Rachel HardingEscrito por Dr Rachel Harding Editado por Dr Sarah Hernandez e Dr Chris Kay Traduzido por Madalena Esteves

Um novo estudo conduzido por investigadores da University College London ajudou a descobrir algumas das primeiras alterações que ocorrem em pessoas com o gene da doença de Huntington (DH), muito antes do aparecimento de sintomas óbvios. Foi possível medir alterações muito ligeiras nos exames cerebrais e em diferentes parâmetros em jovens com o gene da DH que não apresentavam alterações no pensamento, no comportamento ou nos movimentos. A medição destas alterações muito precoces abre caminho para que a comunidade da DH comece a pensar em testar medicamentos mais cedo na DH. Vamos a isso.

Descobrir onde tudo começa

A DH é uma “doença de expansão de repetições CAG”. Toda a gente tem uma sequência repetitiva de letras de ADN C-A-G no seu gene da Huntingtina, mas as pessoas que desenvolvem a DH têm mais de 35 repetições C-A-G. Quanto mais C-A-Gs uma pessoa tiver no seu gene da Huntingtina, mais cedo é provável que apresente sintomas.

O Huntington's Disease Young Adult Study (HD-YAS) estuda pessoas com a expansão do gene da DH para tentar identificar algumas das primeiras alterações que ocorrem na doença.
O Huntington’s Disease Young Adult Study (HD-YAS) estuda pessoas com a expansão do gene da DH para tentar identificar algumas das primeiras alterações que ocorrem na doença.

A DH é tradicionalmente vista como uma doença que não afecta as pessoas com a expansão do gene da DH até à meia-idade. E é certamente verdade que, para a maioria das pessoas, elas podem não ter quaisquer sintomas óbvios até à idade adulta.

No entanto, as pessoas têm a alteração genética que causa a DH desde o nascimento, por isso os cientistas há muito que suspeitam que as alterações podem estar a acontecer muito mais cedo no decurso da vida de alguém que tenha a expansão do gene da DH. Também estamos a aprender com as recentes actualizações dos ensaios clínicos que algumas terapias podem funcionar melhor se as administrarmos às pessoas mais cedo, antes que os seus sintomas progridam demasiado.

Ver as alterações antes de elas acontecerem

Mas como é que sabemos se os medicamentos estão a funcionar nas pessoas jovens com DH? Se ainda não existem sintomas óbvios, então como é que sabemos se estamos a abrandar ou a travar a doença?

Para tentar resolver estes problemas, muitos cientistas têm estado a trabalhar para estudar a DH em pessoas antes de estas apresentarem sintomas. A ideia é que, se conseguirmos identificar algo que possamos medir em pessoas mais jovens com a expansão do gene da DH para prever a sua progressão da doença, então poderemos ser capazes de mostrar se os medicamentos estão a abrandar ou a travar a progressão da DH olhando para essa medida.

«Também estamos a aprender com as recentes actualizações dos ensaios clínicos que algumas terapias podem funcionar melhor se as administrarmos às pessoas mais cedo »

Estas medidas são chamadas “biomarcadores” - métricas biológicas que podemos seguir para ver como a DH está a progredir numa pessoa. Os cientistas deste estudo propuseram-se tentar identificar alterações precoces em jovens com a expansão do gene da DH, num esforço para identificar biomarcadores para futuros ensaios de medicamentos.

Os membros da comunidade #HD tornaram este estudo possível

Uma investigação como esta não pode acontecer sem os voluntários altruístas que se inscrevem nestes estudos, aos quais estamos todos extremamente gratos. No total, mais de 150 pessoas participaram neste estudo, cerca de metade das quais são pessoas com a expansão do gene da DH e as restantes são pessoas de idades semelhantes sem a expansão do gene da DH. Estas pessoas fazem parte do HD Young Adult Study (HD-YAS).

Todas as pessoas do estudo com a expansão do gene da DH foram classificadas de acordo com o HD Integrated staging system, ou HD-ISS. Este sistema de estadiamento fornece marcos claros para o percurso de alguém com a DH. O estadio 0 significa que o gene da DH está presente, mas não existem outras alterações. O estadio 1 significa que começam a ser observadas as primeiras alterações nos exames cerebrais. O estadio 2 é quando começam a ocorrer alterações visíveis nos movimentos e no pensamento. O estadio 3 é tudo o que foi referido acima e é quando alguém começa a ter dificuldades nas tarefas diárias da sua vida.

Quando este estudo começou, 81% dos portadores da expansão do gene da DH estavam no estadio 0, 17% estavam no estadio 1 e 2% estavam no estadio 2. Assim, embora todos eles tivessem a expansão do gene da DH, a maioria não tinha sinais ou sintomas visíveis da DH. Em média, estes participantes estão a cerca de 20 anos de desenvolver os sintomas de movimento associados à DH. Este estudo decorreu durante um período de tempo muito longo, de 4,5 anos, durante o qual cerca de 20% das pessoas com a expansão do gene da DH passaram do estadio 0 para o estadio 1, o que significa que as alterações nos exames cerebrais puderam começar a ser medidas.

Os participantes no estudo foram examinados através de muitos, muitos testes, incluindo imagiologia cerebral, recolha de sangue, recolha de líquido cefalorraquidiano, avaliação da cognição (planeamento, atenção, memória) e avaliação psiquiátrica (depressão, ansiedade, comportamento).
Os participantes no estudo foram examinados através de muitos, muitos testes, incluindo imagiologia cerebral, recolha de sangue, recolha de líquido cefalorraquidiano, avaliação da cognição (planeamento, atenção, memória) e avaliação psiquiátrica (depressão, ansiedade, comportamento).

Da cabeça aos pés: avaliação exaustiva dos participantes ao longo de 4,5 anos

Os participantes neste estudo foram avaliados e testados de várias formas diferentes para que os cientistas pudessem compreender quais os factores que podem estar a mudar ao longo dos 4,5 anos de estudo, antes de os sinais e sintomas habituais da DH serem óbvios.

Medidas clínicas

O estudo incluiu um grande número de testes para analisar as capacidades de raciocínio, como a memória, a capacidade de atenção e a velocidade de processamento. Também foram avaliados sintomas de saúde mental, como depressão, ansiedade e comportamentos de sono.

Ao longo destes 4,5 anos, os investigadores não observaram diferenças significativas na forma como as capacidades de raciocínio ou a saúde mental se alteraram ao longo do período do estudo entre as pessoas com a expansão do gene da DH e as pessoas sem. ISto está de acordo com estudos anteriores do grupo HD-YAS, em que não foram observadas diferenças entre jovens com a expansão do gene da DH e pessoas da mesma idade sem o gene da DH quando analisaram os sintomas cognitivos e psiquiátricos.

Exames cerebrais de ressonância magnética

A equipa de investigação também recolheu exames cerebrais muito detalhados das pessoas que participaram no estudo para ver como as diferentes regiões do cérebro podem estar a mudar de tamanho ao longo do tempo. Fizeram isto porque algumas partes interiores do cérebro (o chamado estriado) ficam muito mais pequenas na DH e este é um marcador precoce da DH no estadio 1 da HD-ISS. Pensa-se que o encolhimento do estriado causa muitos dos sintomas da DH à medida que a doença progride.

«Os investigadores conseguiram medir a diminuição do tamanho do estriado, apesar de estes indivíduos estarem a duas décadas de serem diagnosticados na clínica »

Em pessoas com a expansão do gene da DH mas sem sintomas, os investigadores conseguiram medir a diminuição do tamanho do estriado, apesar de estes indivíduos estarem a duas décadas de serem diagnosticados na clínica e não terem sintomas evidentes da doença. Algumas outras medições do volume cerebral também foram mais alteradas em pessoas com a expansão do gene da DH.

Quando dividiram os dados das pessoas com a expansão do gene da DH nos seus respectivos estadios, puderam ver uma diferença na rapidez com que o estriado encolheu entre os estadios 0 e 1, com uma perda mais rápida de células cerebrais nesta região para as pessoas no estadio 1, mais avançado. Esta descoberta alinha-se com o nosso entendimento de que as células cerebrais se perdem a um ritmo mais rápido à medida que a DH progride.

NfL

O NfL, ou neurofilamento de cadeia leve, é um biomarcador sobre o qual os leitores do HDBuzz têm ouvido falar muito recentemente, uma vez que é comummente relatado em actualizações de ensaios clínicos da DH. O NfL é visto como um biomarcador da saúde do cérebro, sendo que níveis elevados indicam geralmente uma pior saúde do cérebro.

Os investigadores descobriram que os níveis de NfL no líquido cefalorraquidiano eram muito mais elevados nas pessoas com a expansão do gene da DH do que nas que não a tinham, e que os níveis aumentavam mais rapidamente no grupo com o gene da DH. Para além disso, os níveis de NfL também acompanharam o número de CAG e a idade, sendo que as pessoas mais velhas com números de CAG maiores tiveram as maiores alterações nos seus níveis de NfL. Em conjunto, estes resultados consolidam ainda mais o NfL do líquido cefalorraquidiano como um biomarcador muito sensível da progressão da DH, mesmo nestas fases muito precoces da doença.

PENK

A proencefalina, ou PENK, é outro marcador que demonstrou acompanhar a saúde de um tipo de célula cerebral chamada neurónios espinhosos médios, as células mais afectadas pela DH. A PENK difere do NfL porque diminui quando este tipo de células fica doente.

Nas pessoas com expansões genéticas da DH, o número de CAG aumentará lentamente ao longo do tempo em algumas células do corpo, um processo conhecido como instabilidade somática ou expansão somática.
Nas pessoas com expansões genéticas da DH, o número de CAG aumentará lentamente ao longo do tempo em algumas células do corpo, um processo conhecido como instabilidade somática ou expansão somática.

Os investigadores observaram diminuições mais rápidas na PENK em pessoas com a expansão do gene da DH em comparação com pessoas sem o gene da DH. Mais uma vez, isto estava relacionado com o número de CAG e com a idade, com as pessoas mais velhas com CAGs mais longos a terem alterações mais drásticas nos seus níveis de PENK.

Expansão somática no sangue

A expansão somática é o fenómeno pelo qual o número de CAG aumenta em alguns tipos de células do corpo ao longo do tempo. Esta ideia está a receber muita atenção na investigação da DH e provavelmente já reparou que estamos a escrever muito sobre ela à medida que mais e mais estudos são publicados.

As coisas realmente descolaram quando os estudos de associação de todo o genoma apontaram para a expansão somática como um fator potencialmente importante para quando os sintomas da DH podem começar. Estes estudos procuram alterações de letras genéticas no nosso código de ADN que estejam associadas a um início mais precoce ou mais tardio dos sintomas do que o previsto com base apenas no número CAG. Acontece que muitas destas alterações de letras genéticas estão em genes que estão envolvidos na expansão somática.

No presente estudo, a equipa analisou as alterações do número de repetições CAG em células de amostras de sangue dos participantes. Foram encontradas mais expansões nas células sanguíneas de pessoas com a expansão do gene da DH, com taxas mais elevadas de expansão em pessoas com números CAG mais elevados. As alterações que estão a ser medidas aqui são pequenas e é bastante incrível que os investigadores consigam seguir esta expansão a partir de amostras de sangue, onde sabemos que as expansões não são muito comuns, mesmo em pessoas com sintomas de DH.

Ao ouvir estes novos resultados, que detalham o aumento do tamanho da repetição CAG em amostras de sangue, pode fazer com que se pergunte se o seu número de repetição CAG vai aumentar ao longo da sua vida e se deve fazer um novo teste para a DH. Resumindo, é muito pouco provável que a sua repetição se altere e não precisa de fazer um novo teste. As alterações que estão a ser detectadas neste estudo são muito pequenas - uma vitória para as experiências sensíveis e um peso que sai dos ombros.

«Sarah Tabrizu disse “O nosso estudo reforça a importância da expansão somática na condução das primeiras alterações neuropatológicas da doença em seres humanos vivos portadores da expansão genética da DH" »

Outros biomarcadores

Os investigadores também analisaram uma série de outros marcadores, completando uma avaliação extremamente minuciosa de tudo o que poderia mudar mais em pessoas com a expansão do gene da DH em comparação com os controlos. Isto incluiu a própria proteína huntingtina, que era dificilmente detetável na maioria das pessoas nesta fase inicial, bem como marcadores de inflamação. Tanto a huntingtina como estes outros marcadores de inflamação não eram diferentes das pessoas sem a expansão do gene da DH em idades semelhantes.

Como é que estas medidas acompanharam a progressão da doença?

Depois de fazer todas estas medições, a equipa verificou em seguida como poderiam acompanhar a doença, utilizando os dados das ressonâncias magnéticas como marcadores de milhas para a progressão da doença. Recorde-se que o encolhimento do estriado nos exames cerebrais faz parte do que define o estadio 1.

Os investigadores descobriram que os níveis de NfL e PENK no início do estudo podem ser utilizados para prever a rapidez com que as células se perdem no cérebro, mesmo em pessoas que estão a muitos anos de apresentar sintomas. Isto é bastante surpreendente, dado que estas pessoas mais jovens com a expansão do gene da DH não apresentavam quaisquer alterações detectáveis na cognição, memória ou humor. A taxa de expansão somática no sangue e a forma como esta se altera ao longo do tempo também se revelou promissora para prever alterações na estrutura cerebral e nos níveis dos biomarcadores NfL e PENK.

É a primeira vez que, em seres humanos, os cientistas conseguem associar a expansão somática medida no sangue a alterações cerebrais precoces, que ocorrem cerca de 20 anos antes do início dos sintomas de movimento. Os cientistas estão muito entusiasmados com esta descoberta, uma vez que sugere que a expansão somática pode ser um fator-chave da perda de células cerebrais na DH.

O Sistema Integrado de Estadiamento da Doença de Huntington (HD-ISS) define marcadores claros na progressão da DH.
O Sistema Integrado de Estadiamento da Doença de Huntington (HD-ISS) define marcadores claros na progressão da DH.

Porque é que isto é importante?

Há um monte de investigadores da DH em universidades e em empresas de biotecnologia e farmacêuticas que estão a trabalhar para desenvolver tratamentos para tentar abrandar, parar, ou mesmo reverter a expansão somática. Muitos cientistas já estavam convencidos de que esta era uma boa ideia, com base nos dados do estudo de associação do genoma completo, que mostram que a instabilidade pode estar associada à precocidade ou ao atraso dos sintomas da DH. Este estudo faz avançar o campo porque agora temos um biomarcador sensível na medição dos níveis de CAG no sangue que pode ser utilizado para detetar alterações antes do aparecimento dos sintomas. Isto abre a porta para o início de ensaios clínicos em pessoas pré-sintomáticas que vivem com a expansão do gene da DH.

A Professora Sarah Tabrizi, que liderou este estudo, afirmou: “O nosso estudo reforça a importância da expansão somática na condução das primeiras alterações neuropatológicas da doença em seres humanos vivos portadores da expansão genética da DH. Quero agradecer aos participantes no nosso estudo com adultos jovens, pois a sua dedicação e empenho ao longo dos últimos 5 anos significam que estamos verdadeiramente a aproximar-nos dos ensaios clínicos de prevenção da doença de Huntington.”

Gostaríamos de nos juntar a Sarah e à sua equipa, agradecendo a todos os que participaram neste estudo. Esta investigação não teria sido possível sem vocês. A equipa do HDBuzz está entusiasmada por ver para onde esta investigação aponta a seguir e espera poder informar sobre isso em breve.

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