Atualização provisória da Vico Therapeutics sobre o seu medicamento VO659 que visa a repetição CAG
A Vico Therapeutics partilhou dados provisórios sobre o seu medicamento, VO659, que tem como alvo a expansão CAG que causa várias doenças genéticas, incluindo #DoençadeHuntington e #AtaxiaEspinocerebelar
Escrito por Dr Rachel Harding 18 de Março de 2025 Editado por Dr Sarah Hernandez Traduzido por Madalena Esteves Publicado originalmente a 09 de Dezembro de 2024
A Vico Therapeutics apresentou-se recentemente em várias conferências para partilhar uma atualização provisória do seu ensaio clínico de Fase 1/2a que testa o seu medicamento VO659, que tem como alvo os C-A-Gs repetitivos em pessoas com doença de Huntington (DH). Estes dados sugerem que o VO659 pode ser capaz de reduzir os níveis da proteína tóxica da DH no pequeno grupo de participantes testados até à data e fornecem informações sobre a segurança. Mas como é que o VO659 funciona e qual é a diferença entre a abordagem da Vico e a de outras empresas? Vamos a isso.
Demasiadas repetições C-A-G são a causa da DH
No código genético de cada pessoa, existem 2 cópias de um gene chamado Huntingtina, frequentemente abreviado para HTT. Perto do início do código do gene HTT, há letras repetidas de ADN C-A-G. Nas pessoas que não têm DH, ambas as cópias do gene terão menos de 35 C-A-G repetidos numa fila.

No entanto, as pessoas com DH terão mais de 35 repetições C-A-G, normalmente apenas numa das cópias do seu gene HTT. Esta expansão dos C-A-Gs no ADN é a causa genética da DH.
O nosso ADN é como um livro de receitas para as moléculas que constituem as células do nosso corpo. A maquinaria da nossa célula copia cuidadosamente cada receita numa molécula de mensagem que pode depois ser usada como modelo para fazer a molécula da proteína que está a codificar.
O gene HTT é a receita de ADN que codifica a molécula de proteína HTT. Assim, se o ADN codifica uma expansão C-A-G, também veremos esta expansão na cópia da molécula mensagem e na proteína.
VO659 - um medicamento para combater as repetições
O VO659 é um tipo de medicamento chamado oligonucleótido anti-sense ou ASO, desenvolvido pela empresa holandesa Vico Therapeutics. O VO659 é administrado por injeção na coluna vertebral, de modo a poder propagar-se através do sistema nervoso até ao cérebro.
Os ASOs são concebidos para se ligarem especificamente a certos tipos de moléculas de mensagens genéticas, o que faz com que sejam enviadas para o caixote do lixo das células. Sem a molécula de mensagem, a molécula da proteína que codifica não pode ser produzida, pelo que o nível desta proteína diminui.
O VO659 foi concebido para atingir cadeias longas de C-A-Gs repetidas em moléculas de mensagens genéticas, como a que se encontra na mensagem HTT expandida nas pessoas com DH. Isto significa que o tratamento com VO659 deverá diminuir especificamente os níveis da HTT expandida na célula.
A expansão das repetições C-A-G causa doenças para além da DH
A DH não é a única doença causada pela expansão das repetições C-A-G. De facto, há um total de 10 doenças que têm uma genética semelhante. Para além da DH, estas incluem outras doenças raras como as ataxias espinocerebelares 1 e 3, frequentemente designadas por SCA1 e SCA3.
Tal como a DH, a SCA1 e a SCA3 também são causadas por mutações genéticas que aumentam o número de C-A-Gs acima de um limiar específico e resultam em doença neurológica. Estes aumentos de C-A-G ocorrem em genes chamados Ataxina-1 e Ataxina-3 para a SCA1 e SCA3, respetivamente. Pensa-se que as proteínas expandidas codificadas pela Ataxina-1 e pela Ataxina-3 com expansão de C-A-G são tóxicas e são um fator-chave da doença SCA1 e SCA3.
Uma vez que o VO659 foi concebido para ter como alvo os C-A-Gs longos, isto significa que pode ser um medicamento útil para ajudar a reduzir as proteínas tóxicas produzidas por qualquer doença de expansão C-A-G, incluindo a DH, a SCA1 e a SCA3.
Diminuição preferencial da cópia tóxica
As séries de repetições de C-A-Gs são encontradas em muitas moléculas de mensagens genéticas diferentes. De facto, o gene HTT normal e saudável tem tipicamente cerca de 18 C-A-Gs. Então, como é que o VO659 actua para atingir as moléculas de mensagem da doença?
Dados previamente apresentados pela Vico na Conferência sobre Terapêuticas para a Doença de Huntington 2023, relatados pelo HDBuzz, mostraram que o medicamento prefere C-A-G’s muito longos, por isso parece visar principalmente moléculas de mensagens de doenças, como a mensagem HTT expandida. No entanto, trata-se de uma preferência, uma vez que a mensagem HTT normal continua a ser visada pelo VO659, apenas em menor grau.
Esta é uma abordagem completamente diferente de outros ASOs que estão a ser testados na clínica para tratar a DH. Alguns visam a HTT total (não expandida e com expansão de C-A-G), como o tominersen desenvolvido pela Roche, enquanto outros visam apenas a forma patológica da HTT, como o WVE-003 da Wave Therapeutics. Ao contrário da Vico, que tem como alvo os C-A-Gs presentes tanto na cópia expandida como na não expandida da HTT, a abordagem da Wave utiliza uma assinatura genética única que só está presente na cópia expandida.
Os ensaios de cesto (basket trials) podem ajudar-nos a encontrar mais rapidamente novos medicamentos para as doenças raras
Dada a promessa que o VO659 tem para a DH e outras doenças com repetição C-A-G como a SCA1 e a SCA3, os cientistas da Vico Therapeutics conceberam um “ensaio de cesto” para o testar. Um ensaio de cesto consiste em agrupar num único ensaio pessoas com diferentes doenças que têm um tipo semelhante de alteração molecular.
A abordagem do ensaio de cesto pode ajudar a avaliar mais rapidamente a segurança de um medicamento, bem como a sua eficácia, num maior número de pessoas. A DH é considerada uma doença rara com ~1 em 4000 pessoas afectadas. A SCA1 e a SCA3 são ainda mais raras, ambas com cerca de 1 em 100.000 pessoas afectadas.

Com tão poucas pessoas, pode ser muito difícil recrutar participantes suficientes para um ensaio exclusivamente para uma destas doenças. Ao agrupar pessoas com diferentes tipos de doenças de repetição C-A-G, pode ajudar os cientistas a testar de forma mais rápida e eficiente um medicamento na clínica que possa funcionar para todas elas.
Neste caso, a Vico incluiu no seu ensaio clínico de Fase 1/2a pessoas com SCA1, SCA3 ou DH, todas elas com um aumento da repetição C-A-G nos genes Ataxina-1, Ataxina-3 ou HTT, respetivamente.
Desenhar um ensaio para testar o VO659 em pessoas com doenças de repetição C-A-G
Para serem incluídos no ensaio, os participantes devem ter entre 25 e 60 anos de idade e ter um diagnóstico genético de SCA1, SCA3 ou DH. Estes testes indicam um número de C-A-G e, para se qualificarem para o ensaio, as pessoas com SCA1 necessitam de 41+, as com SCA3 necessitam de 61+ e as com DH necessitam de 36+.
Os participantes do ensaio também precisam de estar nas fases iniciais da SCA1, SCA3 ou DH. Para as pessoas com SCA1 e SCA3, isto foi definido como doença ligeira a moderada com uma pontuação na Escala de Avaliação da Ataxia (SARA) de 3-18. Para as pessoas com DH, isto é definido como doença em estadio I com uma pontuação de Capacidade Funcional Total (TFC) de 11-13 e um Nível de Confiança de Diagnóstico (DCL) da Escala Unificada de Avaliação da Doença de Huntington (UHDRS) de 4. Todos estes acrónimos representam diferentes métricas clínicas que podem ajudar os médicos a medir o grau de doença em que alguém se encontra.
Os dados apresentados até agora são de um total de 23 pessoas inscritas no ensaio: 6 com DH, 3 com SCA1 e 14 com SCA3. O ensaio tem como objetivo testar 3 doses diferentes de VO659 (10, 20 e 40 mg) para determinar qual a dose mais segura e eficaz para atingir as moléculas de mensagem causadoras da doença. Todas as pessoas com DH no ensaio estão a receber a dose máxima de 40 mg do medicamento.
Todos os participantes no ensaio estão a receber quatro doses do medicamento, administradas uma vez de 4 em 4 semanas. No entanto, o ensaio prossegue durante 23 semanas após o fim das administrações, o que permite efetuar medições das pessoas que tomaram o medicamento, para ver até que ponto está a funcionar bem e até que ponto é seguro após o fim das administrações.
Resultados da atualização provisória - o que sabemos sobre o VO659 até agora?
Esta atualização provisória foi partilhada através de um comunicado de imprensa e também através de apresentações na recente reunião EHDN e ENROLL-HD 2024 em Estrasburgo, em setembro, e no Congresso Internacional de Investigação sobre Ataxia (ICAR) em Londres, em novembro. Vamos aos novos dados…
Segurança
Num ensaio de Fase 1/2a, um dos aspectos mais importantes a determinar sobre um novo medicamento é a sua segurança para as pessoas. O comunicado de imprensa recente da Vico afirma que o medicamento é geralmente seguro e bem tolerado, o que parece ser uma boa notícia. No entanto, quando os dados da atualização provisória foram apresentados nas recentes reuniões da EHDN e da ICAR, ficámos a saber que este não era o quadro completo.
Das 6 pessoas com DH que receberam o medicamento, 1 pessoa teve radiculite, uma doença caracterizada pela inflamação de certas células nervosas que pode levar a alterações sensoriais dolorosas ou fraqueza motora na parte inferior do corpo e nas pernas. 2 pessoas no grupo SCA1 e 1 pessoa no grupo SCA3 também sofreram radiculite.
Este é um efeito secundário observado em estudos que investigaram outras terapias ASO. A Vico planeia mitigar este problema no futuro, reduzindo a quantidade de medicamento administrada aos participantes no ensaio. Felizmente, 3 das 4 pessoas que sofreram este efeito secundário estão a dar sinais de recuperação.
Todos os outros efeitos secundários foram menores, incluindo dores de cabeça, tonturas e náuseas, e estavam de acordo com o que era esperado para este tipo de ensaio clínico.
NfL
O neurofilamento de cadeia leve, também chamada NfL, é um biomarcador da saúde do cérebro. Medido no líquido cefalorraquidiano, se os níveis de NfL aumentarem, é geralmente um indicador de que a saúde do cérebro está a diminuir. (Assim, para os níveis de NfL, subir é mau e descer é bom).
Os dados apresentados no ICAR e na EHDN sugerem que os níveis de NfL podem subir um pouco após a administração da dose em algumas pessoas, o que seria de esperar após uma punção lombar. Olhando para todos os dados recolhidos até agora para as pessoas que atingiram a sua 4ª dose, a boa notícia é que em quase todas as pessoas que receberam o medicamento até agora, os níveis não subiram significativamente a longo prazo.
Nos dados mais recentes da apresentação do ICAR, parece de facto que pode haver uma diminuição de 2,5% em 5 pessoas com DH que receberam a dose de 40 mg após 120 dias, 5 semanas após a última dose. Isto é encorajador, mas devemos ser cautelosos com os dados de um número tão pequeno de pessoas.

Redução da HTT
A Vico analisou a forma como os níveis da proteína HTT expandida se alteraram nas pessoas com DH que receberam o medicamento. Uma vez que esta forma expandida da HTT só é produzida em pessoas com DH, tiveram amostras de apenas 6 pessoas para analisar. Duas pessoas deste grupo do ensaio têm DH muito precoce, pelo que os níveis de HTT expandida no seu líquido cefalorraquidiano eram demasiado baixos para serem medidos com confiança.
No comunicado de imprensa e na apresentação na EHDN, foi observada uma redução de 28% nos níveis de HTT expandida nas pessoas com DH que receberam 40 mg do medicamento após a 4ª dose. Isto mostra que o medicamento está a funcionar como esperado e a baixar os níveis de HTT.
Em dados mais recentes apresentados no ICAR, foi demonstrado que os níveis de HTT foram reduzidos em 38% em 3 pessoas. Estes dados foram recolhidos aos 120 dias, 5 semanas após estas pessoas terem recebido a última dose. Isto parece sugerir que o efeito do medicamento é duradouro e que os níveis da HTT expandida permanecem baixos mesmo após a interrupção da administração do medicamento.
E as pessoas com SCAs?
Foram partilhados dados relativos a pessoas no ensaio com SCA3, para ver como os seus níveis de Ataxina-3 expandida se alteraram tanto no líquido cefalorraquidiano como nas amostras de sangue. Não se registou qualquer alteração no líquido cefalorraquidiano, mas parece que os níveis podem baixar nas amostras de sangue de algumas pessoas.
Não parece haver um efeito dependente da dose nestas alterações, ou seja, uma maior descida nas pessoas que receberam mais medicamento. No entanto, ainda estamos a dar os primeiros passos, com muito poucas pessoas, pelo que talvez seja necessário esperar por mais dados de mais pessoas para ter a certeza.
O que é que se segue para o VO659?
Mais dados
Este estudo de Fase 1/2a está a decorrer e há muitos mais dados a recolher. Enquanto não tivermos esses conjuntos de dados finais e completos, não saberemos exatamente quais são as perspectivas desta abordagem terapêutica para as diferentes doenças que estão a ser investigadas.
Estratégia de dosagem
Algo que sabíamos através dos dados pré-clínicos (ou seja, dados recolhidos em laboratório a partir de células numa placa de Petri ou de animais que modelam a DH) partilhados pela Vico é que este medicamento parece realmente manter-se e continuar a funcionar durante muito tempo depois de ser administrado. O termo científico mais sofisticado para isto é que o medicamento tem uma semi-vida longa. Isto pode ter problemas potenciais se demasiado medicamento se acumular em tecidos específicos do corpo ao longo do tempo, mas também pode ter a vantagem de significar que não é necessário administrá-lo às pessoas com tanta frequência.
A radiculite em 4 pessoas que receberam a dose mais elevada do medicamento pode muito bem estar relacionada com o facto de o medicamento se manter durante muito tempo, mas ainda não sabemos a causa exacta. Para o futuro, a Vico declarou que planeia administrar o VO659 com muito menos frequência, entre 1 a 3 vezes por ano, em estudos futuros deste medicamento.
Outro ensaio?
A Vico acredita que o VO659 parece ser um tratamento prometedor para pessoas com SCA3 e DH. Já estão a discutir com as entidades reguladoras um plano para um ensaio de fase 2 deste medicamento em pessoas com DH.
No final do dia, estes ensaios clínicos de fase inicial são concebidos para testar a segurança e a tolerabilidade de novos medicamentos, que é exatamente o que a Vico está a fazer com este ensaio. Embora pareçam existir alguns problemas potenciais de segurança com a dose mais elevada de VO659 que está a ser testada, a Vico está a acompanhar esses problemas e a desenvolver a sua estratégia para os resolver. Iremos mantê-lo atualizado à medida que o VO659 avança.