TTR levar a mudanças significativas nos sintomas da doença dos pacientes? Irá a edição do gene TTR com CRISPR causar edições não planeadas em outros genes? Caso tal suceda, onde serão e quão extensas?
Estes resultados são encorajadores, mas um ensaio de fase 1 foca-se na segurança em primeiro lugar. Vai haver necessidade de mais fases antes de uma terapia desta natureza poder chegar ao mercado.