Regulação da repetição: O controlo das repetições CAG pode retardar a progressão da doença de Huntington
Muitas doenças são causadas por sequências repetitivas de ADN. Compreender a sua regulação pode ser a chave para desbloquear terapêuticas para a doença de Huntington. Uma equipa de Toronto acaba de fazer avançar os nossos conhecimentos.
Escrito por Dr Sarah Hernandez 07 de Dezembro de 2023 Editado por Dr Jeff Carroll Traduzido por Madalena Esteves Publicado originalmente a 30 de Novembro de 2023
A “expansão somática” é um tema quente na investigação da doença de Huntington. A expansão somática é um processo em que as repetições CAG se alongam nalgumas células durante o envelhecimento. Pensa-se que controla a idade em que os sintomas da DH aparecem. Um grupo de investigadores de Toronto, no Canadá, identificou recentemente proteínas que podem desempenhar um papel importante na regulação deste processo. A compreensão da forma como estas proteínas regulam a expansão somática na doença de Huntington pode ser a chave para desbloquear tratamentos para as doenças com repetições CAG.
A repetição é (a) chave
A doença de Huntington (DH) é referida como uma “doença de expansão de repetições CAG” - é causada por um aumento do número de repetições CAG no gene da huntingtina. Toda a gente tem o gene da huntingtina - de facto, toda a gente tem uma sequência CAG repetitiva no seu gene da huntingtina. O que acontece é que as pessoas que vão desenvolver a DH têm mais CAGs no gene da huntingtina do que as pessoas sem DH.
Mas a DH não é a única doença causada por repetições CAG. Existem mais de 70 doenças diferentes associadas ao colapso das células nervosas que são causadas por sequências repetitivas de ADN! De certa forma, isto é bom, porque podemos olhar para a investigação destas outras doenças e encontrar semelhanças para aprender mais sobre a DH.
Um aspeto comum a muitas destas doenças causadas por sequências repetitivas de ADN é algo chamado “instabilidade somática”, também designado por “expansão somática”. Este é um fenómeno biológico em que uma sequência repetitiva de ADN aumenta em algumas células à medida que a pessoa envelhece. Pensa-se que esta expansão contínua da sequência CAG causadora da doença na DH contribui para a progressão acelerada da doença. O HDBuzz escreveu recentemente sobre a expansão somática, que pode ler aqui.
Na DH, a expansão somática da sequência de repetição CAG no gene da huntingtina acontece preferencialmente nas células cerebrais. Especificamente nas células cerebrais que são vulneráveis a morrer à medida que alguém com DH envelhece. Investigação científica emergente parece sugerir que, se conseguirmos controlar a expansão perpétua dos CAGs no gene da huntingtina, poderemos ser capazes de manter as células cerebrais saudáveis e atrasar o aparecimento dos sintomas. Num mundo perfeito, até mesmo empurrando isso para o âmbito do nunca. Mas, para o fazer, temos primeiro de compreender os intrincados pormenores biológicos por detrás da expansão somática na DH.
Como é que os CAGs são adicionados exatamente?
O ADN é constituído por duas cadeias complementares de material genético, criando uma dupla hélice. Isto pode evocar imagens de uma fita entrelaçada que gira suavemente, do 8º ano de biologia. Cada cadeia contém letras do código genético - C, A, G ou T - que encaixam com o código genético na cadeia complementar como peças de Lego.
«Investigação científica emergente parece sugerir que, se conseguirmos controlar a expansão perpétua dos CAGs no gene da huntingtina, poderemos ser capazes de manter as células cerebrais saudáveis e atrasar o aparecimento dos sintomas. »
Quando as células precisam de produzir uma proteína codificada por um determinado gene, os filamentos de ADN são desenrolados e as peças de Lego são separadas. Depois de a proteína ser produzida, os filamentos de ADN voltam a encaixar-se, com os filamentos complementares a encontrarem os seus parceiros alfabéticos originais.
No entanto, quando o ADN contém uma sequência repetitiva, como uma longa cadeia de CAGs repetida vezes sem conta, pode ser difícil discernir exatamente que peça de Lego encaixava onde. Isto pode fazer com que parte do código genético se desalinhe e combine com a cadeia complementar mais à frente de onde deveria. Isto cria uma estrutura em “loop-out” - uma cadeia está bonita e direita, e a outra tem uma peça de ADN “dobrada para fora” sem par. Isto é um grande problema em biologia celular…
Há uma razão para a sua mente evocar a fita entrelaçada de lados lisos quando se menciona “dupla hélice”. As cadeias de ADN ligam-se sempre ao seu par complementar. O ADN nunca tem uma só cadeia. Quando o é, as proteínas intervêm imediatamente, cortando ou acrescentando ADN à estrutura em loop out que ameaça a forma natural elegante e suavemente torcida do ADN.
Muitas vezes, para garantir que as cadeias de ADN voltam a coincidir perfeitamente com os seus companheiros alfabéticos, são acrescentadas letras adicionais - tal como se se acrescentassem Legos adicionais para garantir que cada um se alinha com as peças correspondentes do outro lado. Isto assegura que ambas as cadeias de ADN têm pares correspondentes em cada lado. No caso do gene da huntingtina, isto pode significar que são acrescentadas repetições CAG adicionais e que a expansão da repetição CAG se torna mais longa. O resultado é frequentemente o aparecimento mais precoce dos sintomas da DH. Compreender como é que a célula decide se corta ou adiciona letras de ADN a uma estrutura em loop out pode ser a chave para compreender a expansão somática e para a controlar.
Decisões de edição celular definidas
Investigadores do Hospital for Sick Children (SickKids), em Toronto, no Canadá, identificaram recentemente proteínas que desempenham um papel fundamental no processo de decisão celular de cortar ou adicionar ADN a “loop outs”. Este trabalho, liderado pelo Dr. Terence Gall-Duncan e dirigido pelo Dr. Christopher Pearson, foi recentemente publicado na prestigiada revista científica Cell. O trabalho da equipa do SickKids contribui para a nossa compreensão da instabilidade somática na DH, ao mesmo tempo que identifica proteínas que podem ser alvo de terapêutica.
A equipa analisou a ciência por detrás de uma proteína denominada RPA - proteína de replicação A. A função da RPA na célula é ligar-se ao ADN quando a hélice é desenrolada e o ADN é de cadeia simples. Existe uma versão diferente da RPA que é exclusiva dos humanos e dos macacos, criando uma versão alternativa da RPA chamada Alt-RPA. Ambas as versões, RPA e Alt-RPA, ligam-se a loop-outs de ADN, como os que são criados quando os CAGs no gene da huntingtina não conseguem encontrar o seu par quando as cadeias de ADN são separadas.
As experiências deste novo artigo mostram que quando as células têm mais Alt-RPA, as expansões CAG aumentam. Mas quando a versão padrão da RPA está presente, são adicionadas menos expansões de CAG. Assim, parece que a Alt-RPA controla a decisão celular de adicionar ADN aos loop-outs, enquanto a RPA decide cortar!
Outro aspeto interessante desta descoberta é o facto de a Alt-RPA só se encontrar nos macacos e nos humanos, com níveis muito altos nos humanos - a única espécie que tem DH. Isto pode ser um começo para compreender porque é que a DH afecta especificamente e apenas os humanos.
A equipa realizou um estudo de interação em grande escala para identificar outras proteínas com as quais a RPA e a Alt-RPA interagiam. Descobriram que a Alt-RPA interagia especificamente com proteínas que regulam a instabilidade das repetições CAG! Uma das proteínas mais marcantes identificadas que interage especificamente com a Alt-RPA foi a MSH3.
«Descobriram que a Alt-RPA interagia especificamente com proteínas que regulam a instabilidade das repetições CAG! »
O MSH3 é um importante regulador da idade de início dos sintomas na DH e foi originalmente identificado a partir de amostras fornecidas por milhares de famílias com DH para um estudo chamado Gem-HD. A existência de muitas amostras de famílias com DH, provenientes de estudos como o GeM-HD e o Enroll-HD, fez avançar rapidamente a identificação de genes que modificam a idade de início dos sintomas, como o MSH3. Este novo trabalho do grupo do SickKids pode ser a ligação para compreender como o MSH3 ajuda a controlar a expansão somática no gene da huntingtina.
A equipa testou o efeito da alteração dos níveis de RPA em ratinhos que modelam uma doença semelhante à DH - a ataxia espinocerebelosa (SCA1), que também é causada por uma repetição CAG. Quando aumentaram os níveis da versão padrão da RPA, os sintomas dos ratinhos com SCA1 melhoraram, incluindo a instabilidade das suas repetições CAG.
O que é que tudo isto significa para a DH?
Existem várias empresas a trabalhar atualmente em medicamentos como opção de tratamento para a DH que têm como alvo o MSH3 como um modificador associado à instabilidade somática. A Voyager Therapeutics está a trabalhar para desenvolver um vírus inofensivo que tem como alvo o MSH3 e que pode ser injetado no sangue para chegar ao cérebro. A LoQus23 Therapeutics está a trabalhar para atingir o MSH3 utilizando pequenas moléculas que podem ser tomadas sob a forma de comprimidos. A Pfizer também entrou na onda do MSH3 e está a testar medicamentos para avançar para ensaios clínicos.
No entanto, estes novos resultados da equipa da SickKids não significam que estejamos prontos para adicionar a RPA ou a Alt-RPA à lista de medicamentos. Este trabalho ainda tem de ser testado em ratinhos que são modelos da DH para ver se a alteração destas proteínas pode melhorar o comportamento e os efeitos moleculares associados à DH. No entanto, os resultados aproximam o mundo da investigação da compreensão do mecanismo exato que controla a instabilidade somática. Saber exatamente como é que a célula toma a decisão de adicionar ou cortar ADN quando se forma uma estrutura em loop out abre a porta à conceção de mais medicamentos para testar em ensaios, e não apenas aqueles que têm como alvo a MSH3.