Sarah HernandezEscrito por Dr Sarah Hernandez Editado por Dr Rachel Harding e Dr Tamara Maiuri Traduzido por Madalena Esteves

Disclaimer: Escrevi este artigo a partir de uma posição de privilégio - como membro de uma família com DH que teve a sorte de receber uma educação que me permite compreender profundamente as nuances da doença de Huntington. Sei o que significa não só a nível biológico, mas também a nível familiar. Estou profundamente consciente do desejo de ter um medicamento que modifique a doença. Mas as minhas esperanças são temperadas através da lente privilegiada da compreensão de dados científicos complexos e da sua interpretação. Aqui, relato factos e a minha opinião sobre esses factos, sem qualquer interesse em qualquer abordagem terapêutica específica. Se a Prilenia considerar que foram cometidos erros, convidamo-la a contactar-nos e as correcções factuais serão feitas com todo o gosto.

Recentemente, foram publicados alguns comunicados de imprensa da Prilenia Therapeutics sobre o avanço do medicamento pridopidina no sentido da aprovação regulamentar para o tratamento da doença de Huntington (DH). Também tem havido mensagens contraditórias sobre os resultados dos ensaios clínicos da pridopidina e declarações feitas pela empresa. Vamos analisar o que a investigação realmente diz e o que os recentes comunicados de imprensa significam no panorama geral.

Ensaio MermaiHD

A pridopidina foi testada em mais ensaios do que qualquer outro medicamento que esteja a ser investigado para a DH. Infelizmente, todos esses ensaios têm sido negativos até à data.
A pridopidina foi testada em mais ensaios do que qualquer outro medicamento que esteja a ser investigado para a DH. Infelizmente, todos esses ensaios têm sido negativos até à data.

Já escrevemos anteriormente sobre o longo e histórico percurso da pridopidina. Foi testada numa série de ensaios clínicos diferentes, por algumas empresas diferentes. Ao longo dos anos, a utilização da pridopidina foi-se alterando. Pensava-se que tinha utilidade para ajudar a regular os movimentos associados à DH, mas agora está a ser testada para potencialmente retardar o curso da doença.

Em 2008, a pridopidina (anteriormente denominada Huntexil) foi testada num ensaio europeu de fase 2 denominado MermaiHD. Nessa altura, a empresa responsável pelo ensaio, a NeuroSearch, pensou que o medicamento poderia ser utilizado para ajudar nas alterações do controlo do movimento causadas pela DH.

Especificamente, pensavam que o medicamento poderia ajudar as pessoas a controlar os seus movimentos voluntários que se tornam mais rígidos à medida que a DH progride. Embora as pessoas que tomaram pridopidina tenham tido ligeiras melhorias no controlo dos movimentos, o efeito não foi suficientemente grande para determinar que foi causado pela pridopidina e o ensaio não atingiu os seus objectivos finais.

Ensaio HART

Na mesma altura, a NeuroSearch também realizou o estudo HART na América. Mais uma vez, neste estudo, não se registou uma melhoria conclusiva nos movimentos voluntários associados à rigidez.

Após o estudo HART, os dados foram agrupados com o estudo MermaidHD e verificou-se que, com este conjunto de dados combinados, parece ter havido uma melhoria nos movimentos voluntários. No entanto, tanto a FDA dos EUA como a EMA europeia determinaram que era necessário um ensaio maior para concluir que efeito a pridopidina estava realmente a ter nas alterações de movimento associadas à DH.

Ensaio PRIDE-HD

Depois disto, os direitos e a propriedade do medicamento mudaram de mãos. Os novos proprietários, a Teva Pharmaceuticals, queriam testar se era necessária uma dose mais elevada de pridopidina para ver um efeito positivo nos movimentos da DH. Entra o ensaio de 2013 denominado PRIDE-HD

No PRIDE-HD, um dos principais objectivos era ver se a pridopidina podia melhorar a pontuação motora total - um conjunto robusto de testes que atribuem um valor numérico aos sintomas de movimento associados à DH. Infelizmente, mais uma vez, a pridopidina não conseguiu atingir o seu objetivo primário e não mostrou uma melhoria na pontuação motora total.

Uma mudança de direção

Nessa altura, os cientistas voltaram pararam para tentar compreender melhor o medicamento. Fizeram mais experiências e, quando chegaram ao fim, tinham um novo modelo de como a pridopidina poderia melhorar a saúde do cérebro.

Agora, a ideia era que a pridopidina poderia não só controlar os movimentos associados à DH, mas também modificar a evolução da doença. Isto significaria que a pridopidina não está apenas a tratar os sintomas da DH, mas está a tratar a própria doença - uma enorme diferença.

Novo objetivo para o PRIDE-HD

Com esta nova teoria, os responsáveis pelo desenvolvimento do medicamento acrescentaram alguns novos objectivos a meio do estudo PRIDE-HD. O objetivo primário de testar o movimento era o mesmo, e não foi atingido, mas acrescentaram também um segundo teste - a capacidade funcional total, ou TFC.

«As pessoas que tomaram pridopidina no ensaio PROOF-HD não mostraram qualquer melhoria no funcionamento do dia a dia, conforme medido pela TFC. Mais uma vez, um ensaio negativo para a pridopidina. »

A TFC é medida através de uma coleção de testes que determinam a capacidade de uma pessoa funcionar no dia a dia. Coisas como a capacidade de manter um emprego, gerir as finanças e realizar tarefas domésticas. Estas capacidades diminuem com a progressão da DH.

Então, a pridopidina melhorou a TFC no estudo PRIDE-HD? Mais ou menos. Das 4 doses testadas, apenas a dose mais baixa mostrou melhorias na escala TFC. Estes resultados foram inconsistentes, a TFC não era um objetivo primário do ensaio e não havia dados suficientes para tirar uma conclusão definitiva - por isso, para que o medicamento tenha hipóteses de ser autorizado, seria necessário outro ensaio.

Foram tiradas grandes conclusões - demasiado grandes

Apesar destes resultados inconsistentes, a Teva interpretou os resultados do PRIDE-HD como significando que o medicamento estava a abrandar a progressão da DH. Esta foi uma grande mensagem para os dados que foram gerados. (https://en.hdbuzz.net/227) Esta conclusão não pode ser fundamentada com os resultados deste ensaio.

Porquê? É importante compreender que a melhoria ou estabilização da TFC não significa necessariamente que algo tenha abrandado a progressão da DH. Por exemplo, um tratamento bem sucedido da depressão numa pessoa com DH pode permitir-lhe retomar o trabalho, melhorando a TFC dessa pessoa em 1 ou 2 pontos - mas não porque a progressão subjacente da doença tenha sido retardada.

Para ser clara, um medicamento que melhore a capacidade de funcionamento das pessoas com DH seria fantástico. E um medicamento que abrande a progressão da DH seria super fantástico! Mas há uma distinção clara entre estes dois factores.

As melhorias na função não podem ser diretamente interpretadas como um abrandamento da progressão da DH - isso requer provas muito mais sólidas, a partir de medidas diretas como exames de ressonância magnética ou biomarcadores que nos possam dizer se algo resgatou células cerebrais, ou a partir de melhorias a muito mais longo prazo nos sintomas.

Ensaio PROOF-HD

Após os resultados do PRIDE-HD, a pridopidina mudou de mãos novamente, desta vez para a Prilenia Therapeutics. Foi iniciado outro ensaio para testar a capacidade da pridopidina para modificar a evolução da doença na DH. Este novo ensaio de Fase 3 começou em 2020 com o nome PROOF-HD.

Desta vez, o objetivo primário foi a TFC, que não foi atingido. As pessoas que tomaram pridopidina no ensaio PROOF-HD não mostraram qualquer melhoria no funcionamento do dia a dia, conforme medido pela TFC. Mais uma vez, um ensaio negativo para a pridopidina. O ensaio também não atingiu o seu objetivo secundário, uma avaliação global da gravidade da DH denominada Escala de Avaliação Unificada da Doença de Huntington (cUHDRS).

No entanto, seria difícil compreender este facto, com base nas manchetes sobre o ensaio PROOF-HD. Mais uma vez, houve interpretações controversas que apresentaram o PROOF-HD como um sucesso.

Interações medicamentosas

Resultados anteriores sugeriram uma interação entre a pridopidina e os medicamentos que reduzem a atividade da dopamina no cérebro. A dopamina é uma substância química que ajuda a controlar o movimento, a memória e o humor. A interação entre a pridopidina e estes fármacos que alteram a dopamina talvez não seja surpreendente, dado que a pridopidina foi originalmente concebida para alterar a atividade da dopamina para ajudar nos movimentos da DH.

Os fármacos que reduzem a atividade da dopamina na DH incluem medicamentos de uso corrente como a tetrabenazina para a coreia, ou fármacos “neurolépticos” como a olanzapina e a risperidona, que são utilizados para ajudar a controlar alguns dos sintomas mais difíceis da DH como a agressividade, impulsividade, paranoia, delírios ou suicídio. Os médicos não prescrevem estes medicamentos de ânimo leve e fazem-no frequentemente para reduzir o risco de uma pessoa com DH se magoar a si própria ou a outros.

No HDBuzz, sentimos que há um dever de transmitir com exatidão os resultados dos ensaios clínicos à comunidade que mais arrisca esses resultados - os doentes de DH e as suas famílias.
No HDBuzz, sentimos que há um dever de transmitir com exatidão os resultados dos ensaios clínicos à comunidade que mais arrisca esses resultados - os doentes de DH e as suas famílias.

A Prilenia decidiu, antecipadamente, fazer uma “análise de subgrupo” dos resultados do ensaio PROOF-HD em pessoas que não estavam a tomar nenhum destes medicamentos que alteram a dopamina. Este grupo tinha apenas 79 pessoas com DH, em comparação com a população total do ensaio, que era de 499 pessoas com DH. Relataram que este subgrupo beneficiou do tratamento na cUHDRS e numa medida de cognição, mas não na TFC.

Uma narrativa preocupante

Sobre o medicamento, o CEO da Prilenia, Dr. Michael Hayden, é citado como tendo dito: “A pridopidina proporcionou benefícios consistentes de eficácia em várias medidas-chave da DH”. Nós, no HDBuzz, não concordamos que os dados recolhidos até à data apoiem esta interpretação.

A pridopidina foi testada em mais ensaios do que qualquer outro medicamento no panorama da DH e, de forma consistente, não conseguiu obter os benefícios previstos pelas empresas que realizaram os ensaios. As melhorias aparentes observadas num aspeto da DH não foram replicadas quando testadas em ensaios subsequentes.

E se for verdade que a pridopidina funciona em pessoas que não estão a tomar neurolépticos? Isso seria uma boa notícia! Mas para fazer esta afirmação e fazer com que as agências reguladoras acreditem nela, seria geralmente necessário outro ensaio clínico, centrado exclusivamente neste grupo e com um número suficiente de pessoas para testar isto de forma robusta. Esta é uma hipótese científica válida e é razoável testá-la com um ensaio deste género.

No entanto, não é isso que a Prilenia está a planear.

Ficámos preocupados com um anúncio de um recente resumo de um poster não revisto por pares apoiado pela Prilenia em que os autores afirmavam mostrar ligações entre o tratamento com neurolépticos e a progressão da DH. Isto é algo muito difícil de provar com os dados e estatísticas existentes, uma vez que os neurolépticos são geralmente administrados a pessoas cujos sintomas da DH são piores, ou cuja DH está a progredir mais rapidamente.

É certamente importante estudar a forma como os diferentes medicamentos podem afetar a progressão da DH. Mas quando uma empresa, cujo medicamento não aprovado pode depender do facto de as pessoas não tomarem neurolépticos, começa a apoiar a investigação sobre se os neurolépticos podem ser maus para as pessoas com DH, preocupamo-nos com as conclusões que as famílias com DH podem tirar e preocupamo-nos especialmente com o facto de as pessoas deixarem de tomar medicamentos que as protegem de se magoarem a elas próprias e aos outros.

Esperança vs. propaganda

No HDBuzz, estamos menos preocupados com a ciência em torno da pridopidina - em todos os ensaios, os resultados são o que se obtém, e continuar a testar teorias com base nesses resultados é razoável, se o promotor achar que há um efeito real a ser encontrado num determinado grupo de pessoas. Este processo é o que precisa de ser feito até conseguirmos melhores medicamentos para a DH.

O que nos preocupa é a mensagem que está a ser transmitida sobre a pridopidina, minimizando as grandes coisas que não conseguiu fazer e enfatizando os resultados menos convincentes em subgrupos ou parâmetros individuais. Preocupa-nos que as pessoas de famílias com DH - famílias como a minha - possam acabar por ficar com uma impressão muito mais favorável do que a justificada de que a pridopidina é o primeiro medicamento para abrandar a doença na DH. Infelizmente, até à data, todas as provas não apoiam essa esperança.

A esperança de que um medicamento funcione é útil - mas apenas quando essa esperança é baseada na verdade.

Queremos que as pessoas das famílias com DH participem em ensaios de medicamentos com boas hipóteses de resultar. Medicamentos que têm um forte raciocínio científico e provas sólidas para apoiar o facto de se pedir às pessoas e às famílias que façam o sacrifício de tempo, esforço e risco.

Temos o direito de esperar que os resultados dos ensaios sejam apresentados de forma clara e compreensível. Os ensaios que não atingem os seus resultados não devem ser apresentados como positivos, e as empresas com interesses instalados devem ser extremamente cuidadosas ao comentar a forma como os médicos da DH e os seus doentes escolhem entre as opções de tratamento atualmente disponíveis.

«O que nos preocupa é a mensagem que está a ser transmitida sobre a pridopidina, minimizando as grandes coisas que não conseguiu fazer e enfatizando os resultados menos convincentes em subgrupos ou parâmetros individuais. »

Conseguir que um pedido seja aceite para análise

Mais recentemente, ouvimos notícias da Prilenia sobre o avanço da pridopidina através da agência reguladora europeia, a EMA. O seu recente comunicado de imprensa intitulado “A pridopidina da Prilenia para a doença de Huntington foi aceite para revisão da autorização de introdução no mercado europeu” é notável pela utilização da palavra “aceite” consideravelmente mais cedo que a palavra “revisão”.

O que o comunicado de imprensa realmente diz é que a Prilenia reuniu a documentação para pedir à EMA que considere os resultados da pridopidina até à data, e a EMA aceitou a apresentação do seu pedido.

A aceitação de pedidos para consideração é um processo pelo qual passam todos os medicamentos aprovados. Mas é também um processo pelo qual passam todos os medicamentos recusados. Candidatar-se a uma universidade é muito diferente de ser aceite. Fomos informados de forma fiável por um perito familiarizado com os procedimentos da EMA que este passo não é assim tão importante.

Na maior parte das vezes, não ouvimos falar de quando as empresas passam por estas pequenas etapas. Geralmente, não são emitidos comunicados de imprensa para estas etapas comuns ao longo do processo regulamentar. Embora seja muito bom que a Prilenia esteja a garantir que a comunidade da DH receba actualizações regulares sobre o ponto em que se encontra na cadeia regulamentar, queremos ter a certeza de que as notícias não estão a causar um entusiasmo indevido. Estamos mais interessados em ver os resultados completos e revistos por pares do ensaio PROOF-HD numa revista científica.

O que sabemos

A pridopidina foi testada em vários ensaios clínicos com vários objectivos primários, todos os quais, infelizmente, não foram atingidos. Independentemente das mensagens que estão a ser divulgadas pela Prilenia, até agora a pridopidina produziu resultados negativos em todos os principais objetivos em todos os ensaios. Ponto final.

Não estamos minimamente satisfeitos com isto: adoramos medicamentos que funcionam e adoramos ensaios que o provam. Até gostamos de ensaios negativos - quando os resultados são apresentados de forma clara, sem rodeios, e dão um caminho cientificamente fundamentado para o futuro, quer seja planear outro ensaio ou desistir.

O objetivo da utilização pretendida da pridopidina continua a mudar: de controlar os movimentos, para modificar a evolução da doença, para modificar a evolução da doença em pessoas que não tomam neurolépticos. É fantástico que a Prilenia continue a estudar a pridopidina no laboratório! É do interesse de todos que os investigadores compreendam os medicamentos do maior número possível de ângulos. No entanto, temos de garantir que o objetivo de utilização de um medicamento é demonstrado através de resultados positivos de ensaios clínicos.

Foi apresentado um pedido à EMA para apreciação. Até à data, isto não significa muito. Foi apresentado um pedido. Será analisado.

Procura da verdade

Os cientistas procuram a verdade. No HDBuzz, acreditamos que os investigadores têm o dever de transmitir com exatidão as descobertas científicas às comunidades de doentes que procuram respostas para uma cura. Procuram a verdade.

Se a esperança de que um medicamento funcione se torna tão cega que se transforma em propaganda, algo correu mal. Os resultados dos ensaios clínicos, por definição, não são subjectivos. A comunicação dos resultados também não deve ser subjectiva. A mensagem é importante. As manchetes são importantes. Garantir que a comunidade de doentes recebe e compreende a verdade completa e equilibrada importa.

A equipa do HDBuzz espera sinceramente que a pridopidina cumpra tudo o que a Prilenia diz que faz, e muito mais! Todos nós queremos um medicamento que faça uma diferença positiva para as pessoas com DH, mas, neste momento, só existem dados de 79 pessoas para apoiar o avanço deste medicamento. Na nossa opinião, isso não é suficiente para a aprovação regulamentar - o tempo dirá se os reguladores têm a mesma opinião ou se são persuadidos do contrário.

Até lá, o HDBuzz estará aqui para relatar a verdade e separar a esperança da propaganda. Lamentamos se a nossa opinião for dececionante, mas não pedimos desculpa por manter a abertura, a franqueza e a ciência no centro das nossas reportagens.

Os autores não têm qualquer conflito de interesses a declarar. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...



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