Jeff CarrollEscrito por Dr Jeff Carroll Editado por Professor Ed Wild Traduzido por Filipa Júlio

Acabaram de ser publicados os resultados de um novo estudo denominado PRECREST, que investiga se o suplemento nutricional creatina poderá atrasar a progressão da doença de Huntington. De forma singular, foram estudados os efeitos de suplementos de creatina em doses elevadas em pessoas portadoras da mutação da DH, mas sem sintomas claros de doença.

Porquê a creatina?

Já há muito tempo que os cientistas têm vindo a notar que a mutação da DH parece causar problemas nos níveis de energia das células e dos tecidos do corpo. Imagens que mostram a utilização de energia no cérebro revelam que as regiões do cérebro afectadas nos doentes de Huntington utilizam menos energia.

A creatina é adorada pelos culturistas porque dá energia aos músculos que têm que fazer muitos esforços e porque ajuda a que os músculos pareçam maiores, porque incham!
A creatina é adorada pelos culturistas porque dá energia aos músculos que têm que fazer muitos esforços e porque ajuda a que os músculos pareçam maiores, porque incham!

Vários resultados experimentais obtidos a seguir a estas primeiras imagens suportam a ideia de que as células com DH têm problemas em manter níveis suficientes de energia. Não ter energia suficiente é uma má notícia, já que isso pode conduzir rapidamente à morte das células, especialmente quando falamos das células extremamente laboriosas que existem no cérebro.

Para ajudar a regular os níveis de energia em alturas de stress, o corpo utiliza um químico chamado “creatina”. A creatina actua como uma espécie de banco que armazena títulos adicionais altamente energéticos de que as células necessitam para produzir energia. Assim, as células não queimam realmente creatina para terem energia, mas utilizam-na como um reservatório onde guardam energia adicional que poderão utilizar em alturas mais exigentes.

A história da creatina na DH

Os cientistas equacionaram que, se os tecidos na DH têm falta de energia, e se a creatina ajuda a aumentar a quantidade de energia armazenada disponível, talvez devessem estudar a creatina como um potencial tratamento na DH. De facto, logo em 1998 os cientistas descreveram estudos com ratinhos Huntington que foram tratados com creatina e que mostraram algumas melhorias.

Estes sucessos iniciais com animais sugeriram que talvez valesse a pena testar a creatina em doentes de Huntington humanos. Além disso, ao contrário de muitos outros fármacos, a creatina é uma substância que é normalmente produzida no corpo, por isso este tipo de tratamento deveria ser relativamente seguro.

Até à data, foram realizados múltiplos ensaios com creatina em doentes de Huntington humanos. Geralmente estes estudos demonstram que, com as doses testadas (5-10g/dia), a creatina é absorvida pelo corpo, mas falha quanto a ter efeitos benéficos significativos nos doentes.

Um dos possíveis problemas destes estudos iniciais é que foram feitos com doentes que já tinham desenvolvido sinais de DH. Talvez os ensaios tenham sido iniciados demasiado tarde para terem efeitos benéficos?

Outra preocupação dos cientistas tinha que ver com dados de outras doenças que sugeriam que a creatina poderia ser tomadas em doses bastante elevadas - mesmo tão elevadas como 30 gramas por dia - de forma a alcançarem o cérebro. Talvez os estudos iniciais com doentes humanos não tenham usado creatina em quantidade suficiente para ser eficaz?

«Depois de tomarem doses elevadas de creatina durante 1-2 anos, os participantes com a mutação da DH apresentaram um processo mais lento de atrofia nas regiões mais profundas do cérebro e menor diminuição da espessura do córtex. Estas áreas ainda sofreram atrofia, mas a um ritmo mais lento. »

Agora, 30 gramas de qualquer tipo de tratamento é uma dose imensa para se tomar! Uma aspirina inteira tem menos de metade de um grama de substância activa. Por isso, para ter 30 gramas de aspirina, teria que tomar quase cem comprimidos. Não tente fazer isto em casa!

Um novo design para um ensaio clínico

O estudo recentemente descrito propôs-se colmatar as limitações dos estudos anteriores. Em primeiro lugar, o estudo foi feito com pessoas em risco de desenvolver DH que não tinham ainda desenvolvido sintomas. Em segundo lugar, o estudo foi desenhado para que fosse administrado às pessoas uma dose crescente de creatina, até 30 gramas por dia (tomadas em duas doses de 15 gramas).

Uma característica singular deste ensaio foi a questão de autorizar que pessoas de famílias Huntington participassem no estudo sem serem primeiro testadas geneticamente para se confirmar se seriam portadoras da mutação. Os estudos anteriores na DH foram desenvolvidos com pessoas que apresentavam sintomas óbvios de DH ou com pessoas que realizaram o teste genético preditivo e sabiam ser portadoras da mutação.

No PRECREST, permitiu-se que participantes em risco de DH entrassem no estudo sem realizarem o teste genético preditivo para a mutação. Normalmente, as agências reguladoras são muito restritivas com a administração de medicamentos experimentais a controlos saudáveis, portanto este tipo de design é muito raro em ensaios clínicos.

Neste caso, porque a creatina é globalmente considerada um tratamento “seguro”, a comissão de ética aprovou o estudo. Parece pouco provável que este design de ensaio clínico possa ser replicado no futuro, quando se testarem mais medicamentos experimentais, tendo em conta os potenciais riscos existentes para pessoas que não têm a mutação da DH.

Quais foram os efeitos positivos?

O estudo seguiu os participantes durante 18 meses depois de começarem a tomar a dose elevada de creatina. Alguns participantes começaram a tomar creatina imediatamente, enquanto outros tomaram um placebo durante um ano e depois mudaram para creatina mais tarde no estudo.

Imagens cerebrais sugerem que doses elevadas de creatina se associam a um processo de atrofia do cérebro mais lento nos portadores da mutação da DH
Imagens cerebrais sugerem que doses elevadas de creatina se associam a um processo de atrofia do cérebro mais lento nos portadores da mutação da DH

No decorrer do estudo, os cientistas avaliaram os participantes à procura de alterações associadas com o facto de se ser portador de DH. A partir de observações de longo-prazo feitas a portadores da mutação da DH, sabemos que, mesmo antes de uma pessoa ser diagnosticada com DH, apresenta alterações de raciocínio e memória e na forma do cérebro.

Mais especificamente, determinadas regiões mais profundas do cérebro apresentam atrofia nos portadores da mutação da DH e a parte exterior enrugada do cérebro (o “córtex”) diminui a espessura. Os “cabos” longos que interligam as regiões do cérebro (a que os cientistas chamam “matéria branca”) parecem também estar alterados precocemente nos cérebros dos portadores da mutação da DH.

Após tomarem uma dose elevada de creatina durante 1-2 anos, os participantes com a mutação da DH exibiram uma atrofia mais lenta em regiões mais profundas do cérebro e menor diminuição de espessura do córtex. Estas áreas continuaram a sofrer atrofia, mas a um ritmo mais lento. Estes efeitos foram observados apenas nos portadores da mutação da DH e não nos indivíduos sem a mutação da DH que tomaram creatina.

Isto soa promissor, mas é importante questionar se esta alteração na atrofia é de facto uma prova de que o processo de doença foi atrasado. É possível que a creatina faça com que as células cerebrais com DH inchem ou dilatem, sem que as torne mais saudáveis. Uma dilatação deste tipo poderá criar um falso optimismo e pode mesmo ser nociva. Isto não é algo a que este ensaio possa responder de forma definitiva, já que os doentes não foram seguidos durante tempo suficiente para verificar se o tratamento com creatina atrasaria o início clínico dos sintomas.

Quais foram os efeitos nocivos?

Em qualquer estudo complexo como este, há boas e más notícias. Em primeiro lugar, uma proporção significativa dos indivíduos teve dificuldades em tomar doses elevadas de creatina diariamente, tendo experienciado problemas de estômago e outras complicações, embora nenhuma delas fosse grave.

As alterações de raciocínio e de desempenho de memória observadas em portadores da mutação da DH foram novamente observadas neste estudo. Quando comparados com as pessoas sem a mutação, os portadores tiveram mais dificuldades nos testes de memória e de raciocínio. Infelizmente, a administração de creatina não ajudou em nenhum destes problemas, apesar de, aparentemente, ajudar em termos da atrofia cerebral. É uma pena, porque faz com que seja impossível interpretar com confiança as imagens do cérebro.

De forma semelhante, os autores do estudo confirmaram que as pessoas portadoras da mutação da DH têm disrupções nas ligações entre regiões cerebrais. O suplemento de creatina não ajudou a melhorar esses problemas.

«As pessoas afectadas pela DH deverão começar a tomar doses elevadas de creatina com base neste estudo? Não. Não sabemos o que é que as alterações nas imagens cerebrais significam e pensamos que não é seguro concluir que a creatina atrasou a progressão da DH com base neste estudo PRECREST. »

Então, devemos tomar creatina?

Este estudo investigou uma ideia importante, relacionada com o facto de doses elevadas de suplementos de creatina poderem atrasar a progressão das alterações nas pessoas portadoras da mutação da DH. Várias alterações relacionadas com a atrofia cerebral foram melhoradas, mas as alterações observadas nas ligações cerebrais e na capacidade de raciocínio não melhoraram.

As pessoas afectadas pela DH deverão começar a tomar doses elevadas de creatina com base neste estudo? Não. Não sabemos o que é que as alterações nas imagens cerebrais significam e pensamos que não é seguro concluir que a creatina atrasou a progressão da DH com base neste estudo PRECREST. Mais ainda, tomar doses elevadas de creatina não é para todos, como se prova com os inúmeros efeitos secundários apresentados.

Está a decorrer um outro estudo com creatina, mais vasto, designado CREST-E. O CREST-E irá ajudar-nos a perceber o significado das imagens cerebrais e, mais especificamente, se os benefícios observados em relação à atrofia cerebral se associam a alterações nos sintomas dos portadores da mutação da DH.

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