Sarah HernandezEscrito por Dr Sarah Hernandez Editado por Dr Rachel Harding Traduzido por Madalena Esteves

A redução da huntingtina (HTT) e a expansão somática têm sido dois dos tópicos mais quentes na investigação da doença de Huntington (DH) na última década. Um trabalho recente de uma equipa do Massachusetts General Hospital revelou uma sobreposição casual entre os dois - certos medicamentos que reduzem a HTT podem também ajudar a regular a expansão da repetição CAG em curso. Aparentemente, isto poderia permitir aos investigadores matar dois coelhos com uma cajadada só, utilizando um único medicamento. Mas há mais nesta história.

A expansão do CAG causa toxicidade

A repetição CAG no gene da HTT é o fator nefasto que conduz à DH. Esta repetição pode expandir-se em algumas células ao longo do tempo, o fenómeno biológico conhecido como expansão somática. Ultimamente, temos falado muito sobre a expansão somática, sobre a qual pode ler mais neste artigo recente.

Os moduladores de splicing, como o branaplam e o risdiplam, actuam para reduzir os níveis de proteína adicionando um sinal de paragem no meio de uma mensagem genética. A célula reconhece que o sinal de paragem está fora do lugar, que a mensagem não faz sentido, e não se dá ao trabalho de transformar a mensagem em proteína.
Os moduladores de splicing, como o branaplam e o risdiplam, actuam para reduzir os níveis de proteína adicionando um sinal de paragem no meio de uma mensagem genética. A célula reconhece que o sinal de paragem está fora do lugar, que a mensagem não faz sentido, e não se dá ao trabalho de transformar a mensagem em proteína.

Uma hipótese atual para explicar como é que a expansão CAG que causa a DH torna as pessoas doentes é um processo em duas etapas. Neste modelo, em primeiro lugar, o comprimento do CAG herdado expande-se lentamente em algumas células ao longo do tempo. Em segundo lugar, quando o comprimento do CAG atinge um limiar, a toxicidade na célula é despoletada, levando à morte. Este processo não parece ocorrer em todas as células, razão pela qual alguns cientistas pensam que apenas algumas células, como as células cerebrais, ficam doentes e morrem na DH.

Apontar para os modificadores para controlar a toxicidade

Em 2015, foi publicado um grande estudo pelo Consórcio de Modificadores Genéticos da Doença de Huntington (GeM-HD), um coletivo de cientistas que juntou as suas ideias e recursos para tentar perceber porque é que pessoas com o mesmo número de CAGs podem ter sintomas da doença mais cedo ou mais tarde na vida. Este estudo analisou toda a composição genética de mais de 4.000 pessoas com DH. Este estudo identificou genes que podem influenciar a altura em que os sintomas da DH podem começar. Chamaram aos genes que alteram a idade de início da doença “modificadores”, uma vez que modificam a altura em que alguém apresenta sinais da doença.

Muitos dos genes modificadores estão relacionados com a forma como o ADN é reparado e parecem influenciar a expansão da repetição CAG no gene da DH. Uma ideia-chave que surgiu da equipa do GeM-HD e de estudos subsequentes é que as pessoas que têm alterações nestes modificadores que os cientistas prevêem que irão abrandar a expansão somática, parecem ter DH mais tarde.

Alguns investigadores pensam que se conseguirmos controlar os modificadores de modo a abrandar a expansão somática, poderemos evitar o segundo passo no processo da DH - a toxicidade e a morte celular. Por esta razão, muitos cientistas têm estado a estudar os genes modificadores que controlam a expansão somática. Um desses grupos é liderado por Jim Gusella, que foi uma das pessoas-chave no artigo de 2015 do GeM-HD.

Um estudo publicado recentemente, conduzido por Zach McLean do grupo de Jim, detalha algo bastante curioso. Verificaram que os fármacos que reduzem os níveis de HTT também têm efeitos fora do alvo nos modificadores que controlam a instabilidade somática.

Medicamentos que reduzem a HTT

«Acontece que o branaplam e o risdiplam reduzem a HTT e podem também abrandar a taxa de expansão CAG. »

Os fármacos que reduzem a HTT testados neste estudo recente são o branaplam e o risdiplam. Estes medicamentos são pequenas moléculas que podem ser tomadas por via oral. Ambos são um tipo de medicamento denominado moduladores de splicing - funcionam introduzindo um sinal de paragem no meio da mensagem HTT. A célula lê este sinal de paragem, vê que está fora do sítio e não faz sentido, e não se dá ao trabalho de transformar a mensagem em proteína.

Os seus olhos podem ter-se arregalado quando viu o nome branaplam. Este é o mesmo medicamento que foi testado no falhado ensaio de Fase 2 VIBRANT-HD da Novartis. Escrevemos anteriormente sobre a interrupção deste ensaio por razões de segurança.

O risdiplam é um medicamento aprovado para o tratamento da atrofia muscular espinal (AME). Para essa doença, actua aumentando as quantidades de uma proteína que falta às pessoas com AME. O risdiplam, vendido como Evrysdi, foi aprovado pela FDA em agosto de 2020 e pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) em março de 2021. O Risdiplam foi aprovado para a AME em mais de 80 países.

Curiosamente, o risdiplam também reduz a HTT. Isto significa que as pessoas têm estado a tomar com segurança um medicamento para baixar a HTT durante vários anos. No entanto, essas pessoas não têm DH, o que pode fazer a diferença.

A capacidade de atingir o alvo pode não significar especificidade

Um aspeto a ter em conta sobre alguns moduladores de splicing orais que reduzem a HTT é que não são específicos. Eles não são projetados para atingir apenas e especificamente a HTT. Funcionam incluindo pedaços de mensagem, como sinais de paragem, para muitos genes diferentes. Estes efeitos fora do alvo levaram os cientistas a suspeitar que poderiam ter consequências indesejadas.

Para compreender melhor estas consequências indesejadas, a equipa adicionou branaplam e risdiplam a células numa placa de Petri. O que descobriram foi bastante inesperado! Acontece que o branaplam e o risdiplam reduzem a HTT e podem também abrandar a taxa de expansão CAG. Isto acontece porque estes medicamentos também atacam um gene chamado PMS1. Acontece que o PMS1 é um desses modificadores que foi identificado no estudo do GeM-HD. Pensa-se que quanto menos PMS1 as pessoas têm, mais tarde começam a apresentar sintomas de DH.

Apesar de os moduladores de splicing redutores de HTT funcionarem com base na mesma premissa, não são todos idênticos. Pequenas diferenças na sua composição alteram o seu funcionamento. Por isso, saber que um não funciona para a DH não dá pistas sobre os outros. Embora semelhantes, são todos diferentes.
Apesar de os moduladores de splicing redutores de HTT funcionarem com base na mesma premissa, não são todos idênticos. Pequenas diferenças na sua composição alteram o seu funcionamento. Por isso, saber que um não funciona para a DH não dá pistas sobre os outros. Embora semelhantes, são todos diferentes.

Nas células numa placa, o branaplam e o risdiplam parecem abrandar a expansão somática da HTT ao incluir um sinal de paragem prematuro na mensagem PMS1. Por este motivo, a célula reduz as quantidades de PMS1 da mesma forma que reduz a HTT. Com menos PMS1, há menos expansão de CAG no gene da HTT. Bastante fortuito!

Nem todos os moduladores de splicing direccionados para o gene da HTT funcionam da mesma forma

A equipa responsável por este estudo refere que existem diferenças entre o branaplam e o risdiplam. Enquanto o branaplam tem como alvo a HTT mais do que a PMS1, o risdiplam faz o oposto; o risdiplam tem como alvo a PMS1 mais do que a HTT. Além disso, os efeitos do branaplam na expansão somática parecem ocorrer apenas através da PMS1, mas o risdiplam tem efeitos na expansão fora da PMS1.

Assim, embora ambos os medicamentos tenham como alvo os genes da HTT e do PMS1, cada um deles tem efeitos únicos. Isto significa que também podem estar a atacar outros genes de forma diferente. Para além desta complexidade, estes medicamentos funcionam através do reconhecimento de letras no código genético. Uma vez que todos nós temos pequenas alterações na nossa ortografia genética que nos tornam únicos, estes medicamentos podem funcionar de forma diferente em pessoas diferentes. Este estudo realça a precaução que é necessário ter por causa disso.

Outro medicamento semelhante que não foi testado neste estudo é o PTC-518. Este medicamento funciona de forma muito semelhante e está atualmente a ser testado num ensaio de Fase 2 pela PTC Therapeutics. Não podemos inferir nada sobre o PTC-518 a partir deste novo trabalho porque não foi incluído no estudo atual. Por isso, não sabemos exatamente se é semelhante ou diferente do branaplam ou do risdiplam.

Será o PMS1 o novo alvo a atingir?

Este novo estudo reforça o PMS1 como um potencial alvo a atingir no tratamento da DH para reduzir a expansão somática. No entanto, os investigadores têm de ser cautelosos quando atacam os genes que controlam a expansão somática. Estes genes também regulam a forma como o nosso ADN é reparado, o que é fundamental para manter a integridade da nossa sequência genética e prevenir o cancro.

«Pode estar a perguntar-se se estes novos dados significam que o branaplam vai voltar aos ensaios clínicos para a DH. A resposta curta - não. »

Os investigadores também têm de descobrir primeiro até onde devem reduzir o PMS1 ou outros genes que controlam a expansão somática. Precisam de encontrar o ponto ideal para os baixar o suficiente para abrandar a expansão somática e proporcionar benefícios terapêuticos. Este estudo apenas avaliou o PMS1 em células numa placa de Petri. A seguir, seria necessário passar para modelos de ratinhos.

Isto significa um ressurgimento do branaplam?

Pode estar a perguntar-se se estes novos dados significam que o branaplam vai voltar aos ensaios clínicos para a DH. A resposta curta - não. Embora não existam planos imediatos para testar o branaplam na clínica para a DH, outros moduladores de splicing estão a avançar. Ainda podemos aprender bastante sobre os moduladores de splicing da HTT que estão a avançar, estudando o branaplam em laboratório.

Ao estudar o branaplam e outros fármacos com mecanismos de ação semelhantes, podemos ter uma ideia melhor de como são semelhantes e como são diferentes. Saber isto, e estudar quais funcionam melhor, pode ajudar a identificar outros medicamentos com efeitos mais específicos nos alvos de eleição. Pode também ajudar-nos a compreender como podemos reduzir os efeitos secundários indesejáveis.

Por isso, embora este estudo tenha identificado um efeito secundário positivo de um modulador de splicing para a redução de HTT, isso não significa que este medicamento vá voltar a ser utilizado na clínica. No entanto, o facto de sabermos que os fármacos que reduzem a HTT também podem ter como alvo a expansão somática pode informar os ensaios em curso e futuros que utilizem esta classe de fármacos, conduzindo talvez ao desenvolvimento de fármacos que matem dois coelhos com uma cajadada só.

Sarah é funcionária da Hereditary Disease Foundation, que forneceu ou está a fornecer financiamento a vários investigadores referidos nesta publicação. Para mais informações sobre a nossa política de divulgação, veja a nossa FAQ...