Qual o significado da COVID-19 para as famílias com doença de Huntington e para a investigação na DH?
Actualização COVID-19: qual o significado para as famílias com Doença de Huntington, qual o impacto na investigação da DH e como alterou as formas de funcionamento da ciência?
Escrito por Dr Sarah Hernandez e Professor Ed Wild 07 de Abril de 2020 Editado por Dr Rachel Harding Traduzido por Filipa Júlio Publicado originalmente a 06 de Abril de 2020
A COVID-19, abreviatura para a doença coronavírus 2019, atingiu o mundo como uma tempestade em quase todos os sentidos - muitas pessoas foram infectadas pelo vírus SARS-CoV-2, gerou-se um pandemónio nos supermercados e muitas pessoas estão isoladas em casa. Mas, para além desta tempestade frenética, cientistas de todo o mundo estão a trabalhar incansavelmente para fazer avanços científicos a uma velocidade sem precedentes que permitam compreender o vírus e desenvolver um tratamento ou uma vacina. Como é que esta stiuação afecta a comunidade Huntington? E o que significa a COVID-19 para a investigação na doença de Huntington (DH)?
O que significa a COVID-19 para os doentes de Huntington e suas famílias?
Uma das perguntas-chave para a comunidade Huntington neste momento é: será que estou, ou será que o meu familiar está, numa situação de maior risco para a COVID-19 por causa da doença de Huntington? A resposta a esta questão é: depende. Ter a mutação genética que causa a DH, por si só, não faz com que alguém tenha maior ou menor susceptibilidade à COVID-19 em comparação com alguém que não tenha DH.
O que torna uma pessoa com DH mais susceptível à COVID-19 é ter qualquer uma das condições subjacentes que a possa colocar na categoria de “risco elevado”. Essas condições podem ser tão óbvias como ter asma ou ser fumador. Mas essas condições poderão também incluir pessoas com DH sintomática, já que sabemos que a deglutição, a remoção das secreções pulmunares e a compreensão das limitações podem estar deficitárias na DH.
Aqui poderão encontrar conselhos de várias organizações internacionais que lidam com a DH:
•https://www.hda.org.uk/getting-help/covid-19-information-advice
•https://hdsa.org/wp-content/uploads/2020/03/COVID-Statement-3-18-20-final.pdf
Para nos mantermos seguros e saudáveis, devemos todos continuar a fazer o que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda: lavar as mãos regularmente durante 20 segundos com água quente, limpar as superfícies com desinfectantes e praticar o distanciamento social. Distanciamento social significa contactar apenas com os elementos do seu conjunto familiar e só sair de casa para coisas essenciais, tal como ir para um trabalho essencial, fazer compras de alimentos ou ir buscar medicação à farmácia. Toda a gente deve estar também vigilante em relação aos sintomas da COVID-19, que incluem febre, tosse seca, falta de ar e fadiga.
«Ter a mutação genética que causa a DH, por si só, não faz com que alguém tenha maior ou menor susceptibilidade à COVID-19 em comparação com alguém que não tenha DH. O que torna uma pessoa com DH mais susceptível à COVID-19 é ter qualquer uma das condições subjacentes que a possa colocar na categoria de “risco elevado”. »
Alguns doentes de Huntington com um risco particular mais elevado podem ter que se isolar ainda com mais restrições. Deverá aconselhar-se junto de profisisonais de saúde se tiver preocupações sobre isso.
O que significa a COVID-19 para a investigação na DH?
Pediu-se a muitos cientistas que normalmente passam o dia inteiro no laboratório a estudar a DH que agora ficassem em casa, para que possam estar em isolamento social e manter-se seguros. Isto significa que a investigação relacionada com a DH vai abrandar durante esta pandemia. Uma grande preocupação é assegurar que amostras preciosas são mantidas de forma segura e que as experiências que tiveram que parar foram interrompidas de uma forma que permita que sejam reiniciadas quando for seguro voltar novamente aos laboratórios.
Embora os investigadores da DH possam não ir aos laboratórios diariamente, continuam a trabalhar arduamente para combater esta doença. Podem não estar a fazer experiências na bancada do laboratório, mas estão a ler artigos científicos para desenvolver a próxima ideia, estão a compilar dados para melhor compreenderem a DH e estão a escrever artigos para disseminarem pelo mundo aquilo que aprenderam. Os laboratórios podem estar mais silenciosos, mas os investigadores da doença de Huntington continuam a trabalhar esforçadamente na sua luta contra a DH.
E em relação aos ensaios clínicos?
Com os sistemas de saúde de muitos países totalmente voltados para a prestação de cuidados às pessoas com COVID-19, e com muitos médicos e enfermeiros desviados da investigação para a linha da frente dos cuidados, é inevitável haver um impacto para os ensaios clínicos na doença de Huntington. Contudo, todos os envolvidos estão a fazer tudo o que podem para minimizarem esse impacto e continuarem a desenvolver todas as actividades relacionadas com ensaios clínicos que conseguirem.
Na prática, o impacto irá variar bastante de centro para centro, e de ensaio clínico para ensaio clínico. Alguns centros de ensaios poderão estar ainda a recrutar novos doentes, enquanto muitos poderão ser forçados a parar o recrutamento de novos participantes e a focar-se nos cuidados continuados e dosagem de doentes já envolvidos no ensaio. Muitos centros irão provavelmente converter as visitas presenciais do ensaio em chamadas telefónicas ou adiar as visitas até ser seguro realizá-las de forma presencial.
As decisões em relação às actividades que poderão continuar a ser realizadas são largamente tomadas a nível local, pelos hospitais e pelos órgãos governamentais regionais e nacionais que dirigem os recursos de saúde. Os promotores dos ensaios (companhias farmacêuticas como a Wave, a Roche e a UniQure) financiam, apoiam e organizam os ensaios clínicos. Até agora, todos os promotores de ensaios que contactámos indicaram que continuam comprometidos com o desenvolvimento e finalização dos ensaios, apesar das interrupções que a pandemia viral poderá causar.
Poderá ser necessário fazer algumas modificações mais tarde, para compensar os ensaios que foram interrompidos de forma inesperada. Por exemplo, poderão ter que tratar os doentes durante mais tempo ou recrutar doentes adicionais para compensar o tempo perdido. Posteriormente, as agências reguladoras como a FDA - Food and Drug Administration poderão ter que ser mais flexíveis quando analisarem os dados de ensaios clínicos com níveis mais elevados de informação em falta. Com um desconhecimento tão grande em relação à duração do impacto da COVID-19, é difícil ser mais específico, mas as pessoas inteligentes que inventaram esta nova geração de fármacos para a DH e que os trouxeram para os ensaios clínicos, estão agora a trabalhar a tempo inteiro para manter esses ensaios a decorrer tão bem quanto for humanamente possível.
Será que há um rasto de luz nesta pandemia?
A ciência, a investigação e as políticas públicas informadas pela ciência e não pela superstição, são a chave para que a humanidade consiga ultrapassar esta crise. Este desafio já alterou para melhor a investigação científica, de formas bastante fundamentais, que poderão trazer benefícios que perdurarão muito depois de a COVID-19 ser apenas uma recordação infeliz.
Num espaço de tempo muito curto, os cientistas de todo o mundo uniram-se para estudar o vírus e partilhar os seus resultados para benefício de todos. O número de publicações científicas sobre a COVID-19 está a aumentar de forma dramática semana após semana.
Num esforço para aumentar a velocidade da investigação sobre a COVID-19, quase todas as publicações científicas são agora de acesso livre, o que significa que estão disponíveis a todos de forma gratuita - pelo menos por enquanto. Pode ver a quantidade de trabalho que está a ser feito para compreender e combater a COVID-19 no site LitCovid (e pode ler tudo o que quiser!): https://www.ncbi.nlm.nih.gov/research/coronavirus/
«Embora os investigadores da DH possam não ir aos laboratórios diariamente, continuam a trabalhar arduamente para combater esta doença. »
A investigação já nos disse muito acerca do vírus. Sabemos que pode ser transmitido de pessoa para pessoa, quer através do contacto directo com alguém que tenha o vírus, quer através do contacto com gotículas produzidas por alguém que tem o vírus, pelo espirro ou pela tosse - de forma semelhante à transmissão da gripe. Contudo, a COVID-19 é diferente da gripe de muitas maneiras - é muito mais fatal, não temos actualmente qualquer vacina para a combater, e é causada por um novo vírus, pelo que ainda temos muito a aprender sobre ele.
A apresentação de sintomas de COVID-19 pode demorar até 14 dias após a exposição ao SARS-CoV-2, por isso é que muitos médicos recomendam um período de isolamento de 14 dias. No entanto, estamos agora a aprender que uma parte da população pode permanecer assintomática. Isto significa que não apresentam sintomas, mas têm o vírus e podem transmiti-lo às outras pessoas. Na verdade, a percentagem da população que permanece assintomática pode ser tão elevada quanto 20 a 30%! É por isso que o distanciamento social e o ficar em casa sempre que possível são essenciais para não espalhar o vírus - sem uma testagem generalizada, não sabemos realmente quem tem e quem não tem o vírus, por isso o isolamento é a chave para permancer saudável.
Desenvolvimento impressionante de ensaios clínicos
Muitos elementos da comunidade Huntington já estão em situação de vantagem na compreensão da importância dos ensaios clínicos para determinar a segurança e a função dos fármacos antes de serem distribuídos de forma generalizada. Isso é algo que os doentes de Huntington e as suas famílias estão a aprender em primeira mão com o ensaio clínico de fase III Roche Tominersen (anteriormente designado Ionis-HTTRx e RG6042) e isso é algo que também terá que ser feito, de uma forma acelerada, para qualquer fármaco utilizado no combate à COVID-19.
Na COVID-19, os investigadores estão a tentar começar num patamar mais acima, reaproveitando fármacos que já foram aprovados pela FDA para outras doenças mas que poderão ter um uso alternativo para ajudar os doentes com COVID-19. Como já foram aprovados e já estão no mercado, já passaram pelos ensaios de segurança, fazendo com que seja mais rápida a sua utilização.
A OMS - Organização Mundial de Saúde deu prioridade a 4 destes fármacos ou combinações de fármacos, que considera terem maior probabilidade de resultar contra a COVID-19, e estabeleceu um ensaio global para determinar a eficácia destes fármacos, o SOLIDARITY - um nome apropriado para um esforço global desenvolvido para enfrentar este vírus.
O Remdesivir é um fármaco que previne a replicação viral, o que significa que impede que o vírus aumente em termos numéricos. Foi inicialmente desenhado para combater o vírus Ébola e mostrou ser promissor na COVID-19. O fármaco que tem chamado mais a atenção, pelo menos nos Estados Unidos, é a Cloroquina, um derivado da Hidroxicloroquina. Apesar de muitas pessoas se manterem avidamente optimistas em relação a este fármaco, este tem limitações e precisa ainda de ser testado. O terceiro fármaco é uma combinação de Ritonavir e Lopinavir, que foi aprovado no tratamento de infecções por VIH. O último fármaco é a mesma combinação de Ritonavir e Lopinavir, com a adição de Interferão-beta. O Interferão-beta ajuda a regular a inflamação e mostrou ser promissor no tratamento de uma outra doença viral, a Síndrome Respiratória do Médio Oriente (MERS-CoV).
Isto também vai passar
Este vírus trouxe sem dúvida tempos stressantes e assustadores para o mundo inteiro, mas também trouxe algumas luzes. E, quando a pandemia acabar por desaparecer, ficaremos com o seu rasto de luz. Muitas pessoas conseguiram passar mais tempo em casa com os seus, mesmo que isso signifique estarem com um computador ao colo. Estão a ser feitas descobertas científicas a uma velocidade estonteante à medida que a comunidade mundial de investigadores se junta para enfrentar um objectivo comum. E, por último, mas não menos importante, os cães de todo o mundo estão super contentes com o facto dos seus amigos de duas pernas passarem todas as noites em casa. Por isso, mantenham-se seguros e saudáveis, porque também isto vai passar.