Jeff CarrollEscrito por Dr Jeff Carroll e Dr Rachel Harding Traduzido por Filipa Júlio Editado por Dr Leora Fox

Foram hoje divulgadas notícias muito tristes, com a Roche e a Ionis a declarar que o estudo com ASOs que estão a desenvolver em larga escala na doença de Huntington foi interrompido precocemente. É importante indicar que, até agora, não surgiram novas preocupações com a segurança do fármaco, mas que, apesar disso, o ensaio foi interrompido prematuramente. O que é que isto significa e para onde vamos a partir daqui?

Contextualização - o que é que este ensaio estava a fazer?

A Roche e a Ionis desenvolveram o tominersen, que é um tipo de fármaco chamado oligonucleótido antisenso, mais frequentemente designado como ASO. As terapias com ASOs são capazes de reduzir os níveis de moléculas de proteínas específicas, interferindo com a mensagem genética que normalmente diz às células do nosso corpo para produzirem determinada proteína. No caso do tominersen, este fármaco ASO interfere com a mensagem genética da proteína huntingtina. O tratamento com tominersen reduz os níveis das duas versões da proteína huntingtina, a normal e a ligada à doença de Huntington.

Este não é o primeiro ensaio clínico com tominersen. Antes de chegar a este estudo de fase III, o tominersen foi primeiro testado num ensaio de fase I/II, em que se avaliou a sua segurança e se demonstrou ser capaz de reduzir os níveis da proteína huntingtina em doentes com Huntington. O objectivo do actual ensaio clínico de fase III, também designado como ensaio GENERATION-HD1, foi o de perceber se o tominersen era eficaz não só a reduzir a proteína huntingtina num grupo alargado de doentes, mas também se ajudava a melhorar os sinais de DH em doentes com sintomas.

O que aconteceu?

A 22 de Março de 2021, um comunicado de imprensa da Roche revelou que o estudo de fase III do fármaco tominersen tinha sido interrompido por recomendação de um Comité Independente de Monitorização de Dados (iDMC). Este comité é constituído por um grupo de especialistas independentes que tem estado a monitorizar os dados do estudo desde o seu início.

Estes comités de monitorização de dados têm um papel muito importante nos ensaios clínicos - a sua função é a de agirem como um elemento neutro na avaliação dos dados resultantes do ensaio, sem que tenham qualquer interesse no resultado do estudo. Assim, em termos do desenho do ensaio, estes comités estão totalmente separados dos doentes, dos médicos e das companhias farmacêuticas que promovem o desenvolvimento do estudo. A sua única função é a de monitorizar o ensaio periodicamente para determinar se este deve ou não continuar.

Em geral, estes comités colocam dois tipos de questões - primeiro, surgiram algumas preocupações de segurança inesperadas? Se, por exemplo, todas as pessoas que estivessem a receber um fármaco começassem a apresentar sintomas esquisitos, este comité notaria isso e ordenaria que o ensaio fosse interrompido. Em segundo lugar, estes comités podem determinar se será muito improvável que os ensaios clínicos que estão a decorrer possam trazer benefícios para os doentes que neles participam.

Por exemplo, alguns estudos prévios de diferentes fármacos para a DH foram interrompidos por este tipo de análise inicial, porque os dados sugeriam que era extremamente improvável que os doentes beneficiassem com o fármaco. Se os sintomas de DH dos participantes não estão claramente a melhorar, então o cálculo do risco/benefício para administrar fármacos experimentais às pessoas é alterado e poderá não valer a pena continuar o ensaio.

O que sabemos?

Aquilo que sabemos é muito limitado, o que é importante ter em mente durante as próximas semanas e meses. Todos os factos importantes que soubemos pelo comunicado de imprensa resumem-se a poucas frases:

“A decisão baseou-se nos resultados de uma revisão pré-planeada dos dados do estudo de Fase III levada a cabo por um Comité Independente de Monitorização de Dados (iDMC) não-cego. O iDMC fez a sua recomendação baseando-se no perfil de potencial benefício/risco da terapia investigacional para os participantes do estudo. Não foram identificados problemas de segurança novos ou emergentes para o tominersen na revisão dos dados obtidos neste estudo.”

Isto diz-nos algumas coisas. Primeiro, que não existem “sinais de segurança” novos - o que significa que não há resultados médicos negativos para as pessoas envolvidas neste ensaio. Se tivessem existido, por exemplo, ataques cardíacos súbitos em doentes que estivessem a receber o fármaco (o que não aconteceu!!), este comunicado de imprensa teria que nos dizer isso. Assim, felizmente para as famílias que participam no estudo, não há até agora qualquer sinal de aparecimento de novos sintomas preocupantes.

Segundo, o comunicado de imprensa diz que decidiram interromper o ensaio por causa “do perfil de potencial benefício/risco da terapia investigacional para os participantes do estudo.” Assim, como é que o perfil de benefício/risco pode ter mudado se não existiram novos sintomas assustadores? A questão chave é - não sabemos ainda. Contudo, hipoteticamente, pode ter acontecido que o fármaco tenha agravado os sintomas de DH. Ou, hipoteticamente, pode ser que o fármaco apenas não melhore os sintomas de DH de uma forma que seja óbvia para alguém que tenha acesso a todos os dados do estudo e, por isso, não vale a pena assumir o risco de expôr as pessoas a um novo fármaco porque os benefícios não são claros.

É importante notar - nem mesmo os investigadores da Roche e da Ionis sabem neste momento qual é a resposta para estas questões hipotéticas. Quando este tipo de coisas acontece, os comités independentes têm que tomar decisões e informar toda a gente ao mesmo tempo. Assim, até ver outra história do HDBuzz acerca disto, desligue de todos os ruídos que possam existir à volta destes resultados - há uma grande quantidade de coisas que simplesmente não sabemos.

O que não sabemos e quando o iremos saber?

Porque é que recebemos este comunicado de imprensa críptico sobre algo tão importante? Infelizmente, quando os ensaios clínicos são interrompidos desta forma, existe um comunicado de imprensa que é divulgado mal as companhias têm conhecimento destas notícias. Isto é feito com um objectivo duplo - para que a comunidade dos doentes possa ser informada e para prevenir desonestidades como algumas pessoas terem essa informação e começarem a vender as suas acções da bolsa, e outros comportamentos menos apropriados.

Como exemplo, depois das notícias de hoje, as acções da Ionis caíram quase 19% na Bolsa, o que representa perdas de mais de mil milhões de dólares. Nas mãos erradas, o acesso antecipado a esta informação poderia ter sido mal utilizado.

Para a comunidade de doentes, isto significa que quando ouvimos más notícias como esta, há sempre um tempo de espera desconcertante entre este aviso inicial de que algo não correu bem e o conhecimento acerca dos detalhes do que realmente aconteceu. Isto é incrivelmente frustrante, mas é o que acontece quando ouvimos coisas deste tipo.

A redução da HTT é uma má ideia?

É provável que haja muitos debates - e com razão - sobre se a redução da proteína huntingtina é uma má ideia. Com base em todos os conhecimentos científicos que tínhamos no momento, acreditávamos que devíamos fazer este ensaio clínico. E temos agora um incrível novo ponto-de-partida, que é sabermos que podemos reduzir a proteína huntingtina nos doentes de Huntington. Assim, quando desenharmos os próximos ensaios clínicos - e vão existir mais ensaios clínicos - não vamos voltar à estaca zero, mas antes partimos de um ponto em que sabemos que é possível reduzir a huntingtina dos doentes.

E a seguir?

Até vermos os dados, não é possível prever o que irá acontecer a seguir. Mas aqui ficam algumas ideias que certamente irão ser debatidas: Primeiro, será que devemos tentar tratar os doentes de Huntington mais cedo, antes de terem sintomas mais avançados? Segundo, será que devemos tentar reduzir apenas a proteína huntingtina mutada (como a companhia Wave Life Sciences está a tentar fazer nos estudos que estão a decorrer)? Terceiro, será que devemos tentar reduzir a huntingtina numa maior ou menor quantidade em relação ao que tentámos neste ensaio? Pode apostar que as pessoas da Ionis e da Roche estão a falar sobre isto neste momento, tal como outros cientistas ligados à doença de Huntington por todo o mundo.

Gratidão para com os doentes, médicos e companhias

Este ensaio foi um enorme empreendimento. Os doentes de Huntington que se voluntariaram para estes ensaios iniciais serão sempre heróis da doença de Huntington que correram pessoalmente um risco significativo em prol de toda a comunidade Huntington. Os investigadores de laboratórios de ciências básicas, quer da Ionis, quer da Roche, trabalharam incansavelmente para desenhar o melhor fármaco possível para ser testado. E todas as pessoas que trabalharam nas clínicas de todo o mundo para testar o fármaco esforçaram-se enormemente para ver se o fármaco funcionava. Todos os envolvidos - famílias, cientistas e médicos - queriam outro resultado final, mas simplesmente não o conseguimos obter desta vez.

Daqui para a frente

Não há qualquer dúvida sobre isso - é um dia triste para a comunidade Huntington. O HDBuzz está a sentir-se triste e desapontado como todos vós. Mas este ensaio foi implementado de uma forma que nos irá ajudar a compreender melhor como devemos desenhar o próximo ensaio e o que iremos aprender deste contratempo será incrivelmente informativo para a comunidade mundial que investiga a doença de Huntington. E esta comunidade - tanto as famílias, como os cientistas - provou que se conseguem fazer coisas difíceis trabalhando em conjunto, por isso vamos recompor-nos e fazer isso novamente. E vamos continuar a fazê-lo até que a DH deixe de ser uma ameaça para nós e para aqueles que nos são queridos.

A Dra. Leora Fox trabalha na Huntington's Disease Society of America, que mantém relações e acordos de confidencialidade com companhias farmacêuticas, incluindo a Roche. A Dr. Rachel Harding e o Dr. Jeff Carroll não têm conflitos de interesse a declarar. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...