Escrito por Dr Sarah Hernandez Editado por Dr Leora Fox Traduzido por Madalena Esteves

Um estudo recente de um grupo da UMass Chan Medical School, liderado pelo Dr. Daniel O'Reilly e pela Dra. Anastasia Khvorova, utilizou estratégias genéticas para reduzir uma proteína que não a huntingtina. Desta vez, os investigadores foram atrás de um gene chamado MSH3. Este é um gene que tem vindo a receber muita atenção na investigação da doença de Huntington nos últimos tempos. Então, qual é o motivo de todo este alarido? E será que isto significa que abandonámos a redução da huntingtina?

Gaguez de CAG

Uma das descobertas mais interessantes na investigação da DH nos últimos anos tem sido algo chamado “instabilidade somática”, que também é por vezes chamada de “expansão somática”. Refere-se à expansão perpétua da repetição CAG nas células “somáticas”, ou células do corpo. Pode-se pensar nisto como uma gaguez molecular dos CAGs no gene da huntingtina.

A repetição CAG no gene da huntingtina que causa a DH pode aumentar nalgumas células ao longo do tempo, como uma gaguez molecular. A isto chama-se "instabilidade somática" ou "expansão somática". Acontece especificamente em células que são vulneráveis a morrer na DH, como as células cerebrais.
A repetição CAG no gene da huntingtina que causa a DH pode aumentar nalgumas células ao longo do tempo, como uma gaguez molecular. A isto chama-se “instabilidade somática” ou “expansão somática”. Acontece especificamente em células que são vulneráveis a morrer na DH, como as células cerebrais.

No entanto, esta expansão contínua não acontece em todas as células. As repetições CAG parecem ser bastante estáveis em certas células e tecidos, como o sangue. Isto significa que se alguém fizer um teste genético ao sangue aos 18 anos, o número de repetições CAG será muito provavelmente o mesmo aos 50 anos e manter-se-á inalterado ao longo da vida. No entanto, certas células parecem ganhar repetições CAG ao longo da vida. Essas células tendem a ser exatamente aquelas que são mais vulneráveis na DH - as células cerebrais.

Em 2003, a Dra. Peggy Shelbourne realizou um trabalho inovador utilizando amostras de cérebro generosamente doadas por pessoas que tinham morrido de DH. O seu trabalho mostrou que áreas específicas do cérebro têm expansões maciças de CAG - até 1000 repetições de CAG! Estas pessoas certamente não nasceram com repetições de CAG tão grandes, o que significa que foram adquiridas ao longo das suas vidas.

Curiosamente, a região do cérebro que tinha essas expansões maciças de repetições CAG era também a mais vulnerável à DH - uma área chamada estriado. Durante muitos anos após esta descoberta, não era claro como é que estas expansões de CAG estavam a acontecer ou o que significavam para a progressão da DH.

O que controla a idade de início da doença?

Depois, em 2015, foi publicado outro artigo inovador, desta vez pelo Consórcio de Modificadores Genéticos da Doença de Huntington (GeM-HD). Este foi um estudo enorme que analisou toda a composição genética de mais de 4.000 pessoas com DH. Isto deu aos investigadores muitos e muitos dados, a mais rica amostra de informação genética que o mundo alguma vez teve de indivíduos com o gene para a DH.

«Certas células parecem ganhar repetições CAG ao longo da vida. Essas células tendem a ser exatamente aquelas que são mais vulneráveis na DH - as células cerebrais. »

O Consórcio GeM-HD estava interessado em tentar encontrar pequenas alterações genéticas que pudessem contribuir para o início precoce ou tardio dos sintomas da DH - genes a que chamamos “modificadores genéticos”. A identificação de variantes que modificam a idade de início dos sintomas pode revelar alvos para a terapêutica.

O que o Consórcio Gem-HD descobriu deixou toda a gente de queixo caído. Os genes modificadores que alteravam a idade de início dos sintomas estavam quase todos envolvidos num único processo biológico! Encontrar modificadores que se agrupem desta forma foi completamente inesperado, mas também incrivelmente revelador. Os genes estavam envolvidos num processo chamado reparação do ADN.

Revisores moleculares

As proteínas são as máquinas moleculares que fazem funcionar as nossas células e são produzidas através de mensageiros genéticos, ARN, que por sua vez são criados a partir do nosso ADN. Sempre que uma nova proteína precisa de ser produzida ou actualizada, há uma oportunidade para erros no processo. As moléculas de reparação do ADN são os revisores que verificam os erros. Para garantir que não há erros no processo de tradução do ADN para a proteína, estes revisores moleculares (também conhecidos como moléculas de reparação do ADN) verificam a mensagem.

Por vezes, existem pequenas alterações genéticas nos genes de reparação do ADN que fazem com que funcionem melhor ou pior. Os genes de reparação do ADN realmente bons fazem um excelente trabalho de revisão do gene da huntingtina, pelo que não são cometidos erros quando a proteína é produzida e o tamanho da repetição CAG permanece estável. Mas os genes de reparação do ADN que são propensos a cometer erros durante a revisão podem perder a noção de quantos CAGs devem ser traduzidos. Isto pode significar que os erros escapam, aumentando o comprimento das repetições CAG ao longo do tempo.

Os genes de reparação do ADN funcionam como revisores moleculares, assegurando que não são cometidos erros quando as proteínas são traduzidas. Os maus revisores deixam escapar repetições CAG extra, fazendo com que os sintomas da DH apareçam mais cedo. O controlo dos revisores e o bloqueio da expansão CAG podem ser a chave para prevenir os sintomas da DH.
Os genes de reparação do ADN funcionam como revisores moleculares, assegurando que não são cometidos erros quando as proteínas são traduzidas. Os maus revisores deixam escapar repetições CAG extra, fazendo com que os sintomas da DH apareçam mais cedo. O controlo dos revisores e o bloqueio da expansão CAG podem ser a chave para prevenir os sintomas da DH.

O estudo do Consórcio GeM-HD mostrou que algumas pessoas tinham pequenas diferenças genéticas que provavelmente tornavam os seus genes de reparação do ADN melhores revisores, levando a um aparecimento mais tardio dos sintomas. Esta descoberta veio finalmente acrescentar alguma perspetiva ao trabalho da Dra. Peggy Shelbourne, ligando os genes de reparação do ADN à expansão somática observada nos cérebros de pessoas que morreram de DH. Os investigadores continuam muito entusiasmados com esta descoberta porque sugere que, se conseguirmos controlar a expansão da repetição CAG, poderemos ser capazes de atrasar o aparecimento dos sintomas da DH.

Atacar o MSH3 controla a gaguez de CAG

Os cientistas estão agora a apontar para genes de reparação do ADN em vários animais que servem de modelo à DH. Um gene de interesse chama-se MSH3. O HDBuzz escreveu recentemente sobre o MSH3, os seus parceiros moleculares e o seu envolvimento na expansão CAG, que pode ler aqui. O MSH3 revê o tipo de estrutura genética que é criada pelas repetições CAG. Os cientistas conseguiram bloquear a expansão das repetições CAG reduzindo os níveis de MSH3. Utilizaram métodos genéticos semelhantes aos utilizados para reduzir a huntingtina.

Um trabalho liderado pela Dra. Khvorova numa publicação recente deu agora o passo seguinte, verificando se o silenciamento do MSH3 com um medicamento em ratos que modelam a DH tem o mesmo efeito que a manipulação genética. O fármaco que utilizam fornece um pequeno pedaço de material genético que tem como alvo o MSH3 no cérebro, silenciando-o. De forma empolgante, descobriram que uma dose única do seu medicamento direccionado ao MSH3 administrado no cérebro pode bloquear a expansão das repetições CAG durante 4 meses em vários modelos de ratinhos com DH!

Embora o potencial de um medicamento que bloqueia a expansão somática seja entusiasmante, os autores reconhecem a necessidade de mais estudos de segurança antes de os seus medicamentos que visam o MSH3 poderem ser utilizados nas pessoas. Este novo estudo mostra que o seu medicamento visa apenas a molécula mensageira MSH3, poupando outros genes. No entanto, são necessários estudos adicionais para determinar se outros genes de reparação do ADN são afectados a nível da proteína. Os investigadores salientam também a importância de estudos de segurança a longo prazo para garantir que os seus medicamentos não estão a ter efeitos nocivos nas células cerebrais. Serão também necessárias experiências de acompanhamento para determinar se a redução da instabilidade somática melhora os sintomas semelhantes aos da DH nos ratinhos.

«Descobriram que uma dose única do seu medicamento direccionado ao MSH3 administrado no cérebro pode bloquear a expansão das repetições CAG durante 4 meses em vários modelos de ratinhos com DH! »

Expandir os nossos alvos

Embora outros alvos, como o MSH3, sejam bem-vindos na nossa saga contra a DH, isso não significa que a huntingtina esteja a ser abandonada como alvo. Sabemos, sem dúvida, que a causa única da DH reside no gene da huntingtina. Por isso, continua a fazer sentido conceber medicamentos que vão ao encontro da causa principal da doença. Nesse sentido, prosseguem os ensaios da Roche, da Wave Life Sciences e da Vico Therapeutics que estão a testar os seus medicamentos para a redução da huntingtina.

No entanto, se as experiências em ratos que têm como alvo o MSH3 forem bem sucedidas, ter terapias combinatórias que vão à raiz da doença e que ao mesmo tempo bloqueiam a expansão das repetições CAG poderá ser o golpe duplo necessário para a DH. Iremos, sem dúvida, ouvir falar muito mais sobre os genes de reparação do ADN (revisores moleculares) na investigação da DH e, num futuro próximo, é provável que haja ensaios que tenham como alvo as expansões CAG.

Sarah é funcionária da Hereditary Disease Foundation, que forneceu ou está a fornecer financiamento a vários investigadores mencionados nesta publicação. Leora é funcionária da Huntington's Disease Society of America, que tem relações e acordos de confidencialidade com empresas mencionadas neste artigo. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...